por Nina Horta
Assisti o documentário “O mineiro e o queijo”, de 72 min, 2011, de Helvécio Ratton. Todos os jornais já falaram do filme, da incoerência entre a legislação federal e a estadual. O queijo feito em Minas com leite cru não pode ser vendido em outros estados do Brasil, nem fora, para o estrangeiro. E por isso comemos queijos artesanais franceses, caríssimos, pois lá conseguiram ganhar a batalha contra as leis ligadas ao queijo pasteurizado, ao entenderem o valor do produto artesanal, mais moderna, mais esclarecida.
A impressão que dá é de um nó quase cego. De um lado os queijeiros, com suas micro queijarias, muito limpas, tentando obedecer a todas as leis de higiene e do outro lado o poder público entravado em burocracia e falta de pesquisa, alheio à modernidade e à necessidade de criar uma lei que não deixe morrer este artesanato.
O próprio filme pode e vai contribuir para que as pessoas se interessem pelo assunto que nos passa desapercebido enquanto comemos queijos brancos mineiros com sabor padronizado. Os mineiros, com sua verve também chamam a atenção para o seu fraco poder de marketing ou de lobby. Sabem fazer o queijo, querem fazer o queijo, mas o resto…que preguiça.
O engraçado é que quando um mineiro vem me visitar traz um queijo daqueles contrabandeado na mala, mineiro quer mais é comer queijo bom. Uma das pessoas entrevistadas se intriga- “Pois não é que todo mineiro sempre comeu queijo e não me consta que nenhum tenha morrido por causa disso.” E dá aquela risadinha de Carlos Drummond de Andrade, de um lado só, tampando a boca.
As mulheres se parecem todas com Adélia Prado, são poetas na sua língua mineira e nos seus queijos.
Quem assiste a esses documentários franceses clamando por seusterroirs vai sentir a semelhança. Não são franceses, mas tem o mesmo linguajar peculiar, o mesmo amor à profissão, quase paixão, a mesma sabedoria e savoir faire. Descrevem o terroir assim: “o queijo da gente nunca é igual. Aprendemos com as mesmas pessoas, usamos o leite de vacas semelhantes, um queijeiro é amigo do outro, mas às vezes o lugar tem uma árvore a mais que dá sombra na queijaria, ou um capim mais gorduroso, ou a mão mesmo de quem faz é mais quente ou mais fria e o queijo sai diferente. E muito bom. Sem comparação com queijo industrializado”
E é bonito ver aqueles morros ondeantes, as estradas de terra, a galinhada solta, as casinhas toscas mas escrupulosamente limpas. E o cenário lindo é Minas e somos capzes de perceber que aquilo é terra e gente brasileira onde quer que estivermos. Como diz um dos entrevistados. Estes queijos não são bons só para a barriga, são bons para dar identidade, permitir que as pessoas continuem fixadas nos lugares onde nasceram e trabalham, sustentando dignamente a família. É bom pra depressão, fazer queijo bom ou qualquer coisa boa com as mãos põe a tristeza a fugir.
O lucro deles é pequeno, às vezes nenhum. É uma atividade quase que amorosa esta profissão que vem do tataravô, morando nas pirambeiras e trazendo o queijo para vender na costas dos burros.
Poderiam vender o leite, dá menos trabalho e mais lucro. A faina do queijo é coisa de dia inteiro, mantém a fazenda viva, (dizem eles), fazenda só de leite é uma sem graceza só, comentam eles. Nada acontece, só tirar aquele leite de manhã e pronto.
O processo é lindo, o leite jorrando, a coagulação, a prensa e a salga.
Os vendedores entendem de cada queijo já pronto, um deles mostra antes de cortar com a faca o que vai achar lá dentro. “A massa desse está soando oca, não tem buracos, está denso”, e acerta. O outro faz um barulhinho diferente vai-se ver tem mais buracos.
Enfim é todo um emaranhado de saberes que pode se perder por preguiça de…nós todos.
Em filme polêmico, diretor mostra lei “absurda” do queijo de minas
CLARA MASSOTE
DEBORAH COUTO E SILVA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O cineasta Helvécio Ratton fez o documentário “O Mineiro e o Queijo”, que estreia nesta sexta-feira (30), não apenas por causas políticas. Motivos não lhe faltaram, já que os queijos artesanais de Minas Gerais –por serem feitos com leite cru– não podem ser vendidos no resto do país devido a leis higienistas, consideradas obsoletas (datam de 1952), que acabam favorecendo as grandes indústrias de laticínios.
Mineiro criado na região do Serro, Ratton o fez também por causas afetivas, para mostrar que o queijo de minas é não só questão de sobrevivência, mas de identidade cultural. O diretor percorreu fazendas, conversou com produtores e registrou o modo de fazer a iguaria mineira em três regiões do Estado: a Serra da Canastra, o Vale do Paranaíba e a própria região do Serro.
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