

A queixa dos consumidores se repete a cada inverno. Alguns queijos chegam à mesa mais salgados do que de hábito. A explicação para essa variação sazonal, segundo o vice-presidente da Associação de produtores de Queijo Minas Artesanal da Serra da Canastra (Aprocan), Luciano Carvalho Machado, é a necessidade de atender à demanda do mercado. Nos meses de inverno, há uma quebra na produção, que ele estima em torno de 20%, que reduz a oferta, enquanto a demanda permanece estável. Para piorar a situação, dois outros fatores influenciam a produção nos meses de frio: o leite é mais gordo e o queijo perde o soro mais lentamente, ou seja, exige mais tempo para a cura. Para compensar esse atraso e continuar produzindo no ritmo exigido pelo mercado, alguns produtores usam uma quantidade maior de sal para apressar o dessoramento e deixar o queijo pronto para o consumo mais rapidamente.
Luciano diz que o pequeno produtor se vê obrigado a comercializar sua produção para sobreviver e sofre uma pressão forte do atravessador para garantir o fornecimento do mesmo volume de queijos nos meses frios. Se ele não conseguir atender ao atravessador, corre o risco de perder o seu canal de venda. Com esse contexto, explica, o produtor “não consegue segurar a produção” e muitas vezes nem chega a avaliar o quanto isso poderá ser prejudicial no futuro.
Para Luciano Carvalho Machado, os produtores deveriam ter condições de investir em armazenamento adequado do seu queijo e dar ao produto o tempo necessário para maturação. Ele próprio diz seguir essa regra. Produz em Medeiros (MG) de 45 a 50 queijos por dia e os mantém armazenados até que estejam prontos para o consumo.
O sal no queijo
Denise Sobral, engenheira de alimentos, pesquisadora e especialista em tecnologia do queijo da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), de Juiz de Fora, alerta para o uso excessivo do sal na produção dos queijos: “o excesso de sal, além de não ser uma prática saudável, pode interferir na maturação do queijo, pois inibe a microbiota desejável que faz com que os queijos artesanais tenha o sabor característico tão procurado pelo chefs de cozinha”.
Segundo a pesquisadora, com base em estudos realizados em Minas Gerais, é comum a variação do teor de sal em queijos artesanais produzidos com leite cru da mesma procedência e, muitas vezes, até do mesmo lote. A razão para isso seria a falta de padronização da quantidade de sal utilizada no queijo.
De acordo com Denise Sobral, o sal serve também para mascarar sabores indesejáveis como o “sabor de curral” e melhorar o gosto de queijos amargos, ácidos ou rançosos. Para ela, que tem uma tese de doutorado sobre a produção de queijos, esse não é o caso do produto de boa procedência, fabricado com cuidado desde a obtenção do leite, mas é uma razão possível para explicar o uso excessivo de sal.
A criação do gosto


Denise Sobral explica o processo de salga e maturação do queijo artesanal: “A salga do queijo é feita a seco, ou seja, aplica-se sal grosso ou refinado na casca dos queijos por um período de 6 a 8 horas. Cumprido esse tempo, faz-se a viragem do queijo, aplica-se sal na outra face e o queijo fica salgando por mais um período. Após a salga, os queijos são lavados para retirar o excesso”.
As mudanças de sabor do queijo ocorrem durante a maturação. Boa parte deste processo ocorre em função das bactérias presentes no leite. Essas bactérias liberam enzimas que atuam na proteína e gordura do queijo e, consequentemente, alteram o sabor e a textura do produto.
“Um queijo fabricado com leite cru possui uma microbiota específica da região onde é produzido. Quando o leite é pasteurizado, essas bactérias são eliminadas e adiciona-se uma cultura, um fermento industrial, ao leite. Muitos acreditam que o queijo de leite pasteurizado não é tão rico em sabor quanto o queijo de leite cru por não possuir um conjunto tão rico de biodiversidade de bactérias. Portanto, as enzimas produzidas por bactérias naturalmente contidas no leite cru são diferentes das enzimas das bactérias inoculadas no leite pasteurizado e esta diferença acaba interferindo no sabor dos queijos”.
A pesquisadora diz que nos casos em que o queijo é consumido ainda fresco, sem que tenha havido tempo suficiente para a difusão do sal, é possível ter percepções de gosto diferentes: salgado na superfície e sem sal no miolo. O queijo maturado, por sua vez, sofre desidratação quando o processo de cura é feito sem embalagem. Nesses casos, é comum haver uma concentração do teor de sal.
Por Sérgio Boeck Lüdtke