A comercialização do queijo meia-cura

por Leonardo Vilaça Dupin

Uma grande contradição se apresenta entre a preferência do consumidor e as proibições que regem a comercialização dos queijos de leite cru no país. Uma rápida passada nos mercados, feiras livres e sacolões de Belo Horizonte é suficiente para ver que o queijo meia-cura (aquele que passou há poucos dias pelo dessoramento) é o preferido dos consumidores locais, apesar de não estar usualmente na esfera dos produtos permitidos pelas leis federais e estaduais.

Segundo o comerciante Rodrigo Gomes de Oliveira, a proporção de venda no Mercado Central é de três queijos meia-cura para um queijo curado

No Mercado Central da capital mineira ele ocupa as principais prateleiras.  Segundo o comerciante Rodrigo Gomes de Oliveira, da Loja do Itamar, a proporção de venda é de três queijos meia-cura para cada unidade do curado (queijo amarelado, com mais de dez dias de fabricação) e quatro meia-cura para cada queijo fresco (ainda sorado, com pouco dias de fabricação). “O mineiro gosta de servir o meia-cura com café, enquanto o curado é servido como tira-gosto ou usado para fazer pão-de-queijo”, afirma.

Segundo Oliveira, a preferência mineira é pelo queijo de massa fechada (sem furinhos), que atualmente chega ao consumidor a uma média de R$15,00 kg no local. Se o queijo for rendado (com pequenos furos), o preço cai a R$12,00 kg. Segundo ele, esse último é visto como um produto de pior qualidade pelo consumidor belorizontino e por isso tem menos saída no mercado.

O comerciante José Luiz Pereira, da loja Comercial do Queijo (também no Mercado Central), explica a preferência pelo meia-cura: “é um queijo com uma semana, é mais resistente para ser transportado em viagem do que o queijo fresco e é menos salgado que o curado, por isso o consumidor daqui prefere esse tipo de queijo”, relata.

Já em São Paulo, “a preferência é pelo queijo meia-cura caipira rendado”, é o que garante o comerciante Manuel Mangas Pereira, que está no ramo há mais de 50 anos. “O consumidor paulista quer o queijo furadinho, que tem o gosto mais ácido. Ele come puro ou derretido no pão”, afirma.

Em sua barraca, no bairro Pacaembu (em frente ao estádio), Pereira afirma que a proporção de queijos vendidos ali é de três meia-cura para cada curado, seguindo a tendência de Minas. Se o produto estiver rendado, o preço gira em torno de R$18,00 kg, já com a massa fechada saí por R$20,00 kg.

Ele reclama que, devido às exigências do Sistema de Inspeção Federal (SIF), esse tipo de queijo precisa de uma série de “manobras” para chegar em São Paulo. “Essa semana não chegou queijo para mim. Eu nunca entendi essa lei federal que proibe o queijo de chegar em São Paulo. Por que o queijo é saudável para o mineiro e não é também para o paulista?”, questiona.

O queijo rendando (com pequenos furos) é o preferido do mercado paulista

Leis contraditórias

Apesar da preferência do consumidor, a comercialização do queijo meia-cura é um tema controverso. As diversas leis se sobrepõe e se contradizem sobre prazos e condições de venda desses queijos. No dia 18 de janeiro, o advogado Rafael Grassi publicou no site do Slow Food Brasil um artigo em que analisa as leis federais referentes à produção de queijos de leite cru, o relato caiu nas redes sociais levantando a discussão.

Grassi conclui que pela legislação em vigor  “o prazo de maturação dos queijos produzidos a partir do leite cru, como é o caso do queijo Minas, deve ser de 10 dias, conforme está previsto no parágrafo 6° do artigo 928, do Decreto presidencial 30.691/1952”, afirma o texto.

O advogado argumenta que, pela hierarquia jurídica, a Lei 1.283, de 1952 (que prevê 10 dias para a comercialização), por ser aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, deve prevalecer sobre decretos ministeriais que vieram posteriormente, como a portaria 146 de março de 1996 (que prediz 60 dias para a comercialização), ou mesmo a normativa 57, lançada em 15 dezembro de 2011 (que reduz esse prazo a um período ainda não fixado).

Dessa forma, segundo ele, ao não respeitar os dez dias para a comercialização o governo estaria agindo na ilegalidade. A tese não é nova, existe um parecer dado pelo jurista Sérgio Pompeu de Freitas, para a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em dezembro de 2011, que vai ao encontro ao afirmar que o artigo 928, do Decreto presidencial 30.691/1952, continua em vigor.

O médico veterinário, Leôncio Diamante, falou sobre o governo cumprir a lei que prevê 10 dias para comercialização interestadual dos queijos de leite cru

Também em 2011, o  médico veterinário, residente na região da Canastra e colaborador da Sertãobras, Leôncio Diamante,  comentou o tema durante o I Simpósio de Queijos Artesanais, na cidade de Fortaleza:  “Durante anos o produtor vem pedindo a modificação da lei federal sobre o queijo artesanal de leite cru e não tem recebido nenhuma atenção. Após um exame mais acurado da legislação, verificamos que o que nós queremos agora é que o governo cumpra o artigo 928 do RIISPOA, onde estão previstos 10 dias para a comercialização” afirmou.

Porém, o Ministério da Agricultura (MAPA) atualmente segue a normativa 57, publicada em 2011,  em que afirma permitir que “queijos produzidos com leite cru sejam maturados por um período inferior a 60 dias, quando estudos técnico-científicos comprovarem a qualidade e a inocuidade do produto”. Porém, o Ministério ainda não apresentou esses estudos e a normativa, que foi bastante criticada (leia o artigo de Carlos Dória),  deve ser revogada até o final do próximo mês.

A comercialização do meia-cura em Minas

Por determinação da nova lei estadual, um novo prazo para a venda do meia-cura está sendo estudado

Dentro de Minas Gerais, a lei dos queijos artesanais não fala em dias. É a umidade que determina o prazo mínimo para a comercialização dos queijos de leite cru. Baseado em pesquisas realizadas pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), o Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) através do Decreto nº 42.645, de agosto de 2008, determinou que “os queijos de leite cru só poderão ser embalados após passar por período de maturação obtenção da umidade máxima de 45,9%”.

Tal percentual representa hoje, por exemplo, 21 dias para os queijos produzidos na Canastra e 15 dias para os queijos do Serro, prazo dentro do qual o queijo torna-se curado.  Porém, seguindo a determinação da nova lei estadual 20.549, aprovada dezembro de 2012, um novo limite para a comercialização do queijo meia-cura está sendo estudado. Este deve ser estabelecido em aproximadamente quatro meses (leia a matéria completa).