por Talita Aquino


Lincoln dizia que os Estados Unidos não podiam viver eternamente “metade livre, metade escrava”. Pois há que se dizer que o Brasil não pode continuar favorecendo os mineiros no que se refere ao consumo do Queijo Canastra e de todo o Queijo Minas. O Canastra carrega o título de Patrimônio Nacional e deveria estar ao alcance de todos no país e não só em um estado.
Spielberg acaba de lançar o filme Lincoln (indicado a 11 estatuetas no Oscar 2013), que nos ajuda a conhecer e entender um pouco a história dos Estados Unidos da América enquanto tinham Abraham Lincoln como presidente. O filme permite a reflexão sobre a política, a justiça e a economia desta grande potência mundial na época da Guerra Civil. Mas se o espectador brasileiro se permitir, o longa propiciará uma reflexão sobre nossa própria política, justiça, economia e as linhas controversas relativas aos direitos humanos.
Presidente Abraham Lincoln em fotografia da época e o ator Daniel Day Lewis indicado ao Oscar 2013 de melhor atorUm país onde um Patrimônio Nacional circula as fronteiras de seus estados como produto contrabandeado, impedido de chegar a cada um dos cidadãos não por condições físico-geográficas, econômico-sociais, mas por diversos impedimentos sustentados pelo próprio Estado, será um país de fato democrático? O que dizer de um país que cerceia o direito de cada um de usufruir de sua cultura, de conhecer sua história, costumes, gastronomia?
A Constituição americana de 1787 previa que todos os homens fossem iguais perante a lei. Desta forma, como alguns poderiam ser escravos e outros não? Sua crença na lei levou Lincoln a defender intensamente o fim da escravidão em todo o território estadunidense, buscando apoio entre os líderes dos estados e no Congresso Nacional. Para que todos os homens fossem livres, todos os estados deveriam proibir a existência de escravos.


No Brasil, o Queijo Canastra não pode ser vendido nem em São Paulo, nem em Pernambuco, nem em qualquer outro estado a não ser Minas Gerais. Entretanto, esse queijo foi certificado em 2008 como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, um bem a ser defendido, preservado e valorizado. Contrária a esta prerrogativa, a legislação impede que ele seja comercializado fora de Minas por se tratar de um produto feito a partir do leite cru. As regras sanitárias exigidas pela federação não condizem com a realidade existente no Brasil e além de ultrapassadas, se inspiram em regulamentações destinadas a outras condições climáticas e geográficas.
O Estado, ao invés de alterar esta legislação em prol do cumprimento de igualdade de direito a todos os cidadãos, facilita e acaba por garantir exclusividade do acesso a determinado estado. Ao invés de investir neste patrimônio – ou seja, defendê-lo, preservá-lo e valorizá-lo – deixa essa tarefa aos seus artesãos. Cabe a eles adequarem-se ao regulamento sem nenhum apoio, tendo que injetar dinheiro em obras onerosas que lhes permitam vender seu produto, concorrendo todos entre si no mercado mineiro, incapaz de consumir toda a oferta. O ganho desses manufatureiros só pode ser encontrado além das fronteiras do estado, atendendo a demanda dentro da ilegalidade, transformando um bem patrimonial em contrabando.
Contra seu próprio país mas justamente por ele, Lincoln lutou e acabou sendo assassinado por ser quem era e defender o que acreditava. Fez história e é um dos responsáveis pelo fato de que o atual presidente do seu país é negro. Enquanto isso, no Brasil, produtores e consumidores tentam alertar o Estado para que dê valor ao seu patrimônio, dentro do país e lá fora. Lutam por aqueles mesmos direitos humanos de igualdade e liberdade: que nos permitam também aquilo que é garantido ao outro e que não sejamos subjugados por uma minoria.
No vídeo abaixo o patrono da SertãoBras, Sr. Gabriel Andrade, fala um pouco sobre Lincoln e a clandestinidade do queijo canastra:
Gabriel from SerTãoBras on Vimeo. Video por Riba Castro.
Gabriel também discorre sobre Lincoln em outros textos já publicados aqui no site da SertãoBras: