Os problemas vivenciados pelos produtores do queijo canastra são o tema central da tese de doutorado em Geografia defendida por João Batista Villas Boas Simoncini em 13 de março 2017. Com o título « Produzir para viver ou viver para produzir: conflitos vividos pelos familiares e as estratégias de resistência no território do queijo canastra», a tese apresenta um estudo de campo realizado durante oito meses na microrregião da Canastra, além de uma vasta pesquisa bibliográfica sobre o tema.
Em 309 páginas, João, que é professor do curso de Gastronomia do CES Juiz de Fora, descreve o processo de produção e comercialização do queijo e narra os conflitos vividos e sentidos pelos produtores familiares ao longo dos últimos anos. A busca pelo reconhecimento do produto no mercado e de uma produção condizente com as demandas atuais dos consumidores são descritos à exaustão:
“O ponto principal refere-se a artesanalidade do processo de elaboração do queijo e os riscos de descaracterizar o modo de fazer devido a legislação que rege a produção e a comercialização do queijo” disse João
Uma das constatações do pesquisador é que a produção do Queijo Canastra, como uma forte atividade socioeconômica, se constituiu ao longo da história e tem contribuído com o desenvolvimento local e regional, com o estabelecimento e manutenção de questões simbólicas e concretas, como a possibilidade de permanência dos produtores no meio rural.
“A produção do Queijo Canastra é um dos elementos que configuram a organização social local, contribui com a geração de renda e emprego” disse ele.
João concedeu a entrevista abaixo por email.
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O que motivou a realizar essa tese? Qual a sua relação com o queijo minas artesanal?
JoãoVillas Boas: Uma das principais motivações para estudar o queijo canastra surgiu ao assistir o documentário “O mineiro e o Queijo” e perceber o quanto este produto, apesar de muito consumido, tem sua importância histórica desconhecida pelo povo mineiro. Assim, este documentário me despertou a curiosidade de entender as formas de organização da produção e seus desdobramentos econômicos, sociais e culturais.
Ao me envolver com esta temática por 4 anos, convivi com os produtores de queijo e compreendi suas histórias de vida. Percebi que a história do queijo canastra transcendia a questão social e cultural, sua produção conflitava com o modelo industrial de produção. Percebi que os produtores resistem a adoção das práticas constantes nas normas, que os forçam a adaptar a produção de queijos artesanais aos princípios industriais, cujos parâmetros baseiam-se na pasteurização do leite, no uso de utensílios e equipamentos inoxidáveis e na padronização dos produtos.
Constatei nas visitas de campo e no decorrer das entrevistas – como também foi constatado por outros trabalhos e publicações sobre queijo canastra – que estar na informalidade é uma estratégia de resistência, por parte dos produtores, uma maneira de manter a tradição, o saber e o modo de fazer, os hábitos e costumes e o modo de vida na Microrregião da Canastra.
Como salientado na tese, a produção do queijo canastra é um dos elementos que configuram a organização social local, contribui com a geração de renda e emprego. Constituiu-se historicamente em uma atividade socioeconômica que têm contribuído para o desenvolvimento local e regional, com o estabelecimento e manutenção de questões simbólicas, responsáveis pela (re)produção cultural e como possibilidade de permanência dos produtores no meio rural.
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Qual a descoberta que mais te deixou feliz durante o processo de pesquisa? E qual a maior frustração?
JoãoVillas Boas: O que mais me deixou feliz e motivado com a pesquisa foi viver e conviver com os produtores de queijo por 8 meses na Microrregião da Canastra e então perceber que o conhecimento não necessariamente está nos artigos, dissertações, teses e livros, ou seja, não está somente nos centros de pesquisas e nas universidades. Nesses locais, apenas sistematizamos o que existe na realidade, seja essa rural ou urbana. O mérito dos intelectuais e pesquisadores é materializar a experiência e a vivência destes produtores.
Não senti frustração, mas sim indignação em relação a alguns funcionários públicos, “intelectuais/pesquisadores”, “cozinheiros”, “chefs”, “formadores” de opinião, vinculados direta ou indiretamente a produção/comercialização do queijo canastra. Estes conhecem superficialmente o processo histórico de produção e a realidade dos produtores. Julgam indevidamente e tecem pareceres totalmente arbitrários, desconectados da realidade da produção e dos produtores. Não os julgo, pois, a formação que tiveram advém de um modelo educacional urbano e industrial, uma formação extremamente limitada e desumana.
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Como foi sua relação com os produtores artesanais durante a pesquisa?
JoãoVillas Boas: A melhor e mais humana possível. Vivenciei, mesmo que por um curto período, os hábitos e costumes dos produtores. Aprendi com produtoras e produtores sobre os saberes e sabores da vida. Fiz amizades e tive o apoio de todos. A solidariedade, o carinho, a atenção e o calor humano recebido dos produtores, extensionistas da EMATER/MG, professores/pesquisadores e moradores da Microrregião da Canastra me fizeram retornar a minha infância no interior de Visconde do Rio Branco – MG, onde cresci cercado pelo cheiro do verde e do preto da cana, pelo apito da Usina e principalmente, pelos caipiras que ali viviam, trabalhavam e sonhavam. Convivi na minha adolescência com milhares de caipiras na Zona da Mata Mineira.
Neste contexto, concordo com a afirmativa de Bizerril; Soares; Santos (2008) de que:
“a Serra da Canastra é única. É um lugar de resistência da cultura caipira, retrato fiel do interior do Brasil […]”.
Para mim, os produtores de queijo canastra materializam os caipiras de outrora. Seus ancestrais interiorizaram os sertões do “Oeste das Minas”, ocupavam terras que não estavam ainda integradas ao processo de exploração capitalista. Nestes rincões estabeleceram seus saberes, edificaram seu modo de viver e constituíram suas famílias. Fundaram desta maneira, um modo de vida, uma tradição, uma cultura e um produto que é único: o queijo canastra.
Esse queijo é a materialidade do processo de trabalho, que não se extingue ao concluir-se o produto. Quando o degustamos, provamos não somente um produto derivado do leite, seus nutrientes (macronutrientes: proteína, carboidrato, lipídios ou gordura e micronutrientes: vitaminas, minerais), água, bactérias, fungos, leveduras, enzimas e outros atributos que compõem o solo, a pastagem e o ar característicos dessa região. Mas, de forma específica, “comemos” também o trabalho, vida, saberes e cultura, únicos deste lugar.
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Você realizouuma confraternização e degustação com produtores e chefs para celebrar o final da tese. O que eles acharam?
JoãoVillas Boas: Primeiramente foi uma realização pessoal conseguir mobilizar 5 produtores, desses, 4 mulheres (Vanice Aparecida de Morais Leite, Magda Maria da Silva, Maria José da Silva Martins e Marisa de Lima Carvalho) e um produtor (Luciano Carvalho Machado) para um diálogo com alunos e professores do curso de Tecnologia em Gastronomia do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – CES/JF.
Os produtores contaram sua história de vida e explicaram sobre o processo de elaboração do queijo canastra, o modo de fazer (saber fazer) e a artesanalidade do processo.
O diálogo e a exposição dos produtores de Queijo Canastra foram, segundo os participantes, uma oportunidade e um privilégio. As falas dos produtores superaram as expectativas dos ouvintes, contribuíram com o processo de ensino e aprendizagem. Todos adoraram!
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