Há mais de setenta anos atrás em São Roque de Minas, a jovem Lica e seu noivo João Juca selavam matrimônio. Ocasião onde o pai da noiva, o velho Quinca, entalhou e presenteou o casal com uma banca em Jacarandá, própria para se produzir queijo Canastra.
Uma banca pequena, capaz de produzir somente sete queijos por vez, denunciando que eles não eram afortunados herdeiros de terras, mas sim canastreiros simples, porém, dispostos a construir sua história a partir do quase nada que tinham.
Eis que no final da década de 60, já com seis filhos e reunindo as economias de queijo e “lavoura de a meia” o casal resolveu comprar seu próprio pedaço de terra no município vizinho de Bambuí. Mas o destino levou João Juca cedo demais e a aquisição do primeiro quinhão de terras da família se viu desfeita.
Tomando para si as rédeas da família e com dois irmãos já morando em Piumhi, Dona Lica achou por bem pra lá rumar com seu gado e seus rebentos. O segundo mais velho, na época com quinze anos era o Hildo, conhecido na família apenas como Dinho.
Então em 1972 adquiriram em Piumhi a fazenda Água Limpa, um lugar com vocação raiz para queijo Canastra: ao fundo a grande serra com uma mata aos seus pés, onde ano inteiro brota água cristalina; no chão um cascalho de pedriscos pequenos cheios de minerais; e cobrindo tudo isso a velha Massega, um mix de capins nativos da Canastra cujo manejo controlado com fogo trazia a verde rebrota, alimento do gado rústico que fornecia o leite do queijo.
Tempo que voa, Dona Lica passou o ofício queijeiro aos filhos e estes aos netos da matriarca, cabendo hoje a produção na fazenda Água Limpa ao Allan e ao Igor, filhos do Seu Dinho e Dona Ângela, que buscam atender às modernas exigências sanitárias sem, contudo, perder o elo que os liga ao queijo de seus antepassados. Não usam em sua sala de maturação meios absolutos para controle de temperatura e umidade relativa do ar, de modo que o queijo ali produzido é um registro vivo do microclima local nos seus dias de maturação. Vivo, pois é de leite cru e conserva toda a microbiota nativa da serra e presente no leite, e registro do microclima pois, se esfria ou se esquenta, se chove ou se venta, o queijo trará consigo a digital do que viu por ali passar. Tal qual as frutas do quintal, cada queijo tem sua época. No calor o amarelo ouro da casca lisa e no frio o mofo branco da casca rugosa. Nas transições, veranicos e invernadas se misturam e vez ou outra têm-se os dois.
Hoje a fazenda Água Limpa, prestes a completar meio século de produção, envia queijos para todo Brasil tanto no atacado quanto no varejo, além de receber visitantes para um bom dedo de prosa, onde o freguês tem a chance única de escolher em qual ponto de maturação deseja levar seu queijo e de quebra aprecia a paisagem e compreende como um lugar consegue expressar num produto suas características locais de clima, solo, água e vegetação, sendo isto justamente aquilo que chamam terroir (terruá).
Principais premiações
Medalha de bronze no Mondial du Fromage – Tours, França – 2019
Medalha de bronze no Concurso de Queijos e Produtos Lácteos do Mundial de Queijos no Brasil – Araxá /MG, 2019
Medalha de bronze no II Prêmio Queijo Brasil – São Paulo /SP, 2016
Medalha de prata no XIV Concurso Regional do Queijo Minas Artesanal Canastra – Bambuí /MG, 2016
Livro “Os Queijos de Leite cru”, de Arnaud Sperat Czar, para download!
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