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Fermentos, esses seres vivos que dão gosto e tipicidade aos queijos

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Por Redação SerTãoBras, 29 de novembro de 2016.

Fungo”Mucor” chamado na França de « Poil de chat » (pêlo de gato)

“Domesticar o ser vivo invisível: saberes, usos e apropriações da micro-biodiversidade queijeira”*

é o título do próximo seminário que o grupo de pesquisa Repastol realiza em Paris nos dias 15 e 16 de dezembro de 2016. O tema principal do seminário são os fermentos, que podem ser caseiros, como o pingo usado na Canastra ou no Serro; ou industrial, que se vendem em forma de fungos, bactérias isoladas e liofilizadas que dão mais sabor e tipicidade aos queijos.

O seminário vai apresentar uma retrospectiva histórica do uso de micro-organismos para fabricação de queijos com o objetivo de conhecer melhor a diversidade de práticas diferentes no mundo do queijo artesanal (França, Itália, Suíça, Brasil e Estados Unidos). Outro objetivo é entender porque os queijos artesanais europeus, hoje em dia, são muito dependentes de fermentos industriais. Por exemplo, o queijo Camembert, da região da Normandia, que os produtores fabricavam há 50 anos desenvolvia naturalmente em sua casca uma cobertura branca, que é o desenvolvimento de uma variedade do Geotrichum sp, o Geotrichum candidum.

Cobertura branca característica do Geotrichum candidum

 

Hoje em dia, esses fermentos não aparecem mais naturalmente, porque o “leite limpo moderno”, mesmo cru, não tem a quantidade de micro-organismos suficiente para seu aparecimento. E os produtores artesanais são obrigados a comprarem esses fermentos de empresas fabricantes. Isso resulta numa certa padronização dos sabores do queijos.

Outro exemplo é o queijo emmental da Suíça, tradicional por suas grandes olhaduras no interior do queijo. Os consumidores começaram a notar que nos últimos 15 anos esse queijo tinha menos buracos, sem que os fabricantes desejassem. Dois institutos de pesquisa suíços** se empenharam para resolver esse mistério, com ajuda de especialistas em radiografia e tomografia, e descobriram: não havia mais feno suficiente dentro do queijo! Quando os produtores faziam a ordenha manual, com o balde embaixo da teta da vaca, micro-partículas de feno caíam dentro do leite, sem ninguém se dar conta. Depois, durante a cura, essas micro-partículas fermentavam e liberavam gás carbônico, formando as cavidades nos imensos queijos (um emmental pesa entre 70 e 100 kg).

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Porém, a intensificação de normas de higiene e a generalização das máquinas de ordenha mecânica reduziram o contato do leite com o meio ambiente, resultando no que os pesquisadores chamam de “leite limpo moderno”. A solução para voltar a ter as grandes olhaduras dentro do queijo foi acrescentar no leite mais bactérias propiônicas, que têm a propriedade de liberar gás carbônico. A casca desse queijo é suficientemente dura e elástica para permitir que o queijo inche e não exploda, ou seja, não crie rachaduras na casca.

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Fungos e bolores podem ser cultivados e domesticados.

Para a preservação desses micro-organismos chamados “selvagens”, porque se criam naturalmente no ambiente onde é feita a ordenha e transformado o queijo produtores e pesquisadores da França ensaiam outra alternativa: a criação de Souchotèques – que são bibliotecas de micro-organismos isolados nas propriedades queijeiras a fim de salva-los da extinção. Esses exemplos serão apresentados no seminário, como o caso do queijo Ossau-Iraty, fabricado na fronteira da França com a Espanha, onde desde o ano 2000 um projeto de pesquisa isola as bactérias selvagens, pois os produtores se recusam a usar fermentos industriais.

“Recuperar e preservar esses fermentos significa priorizar o patrimônio da biodiversidade local” explica Fabienne Feutry, microbiologista encarregada da missão de salvar as bactérias do Ossau-Iraty.

E no mundo do queijo artesanal brasileiro?

As pesquisadoras Débora de Carvalho Pereira e Livia Pinheiro estão atualmente coletando informações sobre as práticas existentes de utilização de fermentos em queijos brasileiros, para apresentar os resultados no seminário em Paris. Nosso objetivo é descobrir como fazem os produtores artesanais – explica Lívia – sabemos que no Brasil a diversidade de fermentos naturais é muito grande porque ainda não foi desenvolvido o mercado de fermentos da indústria para pequenos produtores, e isso protege o patrimônio da nossa micro-biodiversidade. Atualmente, poucos produtores artesanais usam fermentos industriais. E é melhor que continuem assim, para preservar a existência de nossos fermentos naturais – continua a pesquisadora – porque a disseminação de fermentos industriais nas salas de transformação de queijo no Brasil podem levar à um enfraquecimento de nossos fermentos naturais à longo prazo, como aconteceu na Europa” ela conclui. Livia já participou da caracterização microbiológica do pingo em Araxá, região produtora de queijo artesanal de Minas Gerais.

Agradecemos aos produtores que podem contribuir com a pesquisa:

(*)Seminário:
“Apprivoiser le vivant invisible – Savoirs, usages, appropriations de la microbiodiversité fromagère” Veja o programa do seminário em PDF (disponível em francês)
Date : 15 et 16 décembre 2017 au Muséum national d’Histoire naturelle, Jardin des plantes, Paris, 5ème

(**) Agroscope, Institut des Sciences en Denrées Alimentaires, localizado em Berne, et Empa, Laboratoire Fédéral d’Essai des Matériaux et de Recherche.

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