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Gastronomia Sertaneja

Livro de Dona Ana Rita Dantas Suassun

Desejei apresentar em capítulos o livro de Dona Ana Rita Dantas Suassuna (Gastronomia Sertaneja, Melhoramentos, 2010) porque me pareceu um exemplo quase único de método de representação de uma culinária regional, em especial dessa ampla região brasileira à qual os chefs da atualidade devotam mínima atenção, apesar de rica.

De fato, muito preconceito cerca o sertão. Até mesmo Gilberto Freire, homem de rara sensibilidade culinária, classificou a região como “áreas caracterizadas por uma cozinha ainda agreste”.

Não sei o que quer dizer “agreste” em culinária, mas não é coisa boa, e a cozinha sertaneja – de qualquer trecho do sertão – é sempre muito rica e instigante, justamente porque escapa àquela padronização litorânea a que mais facilmente nos acostumamos.

É uma culinária que – indo do Rio Grande do Sul à pré-Amazônia, pelo território outrora ocupado essencialmente pelo gado – apresenta variações incríveis, conforme o ecossistema em que se realiza. Por exemplo, o uso do pequi.

Tem também as suas constantes, e uma das mais importantes é o uso farto do milho. Importante porque estamos acostumados a lidar com a culinária brasileira considerando o seu carboidrato básico a mandioca. Não é assim, está visto.

Dona Ana Suassuna também consegue classificar os pratos que recolhe da tradição em capítulos interessantes, segundo as matérias-primas ou preparos essenciais, se afastando da classificação usual na cozinha moderna, como entradas, pratos principais e sobremesas.

O capítulo dos doces, aliás, é interessante porque mostra o uso abusivo do açúcar como é usual em todo o Brasil. Independente da doçura ou acidez da fruta, ela é sempre preparada com uma proporção de açúcar que é de 50%.

Se os doces não possuem atrativo especial, o mesmo não acontece com os legumes e verduras, as carnes dos pequenos animais (miuças), o uso das gorduras e assim por diante.

No conjunto, é uma obra indispensável em qualquer biblioteca sobre cozinhas brasileiras. Mas alguns reparos precisam ser feitos.

Em primeiro lugar, o título do livro: por que “gastronomia sertaneja” em vez de “culinária sertaneja”? O termo culinária é, no caso, muito mais apropriado, embora o mercado editorial venha preferindo sempre “gastronomia”, por mais bem posicionado na curiosidade do público.

Em segundo lugar, na quarta capa do livro há vários depoimentos de chefs paulistanos que falam em “resgate culinário”. O que quer dizer “resgate”? Qualquer dicionário registra o sentido de “libertar” ou pagar algo pela “libertação” ou, ainda, extinção de um débito. No campo cultural, usa-se “resgate” em arqueologia.

No caso, não se trata nem de um nem de outro dos sentidos. A culinária que se pratica ou que é rememorada pelas pessoas não oferece nada a “resgatar”. Trata-se apenas de registro, o que é diferente. Ou estariam os nossos chefs, eles sim prisioneiros de algo que os constrange e necessitados de “resgate” para reencontrar o Brasil? Quiçá esse pequeno pedaço dele que é o sertão de Pernambuco…

Por Carlos Dória

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