Matéria do blog Só Queijo – Jornal Paladar
Semana passada foi assinado pelo governador Romeu Zema o decreto (PDF) que regulamenta a lei do queijo artesanal mineiro. É a lei criada por Pimentel em 2018 (Lei número 23 .157), que demorou um ano e meio para ser regulamentada, tempo que para o ritmo dessas burocracias todas nem é tão lento.
Romeu Zema, governador de Minas, sendo entronizado na Guilda Internacional dos Queijeiros durante o Mundial do Queijo de Araxá, em 2019. FOTO: Johnny/SerTãoBras
O documento é uma lista de regras feitas pelos fiscais do Instituto Mineiro de Agropecuária com apoio da Secretária de Agricultura, que teve uma leve participação da comunidade queijeira. Os mineiros estão comemorando.
O principal do decreto é que ele é intransigível em relação à tuberculose e brucelose. Todas, todinhas, 100% das propriedades que fabricam queijo artesanal de leite cru vão ter três anos para ter certificado livre de tuberculose e brucelose, segundo o artigo XIX:
§ 1o – A elaboração de queijos artesanais a partir de leite cru fica restrita à queijaria situada em estabelecimento rural certificado como livre de tuberculose e brucelose, de acordo com as normas do PNCEBT, ou controlado para brucelose e tuberculose por órgão estadual de defesa sanitária animal, no prazo de até três anos a partir da publicação da Lei Federal no 13 .860, de 2019, sem prejuízo das demais obrigações previstas em legislação específica.
Se por um lado para algumas associações de produtores isso é um bicho de sete cabeças, por outro pode fazer muito bem para a imagem do queijo artesanal. Principalmente para os gringos. Morro de vergonha aqui na França quando os amigos do queijo me perguntam se o Brasil é livre dessas doenças e tenho que responder que não.
Já é hora desses produtores da elite do queijo artesanal, que viajam corajosamente com seus queijos nas malas para concursos internacionais, que conseguem agregar valor nos seus produtos, tomem essa atitude necessária de certificar sua fazenda como livre dessas duas doenças.
Ao centro, Vanessa Alcolea da Pardinho Artesanal participa como jurada do Mundial do Queijo de Tours na França. Seus queijos têm certificação livre de tuberculose e brucelose. FOTO: Débora Pereira/SerTãoBras
Já para os produtores que ainda não tiveram a mesma ascensão social no mundo do queijo artesanal, isso também vai ser exigido. E para que eles consigam nós precisamos contar com políticas públicas rurais, transmissão de informação e incentivos.
“Não é tão difícil, basta ter o histórico dos exames negativos durante 12 meses e só comprar gado de fazendas certificadas. Nós pensamos que é hora de dar esse passo”, opina Johne de Castro, veterinário e produtor de queijo artesanal que está se preparando para ter a certificação. “Nós queremos motivar os produtores do núcleo da SerTãoBras na Canastra a fazer o mesmo, vamos buscar ajuda da Emater e fazer o possível para que todos os nosso associados sejam certificados”, disse ele.
Johne de Castro e Holorico Soares, produtores da serra da Canastra. FOTO: Débora Pereira/ SerTãoBras
O decreto avança em vários pontos: reconhece cura de queijo como “etapa do processo de produção, na qual ocorrem alterações físicas, químicas e sensoriais relacionadas ao processo de amadurecimento, e necessárias para a definição da identidade do produto“. O que é um grande avanço, salve salve, aleluia, ele relaciona cura e identidade do queijo!
Finalmente os curadores vão poder brilhar como poderosa categoria no mundo do queijo mineiro e novos queijos criativos e mais intensos poderão surgir. Mas o decreto evita o termo “curador“, que sempre foi a palavra usada tradicionalmente para quem matura queijo em Minas. Eles usam “afinador”, que uma “afrancesação” da palavra francesa “affineur” e maturador. (No Brasil afinador é de violão). Acho que pensam que curador pode dar a sensação que o queijo foi curado de alguma doença e evitaram a palavra. Uma pena, eu continuo gostando de queijo curado, e não afinado…
Fábio Ribeiro com seu queijo reverendo, de casca lavada com fermentos vermelhos. FOTO: Fábio Ribeiro/Acervo Pessoal
Um curador que eu adoro em Belo Horizonte é o Fábio Ribeiro, pela sua ousadia nos sabores intensos que consegue nos seus queijos. Ele transmutou dois canastras em duas iguarias raras: o Deleite e o Reverendo. O primeiro é produzido na Fazenda e pousada Velho Chico pela dona Maria e Eduardo. O segundo é feito nas margens do Rio São Francisco, na Fazenda Palmital, por Adriano e dona Cristina.
A textura macia do queijo deleite. FOTO: Fábio Ribeiro/Acervo pessoal
Mas ainda vai demorar para saber quais serão as condições de temperatura e umidade e o tempo de cura do queijo artesanal mineiro. O decreto jogou as regras da cura para uma portaria futura, que nós, os atores civis desse queijo, esperamos ser convidados para palpitar. Então paciência. Aliás, paciência é uma das condições essenciais necessárias para ser bom curador queijo.