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Temer tira o queijo da agricultura e queima na fogueira da Anvisa: reflexões em torno da nova lei federal do queijo

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Por Leôncio Diamante*, 24 de junho, aniversário de 10 anos da SerTãoBras

Temos visto nos últimos dias uma grande confusão em relação ao entendimento da nova Lei 13.680/2018. Produtores e consumidores não sabem mais quem fiscaliza e nem quem pode vender onde. Para nós, a pior parte dessa lei foi ter tirado a fiscalização da Agricultura e colocar na Saúde. O MAPA, perto da ANVISA ou da Vigilância Sanitária Estadual, é um poço de tolerância e candura.

O primeiro equívoco das legislações brasileiras – novas e antigas – para o queijo artesanal é irem contra ao que diz a Constituição Federal, que está acima e prevalece sobre todas as leis : “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…” Bom, se o cidadão da pequena cidade do interior de Minas Gerais, pode comer aquele queijo, o cidadão de São Paulo ou de Brasilia também pode, pois são iguais perante a Constituição.

Apesar dos estabelecimentos terem inspeções diferentes de acordo com seu tamanho (para comércio municipal, estadual ou interestadual e internacional), seu produto é o alimento e o alimento destina-se ao cidadão. O cidadão é igual em todo o território nacional. Cidadãos são pessoas, e pessoas são iguais em direitos e todos têm direito de se alimentar de forma segura.

Por isso, as diferentes competências de inspeção entre municípios, estados e União, se referem mais ao processo de fabricação de acordo com o tamanho, e o produto final será sempre sadio, podendo alimentar qualquer cidadão do Brasil.

E o que essa Lei “monstrenga” 13.680/2018 faz?

  1. Chove no molhado, permitindo o que nunca foi proibido.
  2. Retira a Inspeção Municipal da equivalência (conquista feita em 1989 pela lei 7.889).
  3. Remete tudo a um regulamento mas deixa dúvida sobre quem o elaborará ( Se o Ministério da Agricultura ou os Serviços Estaduais, já que retiram o serviço “SIM”, do município, do jogo).
  4. Retira os órgãos de agricultura do processo (IMA, etc…), pois remete a fiscalização aos órgão de “saúde pública”.
  5. Não fala onde ou em que órgão serão registrados os estabelecimentos.
  6. Cria a anarquia e a insegurança alimentar autorizando a comercialização dos produtos até que seja feita a regulamentação.

Outro erro tático do movimento do queijo artesanal foi deixarem misturar o queijo com outros produtos artesanais de origem animal. A gente sabe que o queijo, com o tempo, se “cura”, mas os produtos de carne têm processos mais complicados. Em vez de trazer soluções para a questão do queijo, esta mistura trouxe para o queijo os problemas sanitários dos outros produtos de origem animal. Mas nem podemos culpar os movimentos de valorização do queijo artesanal, porque nenhuma instituição ou representação civil do queijo foi convidada para elaboração dessa que está sendo festejada como “a solução”.

Em Minas Gerais, a lei 20 549 que havia sido elaborada com ajuda de produtores e técnicos nunca foi regulamentada pelo IMA. Essa lei abria um caminho para o auto-controle, pois transfere a responsabilidade pelo produto da inspeção para o produtor. Reconhecia e tirava da marginalidade o papel do queijeiro e facilitava a vida do produtor. O caso do IMA nunca ter regulamentado essa lei deveria ser considerado pelo Ministério Público como um caso de desobediência civil.

A Lei 13.680 queimou na fogueira das festas juninas todos os Serviços de Inspeção Municipal do Brasil.

Serviços de Inspeção Municipal ficam inúteis

Por outro lado, a lei aprovada pelo Temer deixa incoerente o que já existe de legislação para o queijo artesanal, a Lei 1283 de 1950, dispõe sobre a inspeção industrial e sanitária dos produtos de origem animal. Ela fala sobre inspeção industrial e sanitária para produtos de origem animal e ainda é válida. A Lei do Temer é referenciada como o artigo 10a da lei antiga:

Art. 10-A. É permitida a comercialização interestadual de produtos alimentícios produzidos de forma artesanal, com características e métodos tradicionais ou regionais próprios, empregadas boas práticas agropecuárias e de fabricação, desde que submetidos à fiscalização de órgãos de saúde pública dos Estados e do Distrito Federal. (Incluído pela Lei nº 13.680, de 2018)

Só que ela contraria os artigos anteriores. Tem toda razão o secretário do MAPA Luiz Rangel quando diz que a nova lei cria um “apagão sanitário”.

No seu artigo 1º: “É estabelecida a obrigatoriedade da prévia fiscalização, sob o ponto de vista industrial e sanitário, de todos dos produtos de origem animal, comestíveis e não comestíveis, sejam ou não adicionados de produtos vegetais, preparados, transformados, manipulados, recebidos, acondicionados, depositados e em trânsito.

No seu artigo 5º, menciona que se o estado não se sentir em condições de realizar a fiscalização no estabelecimento de sua competência, ela poderá ser feita pelo Ministério da Agricultura, mediante acordo:

Art. 5º Se qualquer dos Estados e Territórios não dispuser de aparelhamento ou organização para a eficiente realização da fiscalização dos estabelecimentos, nos termos da alínea b do artigo anterior, os serviços respectivos poderão ser realizados pelo Ministério da Agricultura, mediante acordo com os Governos interessados, na forma que for determinada para a fiscalização dos estabelecimentos incluídos na alínea a do mesmo artigo.

No seu artigo 6º, equipara as inspeções, ao proibir duplicidade: “É expressamente proibida, em todo o território nacional, para os fins desta lei, a duplicidade de fiscalização industrial e sanitária em qualquer estabelecimento industrial ou entreposto de produtos de origem animal, que será exercida por um único órgão.”

E ainda deixa isto bem claro no seu parágrafo único: “A concessão de fiscalização do Ministério da Agricultura isenta o estabelecimento industrial ou entreposto de fiscalização estadual ou municipal”. (E vice-e-versa, por analogia)

No artigo 7º, reitera a equivalência e a independência das inspeções, quando fala do registro: “Nenhum estabelecimento industrial ou entreposto de produtos de origem animal poderá funcionar no País, sem que esteja previamente registrado no órgão competente para a fiscalização da sua atividade, na forma do art. 4º. (Redação dada pela Lei nº 7.889, de 1989)

No artigo 8º, reitera a competência das inspeções municipais e estaduais, quando estabelece competência privativa do Ministério da Agricultura em algumas situações: “Incumbe privativamente ao órgão competente do Ministério da Agricultura a inspeção sanitária dos produtos e subprodutos e matérias primas de origem animal, nos portos marítimos e fluviais e nos postos de fronteiras, sempre que se destinarem ao comércio internacional ou interestadual.

O interessante é que esta lei de 1950, foi melhorada em 1989, quando incluiu a Inspeção municipal como equivalente às demais. A grande confusão de entendimento está no fato de que isto tudo que foi dito aí em cima fala, de produção, fala de inspeção, fala de unidades da federação com competência para fiscalização de estabelecimentos concebidos para comercializar seus produtos no município, no estado, na federação. 

Não fala nem de alimento e nem do cidadão!

* Leôncio Diamante (à esquerda) é veterinário de Bambuí e colaborador da SerTãoBras.

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3 Comentários

André
24/06/2018 a 18:46

Continua sendo da agricultura e a fiscalização no comércio da Vigilância Sanitária! É só o registro do pequeno feito no estado poder ser comercializado em todo Brasil.

25/06/2018 a 15:39

Meu ponto de vista é diferente. Quem tem certificação estadual poderá vender em todo o País. Ou seja, exclui-se o MAPA, a ANVISA, e quaisquer outros órgãos federais do esquema.
É o atendimento à Constituição Federal art. 24, inciso XII. Alí se vê que compete à União a legislação sobre a saúde em seus aspectos gerais cabendo aos Estados legislar sobre suas especificidades. Inclusive, nos seus parágrafos, legislar nos aspectos não abordados pela norma federal.
E não podemos atribuir ao Temer esta Lei. Foi iniciativa de um Deputado Federal pelo Espírito Santo.
E a regulamentação da ARTE se dará pelos Estados, substituindo o conceito de “equivalência”, que não tem funcionado.

Maria da Conceição caldeira amaral
03/07/2018 a 18:50

Ficou pior para o pequeno produtor agora que eu ia tentar registrar minha pequena produção de queijos .Agora a quem devo procurar.

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