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Em defesa do Kinoshita e pelo controle das agências públicas de vigilância sanitária

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por Carlos Alberto Dória, do e-Boca Livre, 1/12/2012

Vigiar e punir são funções precípuas do Estado na defesa do bem público. No tocante à saúde, porém, ele tem desenvolvido concepções e práticas próprias, que não coincidem com o bem público. Isso porque a esfera de decisão das autoridades responsáveis por esses serviços consagra garantias legais de ampla liberdade para os seus agentes. Não prestam contas à sociedade, não são transparentes em seus movimentos.

Assistimos, no momento, à mais ampla desmoralização da Anvisa. A sua defesa tornou-se impossível depois que veio a público o favorecimento de produtores de defensivos agrícolas com alto grau de toxidade. Em artigo de hoje na Folha, a senadora Katia Abreu descreve, em detalhes, os descaminhos da agência, lembrando que já em 2007 advertiu publicamente “que havia corrupção, proteção, lobby, reserva de mercado ou qualquer outro nome que se quisesse dar ao favorecimento de empresas por parte de servidores da Gerencia-Geral de Toxicologia”. A agência se tornou um instrumento de favorecimentos que tem como um de seus resultados a intoxicação da população. De nada adiantou uma denúncia pública: prevaleceu a omissão do governo, sempre em defesa incondicional dos seus servidores.

Podemos então, legitimamente, duvidar de todas as suas ações de classificação de riscos à saúde. Por exemplo, quem pode garantir que a proibição relativa ao queijo Minas de leite cru não atenda a pressões de grandes laticínios pelo controle estrito do mercado? A base do poder da agência é uma delegação de competências que se apoia na ideia imprecisa de isenção e impessoalidade das suas normas. Isso, está claro, veio ao chão agora. A partir disso, sua credibilidade é igual a zero.

A mesma suspeição pode ser levantada contra a Divisão de Crimes contra a Saúde Pública, da Polícia Civil de São Paulo, ao investir contra o restaurante Kinoshita, a partir de denúncia anonima que permitiu apreender alimentos com data vencida – conforme notícia a imprensa de hoje. Que escala de valores é essa onde uma denuncia anonima vale mais do que uma denúncia pública, como a feita há 5 anos pela senadora?

Eu mesmo, há muitos anos, fui vítima de uma inspeção similar do DECON, que encontrou, num restaurante do qual era sócio, um pacote de fígado de galinha, congelado e “vencido”. Acontece que não havia no cardápio qualquer prato derivado dessa matéria-prima. Assim mesmo, tive que fugir de modo humilhante pela porta dos fundos do restaurante para não ser preso, como foi agora o gerente do Kinoshita, e, depois, recebi telefonemas pedindo uma soma expressiva para que não fosse instaurado o inquérito policial.

Não aceitei a chantagem e resolvi denuncia-la a altas autoridades do governo estadual. Mesmo assim, instaurou-se o inquérito (com razão, diziam essas autoridades, inquérito não é algo que se possa – ou deva – sustar politicamente) e tive que gastar mais com advogados do que os policiais corruptos pediram inicialmente. Felizmente, a denuncia não foi aceita pelo Promotor Público e o caso encerrado. Não faltaram, porém, os que me chamavam de “trouxa”.

Essa minha experiência, como a atual de Murakami, mostram o que é estar à mercê da dita “fiscalização”. O que é uma “denuncia anonima”, por exemplo? Por acaso um vizinho entrou escondido no restaurante e vasculhou as geladeiras? Um funcionário demitido procurou se vingar? O item “vencido” foi submetido a análises e se constatou perigo para a saúde pública? Nada disso pode ser respondido pela polícia de forma convincente, de modo que prevalece o odioso arbítrio, como aquele que, na Anvisa, favorece produtores inescrupulosos de venenos.

A polícia sanitária hoje envenena a cidadania. Está claro que a vigilância deveria se compor de organismos fiscalizadores e orientadores. Deveria buscar irregularidades de forma sistemática, advertir, determinar prazos para a correção, estabelecer protocolos de ajuste de conduta, impor multas progressivas e cada vez mais severas por reincidências e assim por diante, antes de inaugurar uma fase judiciária. Nunca dispor de um poder que não está submetido a qualquer princípio além do arbítrio. A vigilância sanitária deveria agir segundo programação de inspeções, previamente anunciadas; não movida pela paixão das denúncias anonimas, cujos propósitos são sempre duvidosos.

A imagem pública de um restaurante como o Kinoshita é provavelmente o maior valor do empreendimento. Um valor intangível mas expressivo. Submete-lo a essa ação arbitrária equivale a investir contra esse valor de modo irresponsável, tentando destrui-lo. Assim como fazem fiscais quando ateiam fogo a carregamentos de queijo Canastra na fronteira entre Minas Gerais e São Paulo, ou quando destroçam barracas de vendedores de rua. O poder público não tem o direito de incendiar reputações!

É mais do que hora de controlar o poder de polícia nas áreas relacionadas com a saúde pública. Poder de polícia e de decisões administrativas que, está visto, escondem mecanismos sórdidos de favorecimento, de corrupção, de destruição de valores legítimos de suas vítimas.

A reputação do Kinoshita não será abalada, graças ao grande prestígio pessoal dos seus sócios – Tsuyoshi Murakami e Marcelo Fernandes – e da solidariedade de seus clientes que sabem que, ali, sua saúde está garantida. A agressão que sofreu só mostra como a polícia, descontrolada, joga alto. É hora de disciplina-la, através da restrição do poder arbitrário que hoje possui, definindo procedimentos de caráter orientador e de penalização financeira progressiva. É urgente rever a legislação que protege o arbítrio e a corrupção instalados em órgãos de fiscalização e licenciamento!

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