O queijo artesanal foi tema das duas embalagens vencedoras do prêmio Minas Design do Sebrae
para produtos do agronegócio mineiro em dezembro de 2014.
Por Leila Passil
Embora o queijo de leite cru se enquadre menos na categoria ‘agronegócio’ do que na ‘agricultura familiar’, o prêmio mostra que novas ideias estão surgindo para valorizar o queijo, inspiradas pelo reconhecimento, cada dia maior, desse produto como símbolo e identidade da cultura de Minas Gerais.
Emanuel Lucas Neves, categorias profissional, e Iwana Raydan e Letícia Robini, estudantes, pensaram soluções estéticas e práticas. Como produto vivo, o queijo deve ser armazenado de modo que sua maturação continue a ocorrer naturalmente, e melhor ainda em uma embalagem bonita.
Curar o canastra na tigela
A embalagem de Emanuel Lucas surgiu da necessidade do consumidor de continuar a cura do queijo em casa. É um prato de madeira com furos, para o queijo “respirar”, coberta por uma peça de cerâmica que mantém o queijo numa temperatura mais fresca, pois não é aconselhado curá-lo na geladeira.
No início, Lucas estava na dúvida por qual região queijeira escolher, mas conheceu um produtor da Serra da Canastra, Igor Messias, que lhe falou sobre necessidade do queijo, como produto vivo, poder continuar a maturação dentro da embalagem. E da falta desse recurso no mercado.
A ideia é que a base da embalagem seja de madeira cedrinho, feito por técnicas de marchetaria, com tratamento antibacteriano. As etiquetas informam origem (produtor e região) e peso.
Todas as outras informações funcionais do queijo, como tabela nutricional, certificações sanitárias e o selo oficial dos órgãos reguladores são colado embaixo da tampa, no modelo exigido pelo Ministério da Agricultura.
Após ganhar o prêmio, Emanuel busca parceiros para viabilizar a produção da embalagem, que antes era somente um projeto gráfico. Ele precisa também passar por uma fase de experiência de maturação dos queijos usando sua invenção, para verificar se a cura dos queijos ocorre de forma apropriada. E o principal, calcular os custos.
“O grande desafio agora é viabilizar o projeto”, ele conta esperançoso.
Lembrando da avó e pensando no queijo
Iwana Raydan e Letícia Robini venceram a categoria estudante inspiradas especialmente na avó de Iwana, produtora de queijo da região do Serro. O propósito foi o mesmo de Emanuel: uma caixa maturadora para embalar o produto.
Mais leve, a embalagem é um embrulho para presente, que tenta seduzir o turista típico que quer levar o sabor de Minas, como os que passeiam nos corredores do Mercado Central de Belo Horizonte.
“Minha avó fabricou queijo por muito tempo em São Domingos do Aventureiro, na Zona da Mata mineira. Hoje em dia ela não exerce mais o ofício, mas seus queijos e seus relatos serviram de inspiração para o projeto.” Iwana Raydan
A embalagem é um pratinho de aço alimentar ‘folha-de-anders’, não corrosivo, com furos para drenar o soro. Pode ser levada à mesa e geladeira e é reutilizável para curar outros queijos. A cobertura de madeira laminada, cortada a laser, além de permitir a ventilação, também tem função estética.
Uma visita ao Mercado Central de Belo Horizonte foi suficiente para as duas descobrirem que o queijo meia-cura é o preferido dos consumidores locais. “Fora do estado, o queijo curado é o mais apreciado. E o turista poderá continuar a cura do queijo na sua casa”, elas justificaram no projeto.
E em termos técnicos?
José Mário, produtor de São Roque de Minas, conta que seu pai levava a produção de um mês dentro de sacos de tecido para vender na cidade. Hoje em dia a embalagem mais comum é o saco plástico, o que asfixia e prejudica o desenvolvimento natural das bactérias na cura do queijo. O ideal é tirar do plástico o mais rápido possível e, se quiser curar, fora da geladeira.
Luciano Carvalho e Helena, produtores de Medeiros, embrulham seus queijos em papel manteiga. Isso ao mesmo tempo protege e permite a respiração do queijo. O Centro de Qualidade do Queijo de Medeiros embala com uma rede. Esse método pode provocar o ressecamento, já que nas cidades o ar tende a ser mais seco que nas regiões produtoras, e a cura se acelera.
A embalagem desenvolvida por Emanuel é mais indicada para queijos que já passaram o período de dessoramento, em fase mais avançada de cura. Se o queijo for muito novo, os furos do prato de madeira (para respirar) poderão escorrer o soro pelo fundo do prato. Pelo ambiente escuro que a peça de cerâmica propicia, fungos diferentes poderão se desenvolver, o que pode resultar em cores na casca e sabores mais intensos, a serem experimentados em degustações com períodos de cura diferentes.
Já a Embalagem Curadora das duas estudantes deve considerar se os furos não irão ressecar demais o produto. Como o queijo não cura na geladeira, é melhor aconselhar a sua utilização somente em temperatura natural. Por outro lado, uma outra utilização pode ser colocar água no recipiente abaixo, concebido para recolher o soro, para que queijos muito curados conservem uma textura macia no interior, tomando o cuidado de virar a cada dia para a absorção da umidade ser igual dos dois lados do queijo.
As duas embalagens vencedoras ainda não têm previsão de produção e preço,
os vencedores estão buscando parcerias para viabilizar sua comercialização.
Embrulhando queijo no futuro
Na França, os queijos têm embalagens desenvolvidas especialmente para continuar o processo de cura do produto. Anne-Christelle Delamour, consultora em embalagens, explica quais as melhores soluções, em entrevista para a revista Profession Fromager:
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PF Quais são os problemas freqüentes que fazem os produtores de queijo procurar vocês?
Delamour: Frequentemente, eles são confrontados pelo aparecimento de floras bacterianas, quando a embalagem não libera umidade suficiente e os fenômenos de condensação aparecem. Outras vezes, as degradações físico-quimicas (proteólise) acontecem de maneira muito rápida, com o desenvolvimento, por exemplo, de cheiros de amônia. Nesse caso, a embalagem deve ser mais permeável aos gazes e vapores do queijo, permitindo que sejam liberados.
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PF Como as embalagens podem influenciar para ter um queijo muito úmido ou muito seco?
Delamour: Um queijo muito seco é o resultado de uma embalagem muito permeável, muito aberta. Deve-se então colocar uma película de parafina ou aumentar/diminuir a densidade das micro-perfurações, ou até mesmo escolher um outro material. Um queijo muito úmido pode, ao contrário, ser o resultado de uma embalagem hermética. Se a flora continua correta e a casca não apresenta alterações, pode-se então escolher aumentar ainda mais a permeabilidade, para liberar o vapor d’água.
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PF Nesse espírito é muito fácil de compreender…
Delamour: Sim, mas precisamos experimentar de forma prática para encontrar o bom equilíbrio. Isso depende igualmente da estrutura da embalagem inteira, incluindo etiquetas, fitas adesivas ou papel filme, e também sobre o conceito estético do condicionamento do produto, com ou sem caixa, por exemplo.
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PF Em quais circunstâncias sua consultoria sobre embalagens é solicitada?
Delamour: Para o lançamento de novos produtos, ou melhorar um já existente, em novas campanhas de marketing, ou quando há necessidade de redução de custos… Fazemos uma consultoria do produto em todos os parâmetros: taxa de matéria bruta, taxa de umidade sobre os queijos sem gordura, acidez e tipos de floras bacterianas. Como as pessoas encarregadas das compras de embalagens não são técnicas no assunto, essa fase de coleta de informações precisas é crucial.
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PF Quais são as tecnologias e novidades em termos de materiais utilizados para embalagens?
Delamour: Utiliza-se a poliamida (nylon), o que era até agora principalmente reservada para a vedação. Ela retém água como as películas de celulose, mas é mais fina e mais barata. Por outro lado, ela não é lacrada.
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PF Existe embalagens “universais” eficazes para todos os tipos de queijo? Este é um problema que é enfrentado pelos vendedores de queijos?
Delamour: A principio não, mas os fabricantes de embalagem na França fornecem essa consultoria completa e são capazes de propor soluções próximas ao desejado pelo cliente, com uma ou duas tentativas. Uma embalagem de queijo serve para cada tipo de maturação, então, para cada receita ha uma solução.
Por outro lado, para o vendedor que vende os produtos curados, prontos para consumação à curta duração, a embalagem pode ser uma simples proteção física. Nesse caso, a embalagem não tem a função de maturar, podendo servir para quase todos os tipos de queijo.