Texto e fotos de Manuel Dantas Vilar Carnaúba, advogado da família de produtores de queijo da Fazenda Carnaúba, Paraíba,
em 19 de novembro de 2016.
Foram nas Caravelas que os rebanhos e as técnicas de produção de queijo desembarcaram e se expandiram por esse Brasil afora, partindo do Nordeste. Nesses mais de 500 anos de nação, a forma européia de fazer queijo (que recebeu e ainda recebe influência asiática e africana) foi sendo modificada, melhorada e adaptada para a geografia, pastos e rebanhos dos trópicos; resultando em queijos únicos, comprados, celebrados e identificados pela nossa população. Há queijos tão adaptados ao nosso clima que sua conservação dispensa refrigeração, a exemplo do cabacinha e do queijo de manteiga.
Nas décadas de 50-60, movido pelo pós-guerra e imposição de uma cultura urbana estrangeira, criou-se um sentimento meio que de vergonha da condição rural do Brasil, e tudo que fosse ligado ao campo tinha de se “modernizar” e se “adaptar aos novos tempos e descobertas”, como se nas fazendas só existisse atraso, sujeira e desconhecimento. Passaram, de uma hora para outra, técnicos e autoridades do governo, a querer ditar regras para os cidadãos do campo seguirem. O resultado disso foi uma exacerbação do conflito campo-cidade, que ainda hoje divide o Brasil e gera conflitos internos em nosso belo país.
A legislação que trata da produção de queijos é cria desse tempo. Preconceituosa, equivocada, “higienista” como bem diz Michelle Carvalho, microbiologista e participante da Slow Food, impunha um maquinário caríssimo e modificações na maneira de tratar com leite e derivados que relegou à ilegalidade praticamente todos os queijeiros, dando início a uma perseguição oficial sem-fim, abrindo espaço aqui para grandes laticínios e importação de produtos lácteos estrangeiros.
Ainda hoje os produtores não são ouvidos quando normas são pensadas e impostas, permanecendo – inconsciente ou não – a idéia de atraso e desorganização dos produtores rurais, mesmo que, contra esse pensamento tremule o aumento da produção de queijo artesanal, a evolução na qualidade e aprimoramento das técnicas e uma freguesia crescente e fiel. Nos países onde a importância da tradição queijeira é vista, subsidiada e interfere em todas as áreas da nação, desde a alimentação, economia, cultura, turismo e identidade nacional; a primeira classe a ser ouvida é a dos queijeiros. São eles quem opinam definitivamente para governo direcionar investimentos, estudos, políticas públicas (inclusive subsídios) e proteção de mercado.
Aqui no Brasil a coisa aparenta mudanças. A consciência de que é preciso proteger o queijo genuinamente brasileiro e que a grande massa de queijeiros anônimos e trabalhadores tem muito a ensinar aparenta estar se consolidando. Até o conceito de tecnologia está sendo revisitado. A teimosia de continuar fabricando queijos, aprimorar técnica por conta própria, driblar a fiscalização para vender seu produto (que se manteve graças à sua qualidade) foram fundamentais para que outras categorias, como os escritores, chefes de cozinha, comerciantes, consumidores e por fim, técnicos reconhecessem os olhos para a importância gastronômica, econômica e cultural que existe por trás disso tudo. Por conta dessa força de-baixo-pra-cima, autoridades pretendem normatizar e regulamentar a atividade.
Exemplo disso é o projeto de lei n.o 2404/2015 que tramita na Câmara dos Deputados, de autoria dos Deputados Zé Silva de Minas Gerais e Alceu Moreira do Rio Grande do Sul que dispõe sobre a elaboração e comercialização dos queijos artesanais; já em vias de ser votado. O projeto tem excelente intenção, mas falta ser ouvida a principal classe: a dos produtores de queijo de todas as regiões do país. Sem isso, poderemos estar cometendo o mesmo equívoco de décadas passadas e continuar com a mesma clandestinidade ou até pior: ter uma lei que privilegia parte de uma região do Brasil e prejudica as demais. Esse projeto de lei recebeu o apoio de algumas regiões produtoras, desde que mais à frente, elas fossem ouvidas, o que acabou não acontecendo.
Se queremos copiar alguma coisa de fora, que não seja os nomes dos queijos, nem os coalhos, nem as embalagens, nem as cavernas; seja a capacidade ouvir quem mais entende de queijo – os queijeiros de todas as regiões. São eles os primeiros a serem afetados pela legislação desse “Brasil oficial” que ainda insiste em distanciar do “Brasil Real”.
1 Comentários
Parabéns pela excelente matéria do Dr.Manuel Dantas Vilar Carnaúba. Ele faz um breve relato como surgiu essa coisa de Queijo no Brasil, em especial no Nordeste; como criou-se um sentimento meio que de vergonha da condição rural do Brasil; relata o imbróglio da Legislação Brasileira que “é Preconceituosa, equivocada, higienista”. No Brasil, a coisa aparenta mudanças…. A consciência de que é preciso proteger o queijo genuinamente brasileiro (Ex. Queijo Coalho Artesanal) e que a grande massa de queijeiros anônimos e trabalhadores tem muito a ensinar aparenta estar se consolidando, graças à Deus!
Em resumo, os queijos artesanais do Brasil representam um patrimônio cultural, gastronômico e econômico imensurável.