Goiabada sem queijo
por Maurício Lara
Mineiro longe das montanhas é sempre reconhecido pelo sotaque. Até quando diz “alô”, ao telefone, o interlocutor percebe que está conversando com um cidadão natural das Alterosas, que fala “trem” e “uai”. Mas a identificação vai mais longe. Quando alguém nota que está conversando com um mineiro, dá logo um jeito de contar uma piada que tem um conterrâneo como personagem e que, quase sempre, tem queijo no meio. Então, a associação de mineiro com queijo é indissolúvel.
É por isso que a discussão atual sobre o queijo minas artesanal, aquele feito com leite cru, cresce tanto de importância. A ponto de merecer audiência pública na Assembléia Legislativa de Minas, com a do último dia 20 de abril, convocada pelos deputados Adelmo Carneiro Leão e Carlos Mosconi. É uma situação estranha, em que se ficar o bicho come, se correr o bicho pega. Há uma legislação sanitária a ser cumprida, dezenas de milhares de pequenos produtores que não sabem o que fazer e milhões de consumidores que vão ter de esperar a solução da pendenga.
Aliás, não é justo dizer que os queijeiros não sabem o que fazer, porque, se tem uma coisa que eles fazem muito bem, há séculos, é queijo saboroso. Mas novos ingredientes entraram na receita. A preocupação das autoridades com as condições sanitárias é meritória. Em tempos modernos, não dá para deixar produto contaminado ou inadequado para o consumo em bancas de mercados.
Esse é um lado da história, mas há outros. Na outra ponta, os produtores, que sabem fazer queijo muito bem, não têm idéia de como vão fazer para atender às exigências da legislação. Eles não podem parar de fazer queijo, porque precisam da renda; eles não podem parar de vender queijo, porque há gente interessada em saborear a iguaria; e as autoridades sanitárias, de sua parte, não podem ficar de braços cruzados.
Nas exigências, além de vacinas, de controles sanitários e até de especificações para o rótulo do produto, há uma análise laboratorial microbiológica e físico química da água e do queijo. Se aqui no texto a exigência é difícil de entender, imaginem para um produtor da agricultura familiar. É grego, esperanto ou javanês. Se ele pudesse, seria mais fácil fechar o botequim, ou melhor, abandonar a queijaria e passar a cantar em outra freguesia. Mas, em que outra freguesia, se ele só tem aquela?
Os entendidos calculam que, para legalizar tudo, atender as exigências e obter o registro de produtor autorizado e fiscalizado, o cidadão gastaria em torno de R$ 20 mil. É dinheiro demais para quem, até agora, ganhou a vida cuidando das vacas e fazendo seu queijinho. Não é à-toa que, dos 30 mil produtores de queijo artesanal que as autoridades calculam existir em Minas, menos de duas centenas tenham conseguido o tal registro. Logo, a imensa maioria foi, sumariamente, empurrada para a clandestinidade.
Então, está instaurado o dilema. A necessidade de defesa da saúde pública versus a dificuldade dos produtores para se enquadrarem nas normas sanitárias corretas. No outro lado do balcão, o produtor que vai chegar ao mercado e perguntar pelo seu queijinho semanal. É difícil imaginar a goiabada de Minas sem um legítimo queijo mineiro acompanhando, mas o doce corre risco de ficar sozinho na mesa, sem o tradicional companheiro. Quer dizer, pelo menos até que os produtores de goiabada também tenham que se virar para atender a novas normas técnicas.