O Mineiro e o Queijo– o que é bom para os mineiros, não é bom para o Brasil?, documentário de Helvécio Ratton e Rusty Marcellini, co-financiado pela Sertãobras, mostrado como parte dos eventos Paladar do Estadão, no Hyatt, SP, foi muito apreciado pela riqueza documentada: história, cultura, arte, carinho, conhecimento dos pequenos produtores de queijo artesanal com tradições passadas em família ao longo de 200 anos desde a época das caças então ao ouro e pedras preciosas.
Estão esses produtores tradicionais em fase de extinção por leis gerais condenando a comercialização de derivados de leite cru a não ser no estado de Minas, ou dentro de parâmetros inviáveis na produção familiar, sem o devido acompanhamento e financiamento especial para tais especiarias. Isto supostamente para proteger o consumidor e que acaba por prejudicá-lo ainda mais, pois o produto artesanal, considerado patrimônio nacional, acaba na clandestinidade e chega às mesas da maioria por meio dos traficantes que não têm a ver com o zelo, carinho e conhecimento de muitos produtores. O consumidor vai atrás do que gosta, e vai ter aquele queijo que procura na mesa de qualquer jeito. As leis acabam por privá-lo do que poderia chegar de forma bem mais saudável, e até mesmo de conhecer e saborear as variedades das especiarias, conforme local (Canastra, Serro, Serrado), tempo de maturação, clima, família produtora…
As manifestações em prol do leite cru e seus derivados vão surgindo com mais veemência em várias partes do mundo, inclusive nos Estados Unidos, que tanto promoveram a pasteurização do leite, em congressos recentes no estado de Wisconsin de produtores e consumidores lutando pelo direito do “raw milk” e seus derivados. No evento em SP, reuniram-se chefs, cineastas, pessoal do slow food, compradores, antropólogos, todos interessados em apoiar e valorizar o trabalho familiar, estar melhor informados nas questões políticas, regulamentos e formas de viabilizar tanto a produção do queijo artesanal do leite cru, quanto a tal proteção do consumidor.
Além do documentário com registros de vários produtores e suas tradições, abrangendo desde a qualidade dos queijos (“a cadeia da produção começa com as vacas: se não estão bem, nada sai bem, o queijo não fica bom”. “O queijeiro tem que estar em paz, não pode ser apressado”, “o queijo curado já diz o que é, ele se cura pelas próprias carácterísticas, as boas bactérias que dão sabor, consistência, e quando estraga, é exatamento porque não está curado”), empecilhos (a dificuldade deles mesmos em se reunir e se associar), foi também apresentado um Dossiê com artigos do antropólogo à frente desta luta, Carlos Alberto Dória, assim como cópia do decreto recente de Lula º 7.216 com respeito à sanidade agropecuária, que pode favorecer o queijo artesanal. (Ver matérias de Carlos Alberto Dória e decreto Lula).
E claro, no final, mais esclarecidos, todos puderam degustar dos vários queijos de leite cru (o que para nós da fazenda era simplesmente leite… ou leite de verdade), com os quais os produtores nos privilegiaram, para que possam continuar naquilo que é profissão, tradição e sustento, e para que mais brasileiros e apreciadores de queijo no mundo possam degustar, cheirar, e identificar como história, cultura e arte do local onde o verdadeiro ouro acabou sendo o queijo artesanal de Minas.
As primeiras famílias que foram se assentando e produzindo ao longo do caminho das buscas de ouro, começaram a fazer o queijo com receitas das Ilhas das Canárias, dos Açores, como meio de conservar o leite, acolher bem as visitas, e se sustentar vendendo para quem quisesse bem presentear a outros.
Que assim continue, este patrimônio, “sobre gente, da gente”. E os agricultores de pequena e média escala, com seus tratos mais pessoais, ricos, respeitosos de terra, animais, e gente, criando gente saudável, forte e curada, com vida e até rituais de inicialização em batismos de leite espirrados direto da teta da vaca, por mãos experientes.
Somos todos pelo rebanho sadio, meios limpos dentro do saudável, levando-se em conta critérios razoáveis de higienização,– assim como, e talvez o que de mais importante, o senso de responsabilidade do produtor (afinal, sabe muito bem que seu produto vai refletir no desempenho de suas vendas); dentro disto, nada como o leite cru e seus derivados, queijos frescos e curados, no modo pessoal e tradicional, utilizando-se do que a tecnologia favorece e não mata: sabor, nutrição, vida… O resto, é um tanto de conversa pra colocar cachorro de cara feia, fogão a explodir, e coati a pular.
Após conhecer uma variedade de queijos vendidos nos supermercados da América do Norte, e mesmo França e Brasil, sendo vera amante do queijo, vim com o tempo apreciar também, cada vez mais, não só os tipos mineiro e cottage da fazenda, mas os veros mineiros em suas deliciosas variedades, desde fresco, meia cura e curados que fui conhecendo em minhas viagens por Minas. Tive o privilégio de comer estes queijos, do Serro, da Canastra, do Serrado conhecendo seus fazedores, ou na companhia de quem conhece bem a região, os queijos, e o que é bom. Para o bom conhecedor, a cor, a textura e o cheiro já falam muito antes do desgustar em si.
Por Robin Geld
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