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Enquanto alertam sobre a obesidade, EUA incentivam vendas de queijo

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Fonte: New York Times – Tradução: Eloise De Vylder – Folha de São Paulo

A franquia Domino’s Pizza estava mal das pernas no ano passado. As vendas domésticas haviam caído, e uma pesquisa entre consumidores de grandes cadeias de pizzarias deixou a companhia empatada entre as piores do mercado.

Então veio a ajuda de uma organização chamada Dairy Management. Ela se uniu à Domino’s para desenvolver uma nova linha de pizzas com 40% mais queijo e seguir com o planejamento e o financiamento de uma campanha de marketing de US$ 12 milhões.

Os consumidores devoraram a pizza com mais queijo, e as vendas aumentaram na casa dos dois dígitos.

“Claramente a parceria está funcionando”, disse Brandon Solano, vice-presidente da Domino’s para inovação da marca, numa declaração ao The New York Times.

Mas por mais que a pizza tenha feito bem para a saúde da Domino’s, uma fatia contém até dois terços da quantidade máxima de gordura saturada recomendada por dia, o que foi relacionado a doenças cardíacas, além de ter muitas calorias.

A Dairy Management, que fez do queijo a sua bandeira, não é uma consultoria de negócios privada. É uma criação de marketing do Departamento de Agricultura dos EUA – a mesma agência responsável por uma iniciativa federal anti-obesidade que desencoraja o consumo exagerado de alguns dos produtos que a própria Dairy Management promove vigorosamente.

Alertados pelos avisos do governo sobre a gordura saturada, os norte-americanos têm optado pelo leite desnatado há décadas, produzindo um excedente de leite integral e gordura do leite. E o governo, através da Dairy Management, está engajado num esforço para encontrar formas de reinserir os derivados do leite na dieta dos norte-americanos, principalmente através do queijo.

Os norte-americanos consomem hoje uma média de 15 quilos de queijo por ano, quase o triplo do que consumiam em 1970. O queijo se tornou a maior fonte de gordura saturada; 30 gramas de queijo contêm tanta gordura saturada quanto um copo de leite integral.

Quando Michelle Obama implorou aos donos de restaurantes em setembro para ajudarem a combater a obesidade, ela citou a proliferação dos cheeseburgers e do macarrão com queijo.

“Quero desafiar cada restaurante a oferecer opções saudáveis no menu”, disse ela durante a reunião anual da Associação Nacional de Restaurantes.

Mas numa série de acordos confidenciais aprovados pelas secretarias da agricultura dos governos Bush e Obama, a Dairy Management trabalhou com os restaurantes para expandir os menus com produtos carregados de queijo.

Considere o filé quesadilla do Taco Bell, com cheddar, queijo com especiarias, mussarela e molho de creme de leite.

“O prato usa em média oito vezes mais queijo do que outros itens do menu”, informa um relatório do Departamento de Agricultura, elogiando o trabalho da Dairy Management – sem mencionar que a quesadilla tem mais de três quartos do nível de gordura saturada e sódio recomendado por dia.

A Dairy Management, cujo orçamento anual se aproxima dos US$ 140 milhões, é em grande parte financiada por uma taxa do governo sobre a indústria de laticínios. Mas ela também recebe vários milhões de dólares por ano do Departamento de Agricultura, que aponta alguns dos membros de seu conselho, aprova suas campanhas de marketing e contratos grandes e periodicamente reporta seu trabalho ao Congresso.

As atividades da organização, reveladas em entrevistas e registros, fornecem um exemplo claro dos conflitos inerentes ao papel que o Departamento de Agricultura exerce tanto na promoção dos produtos agrícolas quanto na polícia nutricional do país.

Por um lado, a Dairy Management gastou milhões de dólares em pesquisa para apoiar uma campanha publicitária nacional que promove a ideia de que as pessoas podem perder peso consumindo mais laticínios, de acordo com documentos e entrevistas. A campanha durou quatro anos e terminou em 2007, embora outros pesquisadores – um deles pago pela própria Dairy Management – não encontraram provas dos benefícios para a perda de peso.

Quando a campanha foi acusada de falsidade, os advogados do governo a defenderam, dizendo que o Departamento de Agricultura “revisou, aprovou e supervisionou continuamente” a iniciativa.

O Dr. Walter C. Willett, presidente do departamento de nutrição da Escola de Saúde Pública de Harvard e ex-integrante do comitê de aconselhamento nutricional do governo, disse: “O Departamento de Agricultura não deveria se envolver nos programas que promovem alimentos que já estamos consumindo em exagero. Uma pequena quantidade de queijo saboroso pode ser compatível com uma dieta saudável, mas o consumo nos EUA é enorme e bem além do que é bom para a saúde.”

O Departamento de Agricultura não permitiu que seus altos funcionários falassem à reportagem, e a Dairy Management não quis comentar. Em resposta a perguntas escritas, o departamento disse que a promoção dos laticínios tem a intenção de apoiar os agricultores e as economias rurais e que sua supervisão deixa o conselho da Dairy Management com uma “significativa independência” para decidir qual a melhor forma de apoiar esses interesses.

O departamento reconhece que o queijo tem alto teor de gordura saturada, mas diz que o baixo consumo de leite transformou o queijo numa fonte importante de cálcio.

“Quando consumido com moderação e com atenção ao tamanho das porções, o queijo pode se encaixar numa dieta saudável com pouca gordura”, diz o departamento.

Em seus relatórios ao Congresso, entretanto, o Departamento de Agricultura quantifica o sucesso da Dairy Management de acordo com toneladas de queijo servidas.

Em 2007, o departamento deu destaque à pizza Cheesy Bites do Pizza Hut, ao “conceito de sanduíche Double Melt” da rede Wendy’s e ao cheeseburger Cheesy Angus Bacon e o sanduíche TenderCrisp do Burger King.

“Ambos tinha duas fatias de queijo americano, uma fatia de queijo com especiarias e molho de queijo”, disse o departamento.
Essas iniciativas, relatou o departamento, ajudaram a gerar um “crescimento de quase 13 mil toneladas nas vendas de queijo”.

Propaganda incansável

Todos os dias, as vacas do país produzem uma média de cerca de 227 milhões de litros de leite, mas menos de um terço vai para a produção do leite que as pessoas bebem. E a maior parte do leite tem a gordura removida para produzir o leite desnatado ou semi-desnatado que os norte-americanos preferem. Uma grande quantidade de leite integral e de gordura extraída sobra nesse processo.

Durante anos, o governo federal comprou o excesso de queijo e manteiga do setor, resultado de um compromisso da época da Depressão que se valia de subsídios e outras ferramentas para manter o setor de laticínios como um recurso vital do país. Esse estoque, armazenado em câmaras frias no Missouri, cresceu até um valor de US$ 4 bilhões em 1993, quando Washington mudou de direção.

O governo começou a comprar apenas o que precisava para os programas de assistência alimentar. Ele também começou a pagar os fazendeiros para abaterem parte das vacas leiteiras. Mas na época, o setor estava se transformando em indústrias maiores e mais sofisticadas que aumentavam a produção através da inseminação artificial, hormônios e iluminação que mantinha as vacas mais ativas.

Em 1995, o governo criou a Dairy Management Inc., uma corporação sem fins lucrativos cuja missão era aumentar o consumo de laticínios “oferecendo os produtos que os consumidores queriam, onde e quando eles desejassem.”

A Dairy Management, através da campanha “Got Milk?” [“Tem leite?”], foi bem sucedida em reduzir o declínio no consumo de leite, concentrando-se particularmente nas crianças em idade escolar. Ela também tem promovido incansavelmente o queijo e pressionado contra a sugestão do Departamento de Agricultura de que as pessoas consumam apenas as variedades com baixo ou nenhum teor de gordura.

Numa carta enviada em julho ao comitê de nutrição do departamento, a Dairy Management escreveu que os esforços para fazer queijo sem gordura naufragaram porque é a gordura que torna o queijo atrativo.

“A aceitação do queijo com baixo ou nenhum teor de gordura por parte dos consumidores foi limitada”, disseram.
Dados do Departamento de Agricultura mostram que o queijo é um dos principais motivos pelos quais a dieta norte-americana contém excesso de gordura saturada.

Pesquisas descobriram que os benefícios cardiovasculares de cortar a gordura saturada podem depender do que a substitui. Amidos refinados e açúcar podem ser tão ruins quanto ou até piores, enquanto foi provado que a substituição por gorduras insaturadas pode reduzir o risco de doenças cardíacas.

O comitê de nutrição do departamento lançou uma nova norma neste verão demandando que a gordura saturada não exceda 7% do total de calorias, cerca de 15,6 gramas, numa dieta de 2 mil calorias diárias. Mas o consumo médio permaneceu em torno de 11% a 12% do total de calorias por pelo menos 15 anos.

O departamento divulgou dicas nutricionais num panfleto intitulado “Passos para ter mais saúde!”. Ele instrui os amantes de pizza: “prefira as com massa integral e metade do queijo” – muito embora a Dairy Management tenha trabalhado com redes de pizzaria como a Domino’s para aumentar o queijo.

A Dairy Management coordena o maior dos 18 maiores programas do Departamento de Agricultura que promovem carne de boi, porco, batatas e outros produtos. Seus orçamentos são em grande parte custeados por taxas cobradas dos fazendeiros, mas a Dairy Management, que reportou gastos de US$ 136 milhões no ano passado, também recebeu US$ 5,3 milhões no mesmo período do Departamento de Agricultura para promover as vendas de laticínios no exterior.

Em comparação, o Centro de Política a Promoção da Nutrição do departamento, que promove dietas saudáveis, tem um orçamento total de US$ 6,5 milhões.

Embora a lei determine que a secretaria de agricultura aprove os contratos e campanhas de publicidade da Dairy Management, a organização se tornou uma empresa totalmente desenvolvida com 162 funcionários qualificados para o desenvolvimento e promoção de produtos. Ela também inclui o Conselho Nacional de Laticínios, um grupo de 95 anos de idade que atua como braço de pesquisa e comunicação.

O executivo-chefe de longa data da Dairy Management, Thomas P. Gallagher, recebeu US$ 633.475 em salários em 2008, com privilégios de viajar de primeira classe, de acordo com a declaração de imposto de renda. O salário anual para dois outros altos funcionários passa de US$ 300 mil cada.

Gallagher, que se recusou a ser entrevistado para este artigo, foi descrito pelos membros do conselho, funcionários e profissionais do setor alimentício como um executivo astuto e defensor efetivo da crescente indústria de laticínios.

“Ele é um grande pensador”, diz David Brandon, ex-diretor executivo da Domino’s. “Um cara muito criativo que pensa grande e está disposto a apostar na ajuda ao direcionamento do setor em prol dos fazendeiros de laticínios.”

Pesquisa contestada

“Grandes notícias para quem faz dieta”, anunciava a Dairy Management numa propaganda na revista People em 2005. “Estudos clínicos mostram que uma dieta de calorias reduzidas, que utiliza três porções de leite, queijo ou iogurte por dia pode fazer perder mais peso e mais gordura corporal do que aquelas que apenas cortam calorias.”

Com o declínio do consumo de leite, a Dairy Management descobriu uma nova estratégia de marketing com sua campanha para a perda de peso.

Quando a campanha começou em 2003, um funcionário da Dairy Management disse que ela havia sido inspirada em novas leis federais menos rígidas sobre a saúde e no “rápido crescimento de produtos ‘bons para a saúde’” que se seguiu.

Ela foi baseada numa pesquisa feita por Michael B. Zemel, nutricionista da Universidade do Tennessee e autor de “A Chave do Cálcio: A revolucionária dieta que ajudará você a perder peso mais rápido”. Como exatamente os laticínios ajudam a perda de peso não está claro, diz Zemel em entrevistas e e-mails, mas isso se deve em parte a contrabalancear a ação de um hormônio que aumenta os depósitos de gordura quando o corpo está com pouco cálcio.

A Dairy Management patenteou a pesquisa de Zemel, promoveu seu livro e alistou uma equipe de conselheiros científicos que “identificaram mais pesquisas para desenvolver uma defesa mais agressiva no futuro”, de acordo com uma apresentação de estratégia da campanha.

Um estudo como este foi conduzido por Jean Harbey-Berino, presidente do Departamento de Nutrição e Ciências Alimentares da Universidade de Vermont.

“Acho que eles tinham muita coisa em jogo nisso”, disse ela sobre a alegação de perda de peso, “e sentiram que, se funcionasse, seria lucro fácil.”

“Sou uma grande defensora dos laticínios”, disse ela, observando que sua pesquisa também foi paga pela Dairy Management.

Mas em 2004, seu estudo não encontrou nenhuma prova de perda de peso. Ela disse que a Dairy Management recebeu mal a notícia, ameaçando fazer uma auditoria de seu trabalho. Ela disse que ficou surpresa quando a organização continuou com sua campanha publicitária.

“Pensei que eles estavam loucos e que eventualmente alguém os descobriria”, diz ela.

Seu estudo foi publicado em 2005, e em reuniões científicas ela ouviu de outros pesquisadores que também não haviam conseguido confirmar o trabalho de Zemel, incluindo o Dr. Jack A Yanovski, chefe de uma unidade de obesidade dos Institutos Nacionais de Saúde.

Mas no final de 2006, a Dairy Management ainda citava a perda de peso para convencer o Departamento de Agricultura a não cortar a quantidade de queijo nos programas federais de assistência alimentar.

“Os dados disponíveis sustentam fortemente o efeito benéfico do aumento de laticínios sobre o peso e a composição corporal”, escreveram dois funcionários da organização, sem fazer menção às descobertas de Harvey-Berino.

Tendo rejeitado a teoria da perda de peso em 2005, o comitê do conselho de nutrição federal disse novamente neste verão que a metologia utilizada no estudo “não é convincente”.

A campanha durou até 2007, quando a Comissão Federal de Comércio agiu de acordo com uma petição de dois anos do Comitê de Médicos por uma Medicina Responsável, um grupo de defesa de direitos que desafiou as alegações da campanha.

“Se você quiser entender por que as pessoas são gordas hoje, é muito difícil de identificar outra coisa que tenha contribuído tanto para este aumento meteórico do que o consumo de queijo”, disse o Dr. Neal D. Barnard, presidente do grupo de médicos, numa entrevista.

A comissão de comércio notificou o grupo que o Departamento de Agricultura e funcionários do setor de laticínios haviam decidido interromper a campanha enquanto não houvessem mais pesquisas. Zemel disse que continua esperançoso que suas descobertas sejam eventualmente confirmadas.

Enquanto isso, a Dairy Management, que destinou US$ 12,4 milhões para a pesquisa nutricional em 2008, passou a realizar estudos financeiros sobre oportunidades promissoras, incluindo a promoção de leite achocolatado como uma bebida para depois dos esportes e o uso do queijo para estimular as crianças a comerem alimentos saudáveis como vagem.

Uma campanha de tudo ou nada

Em 13 de outubro, a Domino’s anunciou o último lançamento de sua linha de pizzas com mais queijo, que a Dairy Management está promovendo com uma iniciativa de marketing de US$ 12 milhões.

Batizada de Wisconsin, a nova pizza tem seis queijos na cobertura e mais dois na borda.

“Esta é a única maneira de apoiarmos as fazendas de laticínios de todo o país: vendendo uma pizza com uma abundância de seus produtos”, disse um porta-voz da Domino’s num release para a imprensa. “Achamos que é uma boa coisa.”

Um teste de laboratório da pizza Wisconsin encomendado pelo The Times descobriu que um quarto de uma pizza média de massa fina tinha 12 gramas de gordura saturada, mais de três quartos do valor máximo recomendado por dia. Ele também tem 430 calorias, o dobro das calorias presentes nas pizzas que a rede divulga como “opções mais leves”.

De acordo com registros de contratos divulgados por meio do Ato de Liberdade de Informação, o papel da Dairy Managment no desenvolvimento das pizzas Domino’s inclui criar e testar novos conceitos de pizza.

Quando a Dairy Management começou a trabalhar com companhias como a Domino’s, ela teve que primeiro convencê-las de que o queijo tornaria seus produtos mais desejáveis, mostram documentos e entrevistas. Ela forneceu banners e luminosos especiais para os menus dos drive-throughs nas redes de fast-food, lembra-se Debra Olson Linday, que liderou a iniciativa da Dairy Management para promover o queijo nas redes de restaurantes antes de sair em 1997.

Em 1999, as redes de alimentação e fabricantes procuravam a Dairy Management para pedir ajuda.

“Vamos vender mais pizzas e mais queijo!”, disseram dois funcionários do Pizza Hut, que começou a colocar queijo dentro da borda depois de realizar reuniões de desenvolvimento com a Dairy Management, de acordo com um memorando divulgado pelo Departamento de Agricultura.

Derek Correia, ex-chefe de inovação de produtos do Pizza Hut, disse que a Dairy Management também ajudou a encontrar fornecedores para o queijo extra. “Nós usávamos quatro queijos, se não seis, e com uma companhia como o Pizza Hut, isso é muito fornecimento”, disse ele numa entrevista.

E diferentemente do que aconteceu com suas campanhas publicitárias, a Dairy Management e o Departamento de Agricultura podiam apontar os resultados específicos desses projetos. A promoção do “Verão do Queijo” desenvolvida com o Pizza Hut em 2002 utilizou 46,26 mil toneladas adicionais de queijo, relatou o departamento ao Congresso.

“Mais queijo na pizza significa mais vendas de queijo”, escreveu Gallagher, diretor-executivo da Dairy Management, numa coluna de uma publicação do setor no ano passado. “Na verdade, se toda pizza incluísse 30 gramas de queijo ou mais, poderíamos vender mais 113 mil toneladas de queijo por ano.”

Trabalhando em conjunto com algumas das maiores companhias alimentares, a Dairy Management também pressionou para expandir o uso do queijo em alimentos processados e na culinária doméstica. O Departamento de Agricultura relatou um aumento de 5% a 16% nas vendas de derivados de queijo em lojas onde a Dairy Management ajudou os lojistas a recriarem suas seções de laticínios. Agora são exibidos uma variedade de produtos fatiados, ralados e cortados em cubos, ao lado de receitas que usam mais queijo para cozinhar em casa.

A estratégia é focar nas famílias cujo “hábito” de comer queijo ultrapassa suas preocupações com os riscos à saúde, mostra o documento da Dairy Management. Um estudo deu a elas um nome: “fanáticas por queijo”.

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