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Indicação Geográfica: “Sem a estrutura familiar, o conhecimento do processo produtivo se perde”

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Por Débora Pereira – 19 de outubro de 2016

Ligia Inhan, economista de Juiz de Fora, durante a sua pesquisa de doutorado, mergulhou na legislação sobre indicações geográficas e denominações de origem controlada, no Brasil e na França, para entender como se deu a IG do queijo canastra. A oportunidade de fazer pesquisa de campo em Medeiros, São Roque de Minas, Vargem Bonita e Tapiraí permitiu à pesquisadora cultivar a amizade com os produtores ao mesmo tempo que identificou, na região, as instituições que animam as trocas econômicas e de conhecimento e que sustentam as relações sociais em torno da fabricação artesanal de queijo.

Fotos de Ligia Inhan, Medeiros

Na França, Ligia abriu seus horizontes de pesquisa e foi convidada para participar do grupo Repastol – uma rede internacional e transdisciplinar de pesquisadores que questionam que a pasteurização não deve ser a solução sanitária para a fabricação de queijo artesanal. Ela passou quatro meses na cidade de Montpellier, orientada pela pesquisadora Claire Cerdan.

Fotos de Ligia Inhan, França

Ligia concluiu na sua tese que os laços de confiança estabelecidos desde gerações no território da Canastra foram essenciais para a implementação e estruturação da IG, pois facilitaram o desenvolvimento de políticas e  estratégias entre produtores e instituições. No entanto:

“O interesse nos últimos dez anos pela formalização da proteção do conhecimento via Indicação Geográfica (IG) mobilizou no Brasil, especialmente, quatro instituições, cada qual com seus próprios fins e propósitos. São elas: EMBRAPA Uva e Vinho, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Embora a Lei Federal 9.279/1996 seja clara, essas instituições têm trabalhado com seus próprios conceitos, notadamente de IG, do Acordo dos Direitos da Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADIPC/TRIPS).”

INHAN MATOS, Ligia Aparecida. O conhecimento regional do Queijo Minas Artesanal na Indicação de Procedência Canastra: ensinando o padre a rezar. Tese de Doutorado em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento. Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2016. (PDF)

Confira a entrevista com a pesquisadora sobre o processo de construção da sua tese:

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1) Qual a sua formação e quando você começou a se interessar por queijo artesanal em sua vida?

Sou economista, formada pela UFJF, tenho mestrado em Gestão, pela UTAD, Portugal. Quando fiz o mestrado, meu tema se voltou para inovação e paradoxo da legislação do vinho com a necessidade de inovação para concorrer no mercado internacional. Lá eu comecei a ver a importância das indicações geográficas e o que elas representam para aquele país. Quando eu fiz meu projeto de doutorado, agora para a UFRJ, fiz para estudar o vinho também, mas iria estudar na Argentina, porque não via a mesma importância de IG para o Brasil.


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2) Quais motivos te levaram a definir a Indicação Geográfica do queijo canastra como seu objeto de estudo?

Quando eu comecei a estudar a fundo a questão, percebi que no Brasil, as questões de IG perpassam necessariamente pela regularização da produção e o queijo artesanal é uma das mais complicadas legislações que existe atualmente. Não só pelo fato da legislação ser para a indústria, mas pelo contingente enorme de famílias que dependem desse produto e processo para se sustentar.


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3) Quais os principais benefícios de uma indicação geográfica protegida para o território da Canastra? E existem prejuízos para a população local nesse processo, se sim, quais seriam eles?

A IG não protege o conhecimento do processo produtivo, ela, de fato, está sendo usada como uma estratégia de marketing, nada mais. Não prejudica na medida que não há meios de proibir ninguém de usar o nome da Canastra. No dia que isso começar a ocorrer, aí se tornará um grave problema, quiça, um problema social.


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4) Como foi sua relação com os produtores locais durante a pesquisa?

Minha relação foi de respeito, em primeiro lugar, admiração, em segundo e amizade que permaneceu mesmo depois que eu deixei a região.


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5) Se fosse para refazer, o que vc mudaria no processo de reconhecimento da indicação geográfica do queijo canastra?

Primeiro, refaria o Regulamento de Uso retirando toda a legislação que está contida nele. A legislação exclui, sem questionamento, todo produtor que não segue os parâmetros definidos ali. Parâmetros que nem todos concordam e nem concordaram na época. Em seguida, eu remarcaria o lugar, porque o atual não está levando em consideração as similaridades da região, dos fatores humanos e naturais. É só uma demarcação política. Para isso TODOS os produtores da região tem que ficar sabendo do processo e não só meia dúzia, como de fato aconteceu. Basicamente são esses dois, os demais questionamentos só poderia ser mudado no nível do INPI.


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6) Qual a sua descoberta mais importante durante a pesquisa?

Que a família é que assegura o conhecimento. Sem a estrutura familiar, o conhecimento do processo produtivo se perde. Esse é um dos fatores chaves que eu questiono na legislação, pois se a criança não aprender com os pais, como ela vai sustentar esse conhecimento no futuro?  Se ela não pode entrar dentro da queijaria quando der a vontade, para ver, experimentar, mexer, como ela vai ter gosto de aprender a fazer aquilo que dá sustento para sua família? Claro que higiene deve ser preservada, mas nada deveria colocar obstáculos ao aprendizado lúdico que ocorre dentro de uma queijaria a partir de 7, 8 anos. Isso é que mantém o conhecimento da Canastra. Enquanto mantiverem isso, o conhecimento será assegurado. Isso não depende de instituição nenhuma, nem reconhecimento formal.

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