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O alimento artesanal aproxima consumidores e produtores

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Por Fernando Carvalho de Almeida, engenheiro químico que lida com alimentos e bebidas… E chef de cozinha!

A filosofia de um Produto Agroalimentar Artesanal é estabelecer relações locais de consumo. É democratizar, valorizar, promover a dignidade, a consciência e a responsabilidade social e ambiental.

Pão de queijo feito com polvilho caseiro na Serra da Canastra.
FOTO: Débora Pereira/SerTãoBras

A venda regulamentada de produtos agroalimentares artesanais precisa vencer alguns obstáculos para se tornar realidade, e um dos primeiros é responder a pergunta: o que é, afinal, um produto alimentício artesanal? Essa indagação é essencial para se definir uma legislação regulatória. Por não se tratar de um termo regulamentado, seu uso, hoje, é livre e não tem nenhum tipo de proteção. Nenhuma legislação brasileira contempla a definição do que vem a ser um alimento artesanal.

A UNESCO define produto artesanal como sendo “produtos que são produzidos por artesãos, tanto de forma completamente manual quanto com ajuda de ferramentas manuais ou mesmo mecânicas, desde que mantida a contribuição manual direta do artesão como a mais significativa para o resultado final do produto…A natureza especial dos produtos artesanais deriva de suas características distintivas, que podem ser utilitárias, estéticas, artísticas, criativas, culturalmente anexadas, decorativas, funcionais, tradicionais, religiosas e socialmente simbólicas e significativas.”

O Merriam-Webster Dictionary  define “artesanal” e “artesão” da seguinte forma:
– Artesanal: “produzido em quantidades limitadas por um artesão através do uso de métodos tradicionais.
– Artesão: aquele que produz algo (como queijo ou vinho) em quantidades limitadas, muitas vezes empregando métodos tradicionais.

Pimentas brasileiras: biquinho, de bode, cumari… FOTO: Débora Pereira/SerTãoBras

Na verdade, toda definição de artesanal que buscarmos acabará por trazer alguns pontos comuns fundamentais, que são a valorização do conhecimento do artesão, a necessidade da prevalência deste savoir-faire no resultado final do produto e a escala de produção limitada. Também não é raro encontrarmos limitações quanto a origem da matéria-prima, especialmente quando falamos de alimentos. Nesta busca para definir o alimento realmente artesanal do O The Hartman Group (https://www.hartman-group.com) propõe três perguntas básicas para se fazer:

O produto é feito com cuidado por uma pessoa de verdade?

É feito manualmente, em pequenos lotes ou quantidades limitadas usando ingredientes especiais?

Ele reflete perícia, tradição, paixão, um processo?

Percebem que somente conhecendo o produtor somos capazes de responder a estas perguntas? Qualquer conceito de artesanal que busquemos deve levar a isso: conhecer o produtor, saber da origem de seus ingredientes e insumos, admirar a singularidade de sua técnica.

Queijo Serrano. FOTO: Débora Pereira/SerTãoBras

Indústria empobrece relação cultural com alimentos

Hoje a maior parte das pessoas vivem em cidades e sua relação com o alimento é, não raro, muito empobrecida. Compra-se algo sem se conectar com sua história ou origem. Ingere-se algo muitas vezes apenas para se nutrir, quase como uma obrigação fisiológica que deve ser atendida. A produção industrial e distribuição em larga escala de alimentos é uma realidade e não nos cabe aqui discutir se podemos ou não prescindir dela na nossa atual organização social e produtiva.

Mas seria justo impor este modelo industrial como único possível? Creio que a resposta é um retumbante não! Reconectar as pessoas a todo processo produtivo significa valorizar o esforço e o conhecimento do pequeno produtor rural e de inúmeros artesãos que transformam ingredientes em comida, aumentando a renda no campo. É trazer transparência para o consumidor, dar a ele a oportunidade de escolha, promovendo o consumo consciente. É aproximar produtor e consumidor por meio da transparência e do compartilhamento de valores.

A maioria dos produtores da Serra da Canastra ainda fazem ordenha manual. 
FOTO: Débora Pereira/SerTãoBras

E no mundo?

A mesma situação pode ser encontrada mundo afora, já que este movimento em busca de maior aproximação dos produtores e do hábito de “consumir local” é um fenômeno global. Mercados como o norte-americano e o europeu também não possuem uma legislação definidora do conceito de artesanal. Também lá existe neste momento o debate sobre o uso do termo e sua regulamentação. No caso europeu existem as denominações de origem que, em certa medida, protegem métodos e saberes tradicionais e estabelecem normas rígidas de controle geográfico e de processo. Mas mesmo estas normas são se detêm na análise da caracterização do “artesanal”. Não é difícil encontrar no mercado mundial produtos produzidos em larga escala sendo chamados de artesanais.

O comer do Homo sapiens

Não é necessário ser um pesquisador para perceber a íntima e indissolúvel relação entre meio ambiente, ser humano e alimento. O processo evolutivo que culminou com o aparecimento do Homo sapiens foi permeado de cabo a rabo por sua interação com o meio que o cercava e as fontes de alimento de que dispunha. As pressões ambientais e nutricionais foram primordiais neste caminho. Nossa espécie é fruto direto da sua capacidade de se organizar em grandes grupos, de se comunicar dentro destes grupos e juntos lidar com o abstrato. Basta observar isso para compreender o quão profunda é nossa relação com o comer.

Quero aqui chamar a atenção do leitor para um ponto: usei de forma proposital a palavra comer. Poderia ter usado “se alimentar” mas preferi “comer”. Isso porque comer, para nós humanos, é muito mais que se alimentar, do que disponibilizar ao seu organismo nutrientes e calorias. Comer é carregado de prazer, de história, de comunidade, de viver. O comer transcende a mesa e alcança o campo, conta uma epopeia que se inicia com uma semente nas mãos de um agricultor, passa pelo labor cuidadoso ao lado do fogão e termina na conversa gostosa à mesa. Porque é isso que nossa evolução nos ensina! Foi entendendo a natureza e seus caprichos que nos tornamos agricultores. Domesticamos plantas e animais, aprendemos a produzir pão e vinho usando microrganismos que sequer sabíamos existir. Transformamos o leite perecível e valioso em queijo capaz de sustentar a vida nos momento de escassez.

Nosso comer durante milhares de anos envolveu a proximidade e a natural limitação das possibilidades de produção. Era impossível vencer grandes distâncias e contornar certos aspectos dos ciclos naturais, tais como secas e estações do ano. Estar envolvido com a natureza e saber decifrar seus sinais era uma questão de vida ou morte, assim como estar próximo das fontes de alimento. Nós somos frutos desta disciplina, intimamente ligados a toda esta cadeia. Ainda assim esta relação pode soar estranha aos ouvidos do Homo sapiens contemporâneo.

A urbanização, acelerada pela industrialização, a logística moderna e a revolução da automação e da eletrônica nos levaram à sociedade informatizada e global, nos afastando definitivamente do campo e alterando nossa relação com o alimento.

Links úteis

_ http://www.artisanfoodlaw.co.uk/blog/traditional-foods/what-does-it-mean-to-be-an-%E2%80%98artisan%E2%80%99-food-producer
_ https://www.dairyfoods.com/blogs/14-dairy-foods-blog/post/88605-the-true-meaning-of-artisanal-dairy-foods
_ http://uis.unesco.org/en/glossary-term/craft-or-artisanal-products
_ https://cuesa.org/article/artisanal-defined https://www.merriam-webster.com/dictionary/artisan
_ https://cultureby.com/2006/11/the_artisanal_m.html https://www.hartman-group.com/hartbeat/410/when-the-label-says-artisan-

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