por Dilke Fonseca
Produtores rurais criticam a fiscalização punitiva sobre a comercialização do queijo artesanal, a falta de recursos financeiros e de treinamento para a produção em audiência pública realizada na quarta-feira (20) na Assembléia Legislativa. A reação ocorre contra as apreensões do produto, que têm se tornado frequentes, e afetado produtores como Wagner Torres Machado, 46, uma das 100 lideranças presentes ao evento, com prejuízo estimado de R$ 12 mil em duas ações subsequentes da polícia do meio ambiente. A última na semana passada com a apreensão de 450 peças de queijo artesanal. Wagner afirmou que o produto foi descartado sob o argumento de que não estava de acordo com as normas legais.
E foi exatamente a fiscalização do queijo artesanal em Uberaba, no Triângulo Mineiro, que motivou a convocação da audiência pelo deputado estadual Adelmo Carneiro Leão (PT) e pelo presidente da Comissão de Saúde, deputado estadual Carlos Mosconi (PSDB). A fiscalização foi suspensa neste município, porque o índice de estabelecimentos em conformidade com a Lei 14.185, de 2002, que trata do processo de produção do queijo artesanal em Minas é baixo, explicou o promotor Carlos Alberto Valera, presente no encontro. De 68 estabelecimentos fiscalizados pelo Ministério Público, 56 descumpriam a norma. Ele disse que foi suspensa a fiscalização e criado grupo para fazer o diagnóstico e cadastro dos produtores rurais. “Não podemos transigir com a saúde humana”, afirmou.
A falta de profissionais para orientar os produtores em relação à qualidade de fabricação dos queijos e o alto custo das análises físico-químicas da água usada na produção dificultam o segmento a se adequar às leis 4.185, de 2002, e a 19. 492, de 2011, afirmou o presidente da Associação de Produtores de Queijo Tipo Artesanal do Município de Caldas (Aprocaldas), Vanderlei Tomé. Ele disse que a análise deve custar cerca de R$ 500 no laboratório. Ele propôs que o Governo do Estado colabore com a análise que pode ser feita por meio da Fundação Ezequiel Dias.
O vereador Marcelino Marra, de Sacramento, no Alto Paranaíba, criticou a rigidez das normas legais para a produção ao lembrar que a venda do queijo artesanal contribui para a sobrevivência de produtores que vivem da agricultura familiar. “Assusta ainda a lógica da lei e não a defesa desta linha de produção. A presença do IMA é como a presença do diabo na propriedade”, comparou. Segundo o vereador, os produtores de Sacramento enfrentam dificuldades mesmo andando na linha e defendeu que o Estado crie uma política para o setor. “Os produtores precisam de política de Estado e não de fiscalização”, completou.
Marra, por outro lado, considerou uma “fortuna” que produtores paguem R$ 20 mil, valor estimado pelo subsecretário de Estado de Agricultura Familiar, Edmar Gadelha, para que cada pequena propriedade se adeque às exigências fitossanitárias. Marra sugeriu que o Governo custeie parte deste valor para os cerca de 30 mil estabelecimentos que estariam em situação irregular. “Se o Estado investisse R$ 10 mil por produtor, seriam R$ 300 milhões. Isso é pouco para o governo”, calcula. Gadelha acrescentou que a Secretaria da Agricultura está procurando parcerias com associações e cooperativas para viabilizar as adaptações.
O presidente da Fetaemg Vilson Luiz da Silva, disse que os produtores rurais vivem um “mundo de terror” ao reclamar da fiscalização do IMA. “Parece que na roça viraram bandido. Nós não queremos vir para a cidade. Nós não temos que ficar mendigando, porque é da roça que vem o alimento”.
Para provar que não há risco de consumo do queijo, o vereador Júlio César Morais de Carmo do Paranaíba, no Alto Paranaíba, levou um queijo, comeu e distribuiu pedaços do produto pelos presentes. “Não somos contra a fiscalização. Queremos tratamento equilibrado. Nunca vi agricultor ser fiscalizado pelo uso de agrotóxico, que faz mal à saúde”..
Vigilância Sanitária diz que queijo artesanal representa risco à saúde
Cláudia Parma Machado, representante da Vigilância Sanitária em Minas, afirmou que a instituição tem vários estudos científicos que demonstram que o queijo minas artesanal apresenta “altos riscos de contaminação por ser feito com leite cru”. Ela sugeriu que seja elaborada uma “lista positiva” com os nomes do produtores que estão se adequando às normas para conhecimento do Ministério Público e da Vigilância Sanitária. O objetivo da Vigilância Sanitária, segundo Cláudia, é de garantir a saúde pública e o direito do consumidor.
Cláudia afirma que é inegável o valor econômico e o patrimônio cultural que o queijo minas artesanal representa, mas também considera inegável o risco para a saúde resultado da produção do queijo em condições inadequadas. “Risco existe. Muitos surtos de intoxicação alimentar ocorrem no Estado com custo alto de internações. Nossa função é garantir a saúde da população”, afirmou. Segundo ela, a Vigilância Sanitária vai continuar apreendendo produto sem rótulo e sem condições de consumo.
O gerente de Educação Sanitária e Apoio à Agroindústria de Pequeno Porte do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), Pedro Hartung, afirmou que as apreensões de queijo existem e vão existir sempre dos que estiverem descumprindo a legislação. “Nós temos que ter responsabilidade com o consumidor se encontramos um produto irregular, impróprio para o consumo. Agora nós vamos proteger o pequeno produtor e deixar o consumidor a mercê de produto possivelmente contaminado? Isso não tem condição”, afirmou.
Segundo ele, a legislação federal que trata da inspeção sanitária é “extremamente rígida” e não diferencia entre grandes e pequenos produtores o que, na sua avaliação, é um grande erro do Brasil. Ele admite que pequenos produtores não têm condições de se adequar ao regulamento da inspeção. Existem duas legislações que tratam do queijo minas artesanal – de 1992, nº 14.185, e de 2011, nº 19.492, que trata de toda produção de origem animal e vegetal da pequena indústria. A primeira se refere apenas a regiões tombadas pelo Iepha como patrimônio histórico e cultural do povo mineiro beneficiando 63 municípios mineiros e deixando de fora pelo menos 600 municípios que eram obrigados a cumprir a legislação federal. Com a nova lei todo o Estado de Minas pode fabricar o queijo artesanal desde que cuide das questões de higiene saúde.
Pedro Hartung adiantou que foi formado um grupo de trabalho com integrantes das secretarias de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Saúde, Casa Civil e Agricultura, Pecuária e Abastecimento para regulamentar a Lei 19.492, de 2011. A previsão é de que a regulamentação fique pronta em 90 dias. Ele afirmou que os produtores devem ser certificados junto ao IMA e os produtos devem ter rótulo com a identificação do fabricante, a data de fabricação e o prazo de validade do queijo, dentre outras exigências legais.
O diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Luiz Carlos de Oliveira, disse que os municípios precisam se comprometer mais com a fiscalização. Ele atribui a resistência a uma questão cultural e defendeu a importância da educação sanitária.
Mantido impasse entre produtores e poder público
Para tentar buscar soluções para as divergências entre produtores de queijo artesanal e o poder público, o presidente da Comissão de Saúde, Carlos Mosconi (PSDB), defendeu a realização de novas reuniões. Ele sugeriu que as Comissões de Saúde e Política Agropecuária e Agroindustrial promovam novos debates para encontrar respostas para os problemas. “O ato fiscalizador não pode ser maior que o espírito da lei, que é valorizar o queijo minas artesanal como patrimônio de Minas”, acrescentou o deputado Adelmo Carneiro Leão.
O parlamentar, que é médico, disse que os elementos que oferecem riscos à saúde, como bactérias e excesso de sal, também estão em outros produtos. Ele também criticou a burocracia por dificultar o acesso ao crédito.
Adelmo Carneiro Leão disse ter a convicção plena de que Minas tem o dever de defender e criar as condições para a comercialização do queijo minas artesanal. Para ele, a legislação está mais inibindo do que ajudando os produtores rurais que, segundo ele, vêm sendo tratados como “clandestinos”. “Isto é inaceitável. Temos de discutir a necessidade de modificação da lei”, afirmou.
Deputados pedem respostas dos órgãos públicos
Os deputados aprovaram sete requerimentos para que sejam encaminhados ofícios com pedidos de providências. Ao procurador-geral de Justiça para que recomende aos promotores do Estado a adoção de procedimentos para evitar a fiscalização punitiva sobre o queijo minas artesanal, como feito pelo representante do Ministério Público de Uberaba. Para o secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Elmiro Nascimento, para que seja incluída a participação de um representante das Comissões de Saúde e de Política Agropecuária e Agroindustrial da Assembléia no grupo de trabalho que vai discutir a regulamentação da Lei 19.476, de 2011.
Ao presidente da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), para que o Instituto Cândido Tostes inclua treinamentos para a fabricação do queijo minas artesanal. Foi aprovado também envio e requerimento ao presidente da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas (Emater) e ao presidente do Senar, para que realizem treinamentos gratuitos, em todo o Estado, para a fabricação do queijo.
Também será encaminhado requerimento ao Antônio Augusto Anastásia e ao secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Elmiro Nascimento, sugerindo estudar a possibilidade de criação de um fundo com o objetivo de facilitar o acesso ao crédito para a modernização da agroindústria de pequeno porte; e aos órgãos de vigilância sanitária (Anvisa, IMA, Secretaria de Estado da Saúde e Procon Estadual), para que as atividades de fiscalização adotem medidas sócio-educativas em substituição à aplicação de penalidades punitivas, especialmente, no que se refere ao queijo minas artesanal.
Os deputados também reivindicam ao secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ao presidente da Emater e o diretor-geral do IMA, a revisão da Lei 19.492, principalmente quanto aos padrões microbiológicos, maturação e/ou umidade, transporte, embalagem e rotulagem e comercialização; a obrigatoriedade de recebimento de “selo”, pelo Centro de Distribuição, que garanta a origem e qualidade e na falta do centro, todo rótulo deveria ter a numeração a ser fornecida pelo Escritório Seccional do IMA.
Eles pedem também linha específica de crédito para adequações, exames, construção, compra de animais, insumos, e para cadastro de produtores; a desoneração de produtores e comerciantes de impostos; inclusão do produto na cesta básica ou merenda escolar; implantação de mecanismos de comércio justo entre produtores e comerciantes, garantindo um preço compatível para o consumidor final; o envolvimento do Estado e dos municípios em políticas públicas que incentivem o cadastramento de mais produtores; e a divulgação e esclarecimento de toda cadeia produtiva do queijo, principalmente consumidores, sobre o Programa Queijo Minas Artesanal, e segurança alimentar.
4 Comentários
Muito boa a cobertura do queijo minas artesanal.
sou a quarta geração de mulheres que faz queijo artesanal aqui em Ouricuri-Pernambuco,e só agora que esse tipo de atividade tornou-se clandestino?
Olá Márcia,
Obrigada pelo seu relevante exemplo!
Embora várias famílias como a sua produzam e comercializem os queijos de leite cru, eles sofrem sérias restrições legais para sua distribuição e consumo, dificultando o empreendedorismo rural. A SerTãoBras luta pela legalização do queijo de leite cru, acreditando na melhoria das condições de vida dos pequenos produtores rurais brasileiros. Em nosso site você poderá estar informada sobre o assunto e como produtora pode também nos ajudar na divulgação desta questão que precisa ganhar destaque nacional!
Equipe SerTãoBras
Eu sou produzido a mais de 300 anos no Brasil. Do grotões à queijaria moderna, do lombo de mula ao caminhões frigoríficos, da bruaca aos stands refrigerados, escrevi pelas mãos de homens e mulheres valentes uma história de riqueza, tradição e cultura. No entanto, só me resta ser considerado o bandido da corte. Em uma país onde as pesquisas e escolas são fundadas na formação de técnicos que só podem enxergar um jeito de pensar a segurança alimentar baseada na esterilização, para depois “contaminar com bons micro-organismos”, o futuro só nos reserva a mediocridade e pobreza na diversidade. E pensar que os irracionais defensores da saúde pública são os principais promotores do empobrecimento cultural de seus próprios países. Só mesmo em terceiro mundo…um indivíduo medíocre assim pode ser autoridade.