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Queijos brasileiros, injustamente desconhecidos e pouco apreciados

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Por Vasco Costa

O Brasil produz excelentes queijos, em variedades pouco ou nada divulgadas e, por isso, pouco consumidas, o que é uma tremenda injustiça.

Parte disso se deve a um certo descaso dos produtores na divulgação do que fazem, parte resulta da concepção arraigada entre nós de que bom mesmo é o queijo europeu e,
em especial, o francês. 

Às vezes, para expandir nossos horizontes, é preciso olhar para perto. O Brasil é pleno de queijos de grande expressão regional e qualidade, mas o consumidor parece sitiado pelo universo de marcas importadas e queijos industrializados.

Fernando Oliveira é o proprietário de A Queijaria, uma deliciosa loja em São Paulo que oferece dezenas de queijos brasileiros de produtores espalhados pelo país. Ele é entusiasta de produtos brasileiros e viaja o Brasil pesquisando queijos.

Conversando com ele, descobrimos que que há muitos produtos regionais de ótima qualidade que permanecem, às vezes por décadas, escondidos sob denominações europeias, a fim de terem melhor aceitação de mercado — e o mercado ainda está condicionado ao parmesão, grana padano, gorgonzola, gouda, brie, etc.

Consumidores brasileiros compram muito em grandes supermercados, territórios dominados por importados e marcas industriais, nos quais essas iguarias regionais jamais são encontradas. Portanto, o brasileiro acaba não tomando conhecimento da variedade e riqueza dos queijos genuinamente nacionais. E não sabe o que está perdendo.

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Queijos artesanais brasileiros, à venda na loja A Queijaria em São Paulo. Foto: Débora Pereira/SerTãoBras

 

(Foto: Leonel Soares/UOL).

Fernando cita, dentre tantos exemplos, um espetacular queijo salgado com toque agridoce, produzido desde 1938 na Serra da Conquista, região de Caxambu (MG). Para ser aceito no mercado, foi batizado de de parmesão [é de doer!], mas é um queijo distinto e muito próprio. “É preciso acabar com essa sensação de inferioridade e defender nomes e valores de nossa regionalidade, para fortalecer produtores locais”, diz Fernando. “Temos queijos exclusivos de altíssima qualidade, e o consumidor brasileiro precisa conhecer para valorizar”, completa Fernando.

Uma despretensiosa degustação em A Queijaria mostra um surpreendente painel da produção nacional. Queijos provenientes de microrregiões em diferentes estados; mais do que queijos diferentes uns dos outros, trazem consigo um forte regionalismo, elemento valioso da cultura alimentar em suas origens.

Na bucólica cidade de Cunha, no interior de São Paulo, o Café Capril produz um frescal de cabra de sabor e textura surpreendentes, além de outros excelentes queijos de estilos europeus, como Boursin e Moleson. Ainda em Cunha, o Sítio do Cume cria búfalas e produz um exclusivo provolone defumado. Licença dada ao fato de o provolone ser de estilo italiano, o leite de búfala e a defumação o diferenciam e distanciam de seu congênere europeu.

Queijo Serro Foto: Google

Eduardo Melo produz, na cidade mineira de Serro, uma iguaria rara e surpreendente, o queijo Serro, de casca fosca amarela avermelhada, massa cremosa, ácido, picante e discretamente salgado, que permanece em cura por seis meses.

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Queijo Catauá, ou Queijo da Mantiqueira. Foto: Google

 

De Campos das Vertentes, interior de Minas Gerais, vem o delicioso Catauá, muito conhecido como Queijo da Mantiqueira.

De Araxá vem o Araxá, um queijo elaborado com leite de gado alimentado somente com cana de açúcar. Em São Roque de Minas, Zé Mário produz o cobiçado Queijo Serra da Canastra, com três meses de cura, de casca lisa amarelada, massa seca, compacta e levemente picante. E somente na Serra da Canastra há mais de mil produtores.

Da Serra do Salitre (MG) vem o queijo de mesmo nome, deliciosamente picante e salgado. De Campo Redondo, região mineira de Itamonte, vem o saboroso Campo Redondo, um queijo de textura pastosa, discretamente adocicado quando jovem, mas uma vez maturado torna-se mais salgado com fundo doce.

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Campo Redondo é um queijo feito na região de Itamonte (MG). Foto: Leonel Soares/UOL

O Campo Redondo é curado na salmoura e por isso é ideal para ser consumido mais maduro, como um parmesão. Tanto que Inicialmente era conhecido como parmesão da Mantiqueira.

O Serrano, por sua vez, é um queijo produzido exclusivamente por pecuaristas familiares dos Campos de Cima da Serra (RS) e na Serra Catarinense, com tradição histórica que remonta ao século 18, auge da atividade tropeira. Dos Campos de Cima da Serra partiam tropas de mulas carregadas de Serrano, à época o principal produto de abastecimento alimentar das famílias rurais.

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Queijo Serrano, produzido exclusivamente por pecuaristas familiares no Rio Grande do Sul e na Serra Catarinense. Foto: Leonel Soares/UOL

Minas Gerais sempre foi um estado bem aquinhoado quando o assunto são os queijos de leite cru, produzidos em toda parte, mas o Nordeste do país, notadamente Pernambuco, vem mostrando que também tem tradição e qualidade. Em Pombos (PE), Dona Vitória Barros produz o Flor de Mandacaru, uma iguaria que após dois meses de cura tem a casca aveludada, massa mole,mofo branco e sabor suave.

Outros bons exemplos de queijos pernambucanos são o Suape, o Petrolina e o Tubira, este último também conhecido como parmesão pernambucano por conta do semelhante processo de produção. Mas, justiça seja feita: o Tubira é um delicioso queijo regional de características muito próprias, granulado, de consistência firme, seco e de salinidade acentuada.

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O Chacrinha é a alternativa pernambucana ao raclete suíço. Foto: Leonel Soares/UOL

Ainda há obstáculos na legislação brasileira que dificultam a vida de nossos queijos. Há uma lei sanitária no Brasil, datada de 1952 e ainda em vigor, que proíbe a venda interestadual de queijos de leite cru ou não pasteurizados, com prazo de cura inferior a 60 dias. Portanto, queijos de leite cru produzidos, por exemplo, em Santa Catarina, só podem ser consumidos frescos nesse mesmo estado ou então curados por 60 dias para seguirem para outros estados do país.

Queijos de leite cru têm potencial para resultar em sabores mais complexos, que se tornam mais estruturados através dos vários processos de cura. Nesse aspecto, a lei representa um enorme obstáculo à expansão dos produtos e do conhecimento sobre os mesmos.

Como tantas coisas no Brasil, chegamos a situações paradoxais: a legislação permite a comercialização de produtos estrangeiros em situações análogas às que proíbe seus congêneres nacionais, e em 1998 o IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional, declarou o processo de produção de queijo mineiro artesanal como Patrimônio Histórico Imaterial Brasileiro. Mas sua comercialização segue sob severas restrições.

[Neste parágrafo constatam-se algumas aberrações e incongruências típicas da Patriamada: – i) permitir que, para as mesmas condições de fabricação, o queijo estrangeiro circule mais livremente no país do que o queijo nacional é mais uma demonstração inequívoca do perigo que é somar burrice com complexo de inferioridade; – ii) seria interessante saber por que razão os queijos artesanais do Sul e do Nordeste não receberam ainda do IPHAN o mesmo tratamento dos seus equivalentes mineiros.

Os queijos brasileiros são uma instigante fronteira para novas possibilidades de combinação com vinhos. Já sabemos quais vinhos vão bem com parmesões, gorgonzolas e goudas. Que tal o saboroso desafio de encontrar boas combinações para catauás, tubiras, salitres e serranos?

Estranhei e lamentei a omissão no artigo do Johnny Mazzilli dos queijos Catupiry e do Reino. Aí, verifiquei que o Catupiry na realidade é requeijão, e não queijo. Mas, no caso do queijo (do) reino a omissão é realmente lamentável, e não se justifica. O Queijo (do) Reino é com certeza o primeiro produto lácteo brasileiro que se confunde com os primórdios da industrialização profissional de laticínios do país.

O Queijo do Reino surge originário do holandês Edam introduzido pelo mestre queijeiro Alberto Boecke, um holandês que vislumbrou a região da Mantiqueira como uma região propícia para a produção de queijos. Boecke associou-se a Sá Fortes, resultando daí em 1888 a primeira fábrica de laticínios no Brasil, a Companhia de Laticínios Mantiqueira, com equipamentos importados da Holanda e introduzidos pelos mestres queijeiros Gaspar Jong, João Kingma e J. Etienne, que estabeleceram raízes definitivas no Brasil. A expressão “do Reino” era corriqueira e atribuída aos produtos oriundos de Portugal, via de importação de grande parte do que se consumia no país. O tradicional processo de embalagens em latas de folhas de flandres atribui-se ao fato de que os queijos viriam para o Brasil em porões de navios e, portanto, a embalagem na lata os protegeria durante o longo percursop de travessia do Atlântico.

Quadro-resumo dos principais queijos artesanais brasileiros
(denominação, origem, leite utilizado, aspecto e características de sabor):

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Fonte: Uol

Explicação do autor:
Para esta postagem, utilizei essencialmente o artigo escrito por Johnny Mazzilli (“Queijos brasileiros”), publicado no n° 4, págs. 34 a 39, da revista “Wine Not?”, publicada e distribuída (gratuitamente) pela importadora Winebrands — o artigo está acessível no site da importadora (www.winebrands.com.br). O que estiver entre colchetes e em itálico é de minha responsabilidade. Todas as fotos resultam de pesquisa pessoal minha e, em sua maioria (incluindo as legendas), são do link
Queijaria: conheça alguns dos queijos artesanais 100 … – Fotos – Uol.
  Clique em cada imagem para ampliá-la.]

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