Matéria publicada no dia 13 de janeiro de 2012 no blog Come-se
No dia da mudança da casa do Zé Pão para a do Zé Mário, o Fernando, que trabalha na Cooperativa de Crédito com o Joãozinho, foi nos buscar de carrão. Estávamos com as malas prontas quando o quatro por quatro estacionou. Bem que Fernando nos apressou, com toda a calma do mundo – o tempo estava armando pra chuva. Mas no último instante nos lembramos que não havíamos comprado queijos. Fomos à casinha buscar, embalar, pagar. E trocar promessas de reencontro e notícias, abraços, beijos, lágrimas de despedidas, de modo que a chuva nos pegou no caminho.
Assim que o carro embicou no ladeirão que leva à Fazenda do Zé Mário, as rodas começaram a escorregar sem controle. Olhei pro Fernando e ele estava assustado, tentando domar o carro. Mara deu muita risada, depois, quando se lembrava da minha cara de pavor ao perguntar: você está deslizando, Fernando? Estou!
Com a maior prudência do mundo, ele não teimou em continuar e conseguiu parar o carro atravessado na estrada antes que ele se esborrachasse na próxima curva, lá embaixo, segundo minhas próprias e delirantes previsões. Saímos do carro rapidamente, colocamos tocos e pedras embaixo da roda e ficamos no tempo. Felizmente meu celular deu sinal para podermos ligar pedindo ajuda.
Por outra estrada chegaram, em outro carro do mesmo tipo, Joãozinho e outro funcionário da Cooperativa com prática neste tipo de situação (Fernando recebeu muitos elogios nossos ao admitir que não tinha experiência nem com o carro tracionado nem com aquele tipo de terreno de sabão). Entrem aí, vamos embora! Não, não, não, obrigada, respondemos. Ficamos paradas na chuva até que o carro chegasse de escorregador até embaixo. Eu teria tido um enfarto se tivesse dentro dele. Preferia ir de bunda no barro, mas não entrava no carro naquela descida. No final, deu tudo certo ou não estaria aqui pra contar a estória. A única sequela foram as botas enlameadas – isto não é um jeito muito elegante de se chegar de visita na casa dos outros.
Na claridade que nos restava do dia, depois que o tempo esteou um pouco, aproveitamos para conhecer a fazenda, as plantações de café, milho, arroz, feijão, a horta, o gado, a queijaria, a cozinha, o fogão de lenha, a despensa, o galinheiro, o trator, a máquina de triturar, de beneficiar arroz, o fusca azul tinindo, o forro de tela e o forno de barro.Enquanto Valdete queria nos mostrar comidas na cozinha, Zé Mário estava louco para nos apresentar a fazenda de vinte hectares. Um modelo de organização, que só vendo.
Diferente do Zé Pão e Romilda, cujos filhos crescidos cuidam de suas próprias queijarias, o casal conta com ajuda das crias – dois jovens, Carlos e Euder, homens feitos e responsáveis – na queijaria que é toda estruturada nos conformes da legislação sanitária, incluindo o cuidado com as vacas que são ordenhadas mecanicamente, a estrutura do curral, a higiene dos utensílios etc. Esta ajuda dá a eles a possibilidade de deixar de vez em quando o trabalho aos cuidados dos meninos para dar atenção às visitas. E no pouco tempo que estivemos lá nos sentimos paparicadas pelos dois.
No sábado já era dia de ir embora, por isto nossa sexta-feira foi espichada ao máximo. Ficamos conversando depois do jantar até tarde. Já estávamos indo dormir, lá pelas onze, com a promessa de nos levantar as cinco no sábado, para aproveitar cada minuto com eles, quando a Dete me aconselhou a colocar a toalha úmida no varal lá fora para que secasse bem até o outro dia.
Se eu não fosse tão escandalosa, toda a produção de queijo fresco e os já maturados que estavam na queijaria não teria se salvado. Meio no escuro, de chinelo, só senti umas picadas do pé e comecei a gritar chacoalhando as pernas, passando a mão, sei lá, sem conseguir falar. Dete, Zé Mário e Mara correram pra ver o que era e quando acenderam a luz viram o chão preto de formiga-correição. Foi um pega pra capar atrás das danadas. E se atacam os queijos, Zé?, perguntou Dete.
Zé Mário não perdeu tempo. Pegou a lanterna e iluminou a parede de fora da casinha. Preta, pretinha de formiga fazendo o trilha do queijo. Dete correu pra lá e elas já estavam por todo canto. Quase meia noite e Dete, paramentada, como sempre está quando entra naquele ambiente, lá espantando formigas, lavando o chão, limpando os queijos.
Zé Mário acendeu um pedaço de algodão para que a fumaça ajudasse a espantar as invasoras. Mara e eu demos assistência do lado de fora, pisoteando multidões. Quando atacam sem que ninguém veja, estas formigas põem toda a produção a perder, pois cavocam o queijo como garimpeiros, deixando crateras.
A produção diária não é grande, cerca de 8 queijos normais, com cerca de 1 quilo, e 8 pequenos, tipo merendeiro, com mais ou menos 600 gramas, mas ali havia produção de vários dias que ficam nas prateleiras maturando. O prejuízo teria sido grande porque, felizmente, aquele queijo tem bom preço de mercado – nada de atravessadores.
Apesar de tudo, nosso plano para o dia seguinte se manteve e nos levantamos em pleno sábado às cinco para acompanhar a ordenha e o feitio do queijo. O interessante é que neste tipo de atividade não há sábado nem domingo. Vaca não sabe o que é isto, não. E lá pelas seis, os meninos, que foram pra festa na sexta e dormiram na casa que a família tem na cidade, chegaram para a lida, de cara boa, íntegros, sem olheiras, com sorrisão na cara.
Eles fazem atividade pesada pela manhã, mas à tarde estão livres, sossegados. O casal vai passear na casa dos amigos, jogar cartas, beber uma pinguinha, prosear, comer e comer, naquele eterno merendar. Zé Mário se sente muito feliz ao olhar sua fazenda verdinha lá de cima da colina e fica muito bravo se alguém sente dó dele achando que aquilo é trabalhoso demais. Quer vida melhor?, pergunta. Não tem trânsito, não tem bandido, não tem estresse? De fato, não tem porque querer outra vida.
O feijão que come é o que cultiva quase na porta da cozinha e depois conserva na argila – passa o feijão na argila diluída, que argila ali também tem, deixa secar e conserva por mais de ano sem carruncho. O arroz, planta, colhe, limpa numa máquina pequena de beneficiamento. As latas são cheias de banha do porco que criam. Usam pra cozinhar e pra conservar as carnes dos próprios animais. E ainda sobra pro sabão.
O café também vem da roça – tem só uns 200 pés, para o gasto. Galinhas, ovos, alho, cebola, verduras da horta, mandioca, milho, de tudo tem para o gasto. Para o bolo tem o fubá de milho, que fazem ali. Para os pãezinhos tem o polvilho que Dete mesmo faz com a mandioca farta. Havia pelos menos uns cinquenta quilos deste polvilho artesanal naquele pote grande que ela me mostrou na despensa. Por isto não fazem nada com farinha de trigo. Disseram até que o trigo não lhes cai bem.
Dete perguntou se no jantar de sexta queríamos um suco, que ela poderia fazer, que tinha um pozinho que o genro gostava – achando que gente da cidade gostava deste tipo de suco. Foi motivo para eu fazer suco de limão rosa com capim santo que adoraram e disseram que vão convencer o genro a beber sucos naturais que podem fazer com o que tem plantado na fazenda. Fora isto, o sal e o açúcar, não compram quase nada, nem sabão. Tudo limpo, sadio, sem agrotóxicos.
Zé Mário, além fazer o queijo que ganhou o primeiro lugar no último concurso estadual de queijo artesanal mineiro, é inteligente e criativo. Em toda a fazenda há pequenas obras de engenharia inventadas por ele. Até para abrir e fechar o galinheiro, que é afastado de casa, ele criou um jeito que faz as vezes de um verdadeiro portão automático. Sem precisar sair no barro nem no escuro, depois que as galinhas entram, basta soltar a corrente do prego, que o portão se fecha.
Para abrir, engancha-se a corrente e o portão permanece durante todo o dia aberto. Tudo isto com um elástico forte, um pedaço de arame e outro de corrente e um prego. Este é só um exemplo. E ele entende também das coisas da natureza. Quando me explicou o jeito certo de plantar as manivas da mandioca que me presenteou, falou da lua, do respeito que tem por suas fases no que se refere a tudo que planta e colhe: “Planta dois dias antes ou dois dias depois da lua cheia. A lua domina a gente, Neide. Faz parte do corpo”. Frases assim ele solta o tempo todo.
Dete também respeita a lua e me deu uma receita de sabão de limão, ressaltando que devo fazer na lua minguante, senão restam grumos, desanda. Zé me ensinou ainda a fazer sabão de coada, também na minguante. Dete também quer mostrar como se faz lobozó (um viradinho com jiló, abobrinha, queijo, ovos e farinha, delicioso), me dá receita de ameixa de queijo, do bolo de fubá e assim passamos deliciosas horas, sem querer ir embora. Ô tristeza danada na hora de dar tchau.
Zé Mário e Dete aparecem no filme “O Mineiro e o Queijo”. Querendo visitar a fazenda deles e comprar queijos, é fácil achar, é só perguntar na cidade de São Roque de Minas, que todos conhecem. Para saber mais sobre esta viagem, veja posts anteriores, como o de ontem.
Veja mais fotos no album:
5 Comentários
Que bela reportagem, saber que pessoas tão simples e tão inteligentes, no nosso Brasil a fora. Vou conhecer vcs em breve, sou sua chara. D. Valdete, abraços
Que artigo bom de se vê, Waldete Figueiredo vc tem toda razão em seu comentário. Que delicia! q graça de gente!. Que DEUS continue abençoando todos vocês.
Marlene.
Onde encontro o queijo do Zé Mário na regiao sul fluminense do RJ?
ou seja Volta Redonda ou proximidades?
onde encontro o queijo do ze mario no rio de janeiro?
compro no atacado como faço para comprar com eles com um melhor preço