Por Débora Pereira
Já com mais de 150 inscritos, a Oficina sobre Queijos Artesanais da Rede Sial Brasil dia 10 de agosto em Joinville, no contexto do V Workshop Catarinense de Indicações Geográficas, prova que queijo não é só coisa de mineiro.
A rede Sial reúne colaboradores interessados em discutir a relação da agricultura brasileira e o território sob uma perspectiva de desenvolvimento rural sustentável – e especialmente o queijo tem sido tema de interesse para pesquisadores do Brasil e da França. O motivo do evento é discutir todas as controvérsias da regularização da produção artesanal de leite e derivados no país.
No Brasil, os queijos artesanais contribuem para a geração de renda e ocupação de milhares de famílias rurais. No contexto de um mercado diferenciado, os queijos artesanais sinalizam um potencial importante de crescimento. Contudo, esses produtos são alvo de grandes conflitos e gargalos institucionais e regulatórios vinculados à uma visão de qualidade baseada apenas em padrões sanitários, o que tem obstaculizado a sua produção e comercialização nos mercados interno e externo, desestimulando produtores das diversas regiões do país e frustrando consumidores que gostariam de consumi-los. Rede Sial
Para Jean-Charles Arnaud, presidente do INAO – Instituto Nacional de Denominação de Origem da França, a relação do homem com seu território é a chave para salvaguardar os conhecimento tradicionais – como o queijo. Se essa discussão já acontece na França há quase um século, é agora que isso começa a ganhar importância no Brasil.
Como convencer os produtores rurais a seguirem as regras de higiene impostas pela vigilância sanitária? de SerTãoBras no Vimeo.
É ou não é queijo artesanal, uai?
Um dos debates mais quentes em todos os grupos de whatsapps dos especialista em queijos brasileiros é em torno do conceito de queijo artesanal. Alguns alegam que para poder ser chamado “artesanal” o queijo deve ser de leite cru, sem tratamento térmico no leite. Outros defendem só pode ser com o leite da vaca criada na fazenda onde se faz o queijo. Alguns mais radicais dizem que o leite deve ser tirado à mão, sem ordenha mecânica. Para a rede Sial “os queijos artesanais são produtos que se enquadram numa concepção de qualidade do sistema agroalimentar caracterizada pela produção de bens tradicionais, com vínculos culturais e ambientais, contrapondo-se à padronização industrial.”
Se por um lado no Brasil a valorização e reconhecimento do queijo artesanal estejam aumentando cada vez mais nos últimos vinte anos, por outro ainda existe uma sobreposição de burocracias de esferas federais, estaduais e municipais que dificultam a formalização da produção. A imensa maioria é clandestina.
Confira abaixo a entrevista com Ligia Inhan, do comitê de comunicação e eventos da rede Sial Brasil, sobre a oficina.
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Qual foi a motivação para realizar um evento sobre queijo artesanal no Brasil?
A nossa rede surgiu do interesse em auxiliar a produção familiar, através da discussão, pesquisa e formulação de políticas e estratégias baseadas na agroecologia e outros princípios convergentes. Mas nós estávamos somente alimentando nosso blog do SIAL, quando surgiu a denúncia das 13 ton de queijo jogadas no lixão, pela Sertão Bras. Ficamos todos muito sensibilizados e resolvemos inaugurar a primeira discussão efetiva direcionada a essa temática. Mas não restringimos à denúncia e sim estamos buscando chamar a atenção daqueles que estão no centro da discussão para um diálogo, um esclarecimento, para mudarem as posturas que estão sendo adotadas, etc. Não somos os primeiros nessa estrada e é por isso que desejamos nos unir aos demais atores e instituições para qualificar o debate e buscar soluções.
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Quais os resultados e encaminhamentos futuros esperados?
Nós esperamos produzir um documento, mais do que uma carta de intenções, para ser encaminhado às entidades representativas da legislação sanitária, das instâncias políticas, das universidades, enfim, a intenção é provocar uma sensibilização para resolução desse conflito que já se estende por muitos anos e têm prejudicado muito a agricultura familiar queijeira.
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A Rede Sial possui outras iniciativas para aprofundar a questão “queijo e território” em outros países?
Sim. De fato, nós saímos da proposta da Rede Sial francesa que vêm trabalhando muitas questões relacionadas a essa temática. A Argentina foi a primeira rede sial americana e eles já tem um trabalho representativo naquele país. Hoje temos, além da Argentina, o México, o Brasil e a Venezuela. Como nós somos uma rede informal de pessoas de diversas instituições, a nossa atuação também é localizada e informal. Este é nosso primeiro grande evento e esperamos avançar nas diversas questões que permeiam a agricultura familiar. Você pode ver mais informações em Rede Sial.
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Qual a definição de queijo artesanal para a rede Sial ?
Não temos ainda uma definição para o queijo artesanal. Recentemente, o Gilberto (Gilberto Mascarenhas, coordenador da Rede) jogou na rede, por meio da lista de emails, o que seria o conceito de artesanal e diversos conceitos foram colocados, mas não fechamos o conceito e acredito que tão cedo fecharemos. No entanto, talvez um ponto de partida para começar a entender a produção artesanal, e aí não se restringe ao queijo, mas a qualquer processo, uma produção que se baseie nesses três pilares: saber fazer, características (especificidade) e reconhecimento social. A produção do queijo artesanal entra nessas três características. Além disso, há a matéria prima, que de fato contribui para a especificidade do produto, que é o leite cru. Embora haja outros processos que não chegam a ter o leite pasteurizado como um método produtivo artesanal, o leite cru, dada suas características específicas de manuseio e cuidado, delimita intrinsecamente, a produção artesanal da produção industrial.
1 Comentários
Boa tarde, fiquei sabendo só agora sobre esta oficina do queijo em Joinville, só não achei o ano, é agora em 2018 ? E se for em 2018 tem vaga ainda ?