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NOS TRILHOS DO “TREMRUÁ”: o Queijo Minas Artesanal como patrimônio vivencial na região do Serro-MG

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O veterinário Jaime Francelino Prado Junior defendeu a dissertação de Mestrado “NOS TRILHOS DO “TREMRUÁ”: o Queijo Minas Artesanal como patrimônio vivencial na região do Serro-MG“, do Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas. Confira abaixo a entrevista com o autor, que discorre sobre os efeitos da IG sobre o queijo do Serro

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Qual a sua formação, o seu percurso profissional e quando você começou a se interessar por queijo artesanal em sua vida?


Sou veterinário e nossa formação é voltada para o agronegócio, para servir a indústria de alimentos e aos grandes produtores rurais. No entanto, buscando uma visão mais humanista da medicina veterinária, logo me interessei por autores voltados ao estudo do Desenvolvimento Rural Sustentável e percebi que faltava em minha formação um olhar mais atento para a agricultura familiar, que é o setor que realmente produz e coloca alimento na mesa do brasileiro. Dessa forma, passei a me interessar pelo estudo do Queijo Minas Artesanal, por conta dos recorrentes conflitos entre produtores e a fiscalização realizada por médicos veterinários do MAPA e do IMA, buscando entender as motivações dessa visão criminalista por parte dos fiscais e refletir em como essa relação poderia ser menos policialesca, menos punitivista e mais pedagógica, tendo em vista o respeito às maneiras tradicionais e artesanais de se produzir alimento.

Por que você decidiu pesquisar os queijos do Serro ?


Existe um enorme capital cultural inexplorado no Serro. Esse capital é constituído por uma complexa paisagem cultural, marcada pela união de elementos singulares encontrados somente naquele local, tais como o bioma típico compreendido pela transição entre Cerrado e Mata Atlântica; um complexo arquitetônico e urbanístico bastante peculiar, que remonta aos primeiros anos da colonização portuguesa, tendo sido o primeiro complexo desse tipo a adquirir o status de patrimônio no Brasil, ainda em 1938; além de referências culturais fortemente ligadas à uma ruralidade ainda preservada, tendo a produção de queijo como principal elemento dessa ruralidade, constituindo também a principal atividade econômica da região. Apesar de toda essa riqueza de elementos destoantes de outras regiões também tradicionais na produção de queijo em Minas, e também da reconhecida qualidade dos queijos com seu “terroir” típico, verifiquei que na ocasião o queijo produzido no Serro era pouco difundido e pouco conhecido fora de Minas Gerais. Por isso, enxerguei ali uma oportunidade de conhecer a realidade de uma região peculiar, além de divulgar uma produção de queijo ainda bastante desconhecida nos grandes centros.

Como foi sua relação com os produtores locais durante a pesquisa?

Minha relação com os diversos produtores com quem me deparei na região do Serro foi primeiramente de estranhamento deles para comigo, o que era de se esperar. Após vencer as primeiras barreiras e conquistar a confiança, a relação foi a melhor possível. Alguns produtores me ofereceram hospedagem solidária por alguns dias, onde pude acompanhar a rotina de trabalho, a luta para sobreviver e continuar na atividade, as dificuldades diárias, e pude também me deparar com as diversas contradições que foram exploradas na pesquisa. Inclusive, gostaria de aproveitar o espaço para agradecer ao produtor Junior Barbosa que me ofereceu apoio e suporte durante vários dias em que estive no Serro. 

Você acha que o queijo do Serro está em extinção ou expansão?

Com relação ao futuro, pelo que pude observar nos últimos acontecimentos, o Queijo Minas Artesanal já não corre nenhum risco de extinção, pelo contrário, a sua expansão já é um caminho irreversível, que com certeza irá atravessar ainda muitas fronteiras.

Só precisamos estar atentos para que esse reconhecimento seja democratizado e usufruído pelas diversas e diferentes categorias de produtores em Minas, e não seja apenas privilégio dos produtores mais capitalizados.

Qual a sua descoberta mais importante durante a pesquisa? E sua maior frustração ou preocupação?

Minha maior descoberta foi que quando nos deparamos com os discursos recorrentes a respeito dos produtores de queijo por parte tanto da mídia quanto dos órgãos oficiais, como o IPHAN, nos deparamos com uma visão simplista e romantizada desses produtores, como se eles formassem uma categoria homogênea entre si. Ao conviver e estudar esses produtores no Serro, me deparei com uma classe  bastante heterogênea, cheia de conflitos diversos e contradições. Em minha pesquisa me deparei com no mínimo duas categorias de produtores, tendo de um lado os produtores mais jovens, de características empreendedoras, com uma relativa facilidade para divulgar seu produto e escoá-lo para os grandes centros, e que têm consciência da importância histórica, social e cultural de sua atividade. De outro lado, e pelo que percebo também em maior número, temos produtores com poucos recursos, pouco acesso a informação, e que não têm a consciência de que seu meio de vida é também considerado patrimônio cultural nacional. Esse segundo grupo encontra na cooperativa local o único meio de escoar seu produto, sem portanto obter rendimentos justos e que os auxiliem na melhoria de suas condições de vida. Foi essa dissonância que procurei explorar em minha pesquisa, e ao meu ver acredito que o registro do IPHAN, de certa forma, falhou ao não considerar os diferentes conflitos presentes dentro da realidade dos produtores de queijo, e que não se limitam apenas a questão da fiscalização sanitária. É preciso colocar luz sobre a difícil realidade de muitos produtores de queijo, e não apenas romantizar a atividade.

Acredito que deveríamos pressionar o poder público de maneira a possibilitar uma parceria pedagógica com IPHAN e também com outras entidades governamentais (EMATER, IMA), de maneira a conscientizar os produtores a respeito do valor cultural de sua atividade, com vias a enxergar potencialidades na produção e agregar valor ao produto. O queijo tem que ser bom para todos que estão nessa cadeia, desde os produtores mais simples aos mais empreendedores. Todos eles são guardiões de uma tradição, e devem igualmente ser reconhecidos como tal.

Fotos do Mestrado de Jaime

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