PRODUTO RASTREADO DE ROÇA TÍPICA
Terroir (lê-se terroar) é uma região delimitada pela associação das características do lugar – geografia, natureza, clima, flora bacteriana, umidade etc – a fatores sociais, resultando em um produto bem específico. É uma palavra francesa originária do grego ‘terium’, ou território, que se popularizou primeiro por distinguir regiões produtoras de vinhos, mas atualmente é utilizada para queijos e outros alimentos.
Produto de terroir é um produto de origem específica, feito de forma concebida por um povo local. É rastreado por mecanismos de proteção, salva-guarda e regras de comercialização.
Terroir por Daniel RicarD
Professor de Geografia na Universidade de Clermont Ferrand, França, 2013
O HOMEM DENTRO DO TERROIR
O homem, no conceito de terroir, é considerado em sua criatividade para fazer alimentos e inventar soluções para melhorar sua vida no local onde está. Por exemplo, os produtores de queijo artesanal de várias regiões de Minas aprenderam com seus antepassados a cortar a massa do queijo com uma espátula grande de madeira, em grãos desiguais, isso é uma característica do componente humano do terroir encontrado nos queijos artesanais de Minas Gerais.
O modo de fazer queijo de brasileiros, franceses e italianos faz com seus produtos sejam diferentes, não somente quimicamente, mas culturalmente, o que reflete no sabor.
REGISTRO DE UM TERROIR
O registro de um terroir se dá pelo reconhecimento da origem controlada. Na França, o INAO – Institut National des Appellations d’Origine é o órgão que inspeciona todas as característica de um terroir. Suas comissões transdisciplinares de pesquisadores fazem um dossiê e decretam que ninguém mais pode utilizar o nome senão naquelas condições.
Alguns documentos foram produzidos na França, pelo Instituto Nacional de Origem e Qualidade – INAO para guiar os produtores que desejam solicitar uma Denominação de origem Controlada/Protegida (Appellation d’origine contrôlée/protegée (AOC/AOP) ou uma Indicação Geográfica Protegida.
O que influencia o terroir de um produto
Água, clima, temperatura, tipo de solo, fatores culturais, tudo conta na definição do terroir. No caso dos queijos de leite não pasteurizado de Minas Gerais, o acréscimo do pingo (soro do queijo feito um dia antes) contém toda a flora bacteriana da região onde é feito. Quando a fermentação do queijo não está muito boa, o que pode ocorrer por causa do calor, os produtores costumam buscar bactérias emprestadas no vizinho.
A água da região também influencia nesse caldo de bactérias. Por exemplo, os produtores de queijo da serra da Canastra têm a sorte de uma água puríssima que brota na da região, mas quem é cadastrado no governo estadual é obrigado a clorar essa água, porque a lei obriga, ou seja, temos uma legislação no Brasil que ainda não incorporou valorizar a riqueza dos territórios.
Tradicionalmente, a alimentação das vacas dos pequenos produtores de queijo de leite cru é feita de capim fresco, o que ajuda a potencializar o gosto deste terroir nos seus queijos. Já a utilização de silagem é mal vista, podendo ser considerada fator de mudança do sabor na massa do queijo, na França, embora muito utilizada em Minas Gerais.
Outro exemplo: os produtores de queijo Beaufort das montanhas francesas próximas ao Monte Branco (Mont Blanc) não costumam desinfetar nem usar produtos químicos para limpar a teta das vacas (pré diping), pois consideram que isso pode afetar na quantidade de bactérias necessária para transformar o leite em queijo. Elas pastam nas regiões mais altas e os micro-organismos dessa região são preciosos.
TERROIR: CONTROVÉRSIAS ATUAIS
Em um mercado atual de múltiplas demandas, os terroirs e seus recursos estão cada vez mais na moda. Desde 1992, quando foi criado um dispositivo regulamentar de proteção das origens geográficas pela União Européia, as pesquisas sobre o tema se multiplicaram, o que dinamizou abordagens entre disciplinas tão variadas como a economia, sociologia, geografia, agronomia, tecnologia e direito. As temáticas mais exploradas são:
- – o papel dessas produções localizadas em territórios qualificados, tanto no desenvolvimento local, turismo, relações econômicas e proteção ambiental;
- – as diferentes formas de convenções que geram;
- – as relações entre qualidade, origem, território e competitividade;
- – os modos de coordenação dos atores, mercados e organização econômica de autônomos, matrizes e filiais.
Por outro lado, muito pouco se estuda sobre o que é o terroir concretamente: sobre os modos de elaboração dos produtos locais, sobre os saberes e práticas que são trabalhados, o lugar que eles ocupam nas sociedades locais e seus usos alimentares. A regulamentação de proteção coloca em destaque questões complexas, que relacionam o conceito de terroir com noções de tradição, localidade, origem, notoriedade e usos. Esses termos, aos quais senso comum atribui determinados conteúdos, não são usualmente objetos de análises mais profundas e análises não estão sempre do lado dos produtores.
Nesse sentido, há ainda muita pesquisa a ser feita para complementar os documentos oficiais de abertura de um dossiê para inscrever um terroir; de fato, se trata de sensibilizar os atores do desenvolvimento rural e da valorização de produtos que constituem a particularidade dessas produções. Essa especificidades se dá pela inter-relação entre a natureza local e sua dimensão cultural: estudos históricos profundos, cultura técnica, usos alimentares e patrimônio são questões potenciais complexas para a valorização que se pretende almejar.

Vacas da raça Tarine, criadas para a produção do queijo Beaufort, em altitude de 2.600m. Ao fundo, o Monte Branco (Mon Blanc, em francês).
Controvérsias em relação à delimitação de um terroir
O queijo Feta é uma AOC reconhecida na Grécia desde 1992, ganhando assim o direito de exclusividade para usar este nome. Mas países como a Dinamarca, França, Itália e Alemanha se recusaram a aceitar e continuam a usar o nome, alegando que é um nome genérico, sendo responsáveis por mais de 80% da produção. É o mesmo caso dos queijos que se denomina ‘parmesão’ no Brasil. Ainda por essa mesma lógica, justifica-se que todos os queijos do mercado central, mesmo vindos de outros municípios que não as sete cidades oficiais da Indicação Geográfica Protegida como ‘Queijo Canastra’, se auto-denominem assim, por terem o mesmo modo de fazer…
Mas a Comissão Européia decidiu que somente os queijos da Grécia de determinados pastos com gosto particular são os legítimos, mas não impede que os outros façam, apenas não podem usar o nome Feta. Nos supermercados europeus, são chamado apenas de queijo de ovelha.
« Voltar a enciclopedia