Eduardo Girão compartilhou em seu blog experiências de sua viagem por Portugal, onde teve a oportunidade de conhecer a região da serra da Estrela, ali são produzidos os mais famosos queijos portugueses. Ele mostra como esse precioso queijo é fabricado nas mãos simples e cuidadosas dos moradores do vilarejo. Girão é jornalista, especializado em gastronomia, e integra a equipe do caderno EM Cultura, do jornal Estado de Minas.
Há momentos na vida…
por Eduardo Girão, do blog do Girão (Jornal Estado de Minas)
Acabo de voltar de inesquecível visita a um produtor do famoso queijo Serra da Estrela, essa maravilha que vocês podem ver na foto acima, num pequeno vilarejo chamado Prados, aqui perto de Celorico da Beira, na Serra da Estrela, em Portugal. Ele é feito exclusivamente com leite cru de ovelha bordaleira…
… raça que tem pouco rendimento nesse aspecto, mas com teor de gordura mais alto, o que influi dramaticamente no resultado final. O leite é coalhado de uma forma muito peculiar: em vez do “pingo”, como acontece com nosso maravilhoso queijo canastra, usa-se a flor do cardo…
… que é uma planta semelhante à alcachofra. As flores são colhidas, secas à sombra, moídas e dissolvidas em água – é esse “chá de cardo” o que é usado na coagulação do leite. Uma vez transformado num queijinho bem fresco e mole, já delicioso a essa altura, tem seu soro todo escorrido (e aproveitado para fazer outro tipo de queijo):
Então, é colocado em fôrmas de plástico e comprimido numa prensa mecânica para que ainda mais líquido seja retirado. Feito isso, o queijo segue para o processo de cura, que leva no mínimo 30 dias, divididos entre duas câmaras com temperatura e umidade controladas. O queijo chega fresco e firme e, com o passar dos dias, a fermentação transforma seu interior numa massa mole, textura que os portugueses chamam de amanteigada. É por isso que ele ganha essa cinta de pano:
À medida que a cura avança, a casca se torna ligeiramente amarelada e enrijece, mas não muito. Quaisquer impurezas que estejam na massa migram em fluxo que se dá do centro para a casca, processo chamado de reima. Assim, obtem-se um produto mais puro. A salga é feita em duas etapas, na coagulação e quando o queijo é levado para a sala de cura. Há produtores locais que adicionam todo o sal ao leite de uma só vez, na coagulação, mas isso parece não ter dado certo na Quinta da Póvoa, propriedade rural em que estive hoje de manhã.
Depois de conhecer esses e muitos outros detalhes dessa produção e conversar bastante com Júlio Ambrósio Filho, terceira geração da família que mantém essa singular tradição gastronômica no lugar, eu e os colegas brasileiros tivemos a oportunidade, ou melhor, o privilégio de degustar o queijo em sua plenitude. Além de ter sido servido no local onde é produzido, o queijo estava em seu ponto ideal de sabor, aroma, textura e temperatura. Pouco tempo deve ter passado desde o momento em que o processo de cura terminou, ou seja, quando se tornou imediatamente pronto para ser saboreado. É a experiência máxima, nesse caso.
Fomos recebidos por Júlio e sua família, toda ela empenhada na produção. Coisa bonita de se ver. É claro que a vida nesse lugar não deve ser nada fácil. Trabalho duro todo dia e o dia inteiro, faça chuva ou faça sol. Meio metro de neve cobrindo tudo ao redor durante o inverno. Vento frio cortante a pouco mais de mil metros de altitude. Isolamento considerável das facilidades da cidade grande. Mas ver todo mundo ali, junto, é daquelas coisas que instigam comparações e deixam a gente pensando…
Esse é o Júlio dos Santos Ambrósio, o patriarca:
Já esse é o Júlio Ambrósio Filho, que nos recebeu lá:
E eis Davide, que completa três anos mês que vem (quarta geração da família) e, pelo visto, dará continuidade a esse belíssimo trabalho:
São cerca de 500 ovelhas para cuidar e uma série de procedimentos a que se prestar muita atenção para manter a alta qualidade de um produto tão delicioso e especial. Não é por acaso que o queijo Júlio dos Santos Ambrósio (é esse o nome da marca) é um dos apenas cinco certificados como Serra da Estrela no concelho de Celorico da Beira, onde estão pelo menos outras 45 queijarias que trabalham com leite de ovelha. O resto é queijo de ovelha curado e essa questão rende um post para mais tarde.
Já completamente envolvidos pela história toda, chegamos a casa da família, onde nos deparamos com essa cena, que mais parece aquelas fotos de livros de culinária de antigamente:
Com hospitalidade e extrema simplicidade, nos ofereceram um pouco de tudo aquilo que eles mesmos fazem no local: o queijo, o pão, a farinheira, o presunto cru, o vinho. Sabores marcantes, preparos decantados ao longo de anos de experiência. Foi realmente emocionante. Aos que têm interesse em conhecer de perto como esse produto incrível é feito, recomendo fortemente a experiência e adianto que a família da Quinta da Póvoa recebe visitantes. Basta agendar com antecedência por meio dos contatos que estão na página do lugar.