Por Redação SerTãoBras, 5 de outubro de 2015
Em sua décima edição, o Cheese, evento internacional do queijo da Slow Food bate recorde de público. Mais de 300 produtores de 30 países diferentes estiveram em Bra, vila histórica ao norte da Itália.
Queijos do novo mundo para renovar a velha guarda queijeira
O que têm em comum o queijo de leite cru da serra da Canastra, o queijo Skyr tradicional da Islândia e o queijo verde Tcherni Vit da Bulgária? Os três foram temas de conferências no Cheese 2015, para deleite dos apreciadores e dos expatriados saudosistas do sabores de outras mares. Principalmente, discutiu-se o avanço das políticas em defesa dos queijos artesanais no mundo.
Enquanto o Canastra entrou na Itália sem nenhum controle sanitário, o Skyr não teve a mesma sorte. Preso por três dias na alfândega de Turim por ser produto ultra-fresco, foi liberado no último momento, mas chegou a tempo da degustação.
A conferência Queijos do Novo Mundo reuniu Guilherme Capim Ferreira e Débora Pereira, da SerTãoBras, representando o Brasil, e Maria Antonia Brito e Elizabeth Noemi Medina, pastoras que fazem queijo de cabra na região de Tucumán, representando a Argentina.
O bate papo seguido de degustação aconteceu no sábado dia 19 de setembro na Casa da Biodiversidade e foi animado por Valentina Bianco e Francesca Rocchi, vice presidenta da Slow Food Itália.
Maria e Elizabeth conseguiram leite de cabra italiano e fabricaram o queijo durante a conferência, iniciando a coagulação no início e servindo o queijo pronto no final.
A degustação dos queijos foi guiada por Erik Vassallo da Slow Food Torino. Os participantes se deliciaram com queijos canastra e queijo serro de leite de vacas Gir, acompanhados de doce de leite, goiabada e cachaça.
Queijos do novo mundo from SerTãoBras on Vimeo. Tradução de Marcelo de Podestá
Degustando queijo e política
As conferências organizadas durante o Cheese são claramente políticas, de acordo com a filosofia da Slowfood de proteger os pequenos produtores de queijos de leite cru em países como África do Sul, Argentina e Brasil.
No momento, um dos assuntos mais falados foi o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (APT, mais conhecido como TTIP [Transatlantic Trade and Investment Partnership). Esse acordo visa eliminar as barreiras comerciais para facilitar a compra e venda de bens e serviços – e nesse caso – políticas como as denominações de origem são consideradas dores de cabeças, pois impõem restrições à utilização de nomes de regiões da Europa, o que os Estados Unidos não estão de acordo. (Leia mais sobre o TTIP).
Segundo o comunicado divulgado pela Slowfood, é essencial questionar esse acordo à medida que ele não visa o bem estar dos povos nem a proteção do meio ambiente, pelo contrário, configura uma mutação profunda do sistema agrícola, com conseqüências ambientais e sociais. “É preciso repensar as cotas leiteiras e as variações permanentes do preço do leite, submissas à regras de comércio mundial e à especulação, para proteger os pequenos produtores e seus territórios da industrialização da cadeia do leite” afirmou Piero Sardo, presidente da Fundação Slow Food para a Biodiversidade.
Outra iniciativa em defesa dos processos artesanais é a petição contra a utilização de leite em pó e derivados do leite na fabricação de queijos. Cerca de 150 mil pessoas assinaram a petição, que já tem cerca de 130 mil assinaturas online. Clique aqui para assinar.
No evento, entre os produtores de queijo que vieram de outras regiões, a maioria eram jovens produtores, como forma de encorajar a sua participação em atividades agrícolas a longo prazo.
Prêmio da resistência queijeira
Junto com produtores da Bélgica e França, Guilherme Capim Ferreira recebeu o prêmio da Resistência Queijeira, que está em sua quarta edição, por ajudar a manter viva a tradição do queijo de leite cru em Minas Gerais.
Guilherme também recebeu a medalha de Guarda e Jurado da Guilde Internacional dos Queijeiros, federação internacional que conta com mais de 5 mil membros no mundo inteiro.
Mais informações:
Lista de todos os queijos do Brasil na arca do gosto
Fotos de SoCheese por Arnaud Sperat Czar:
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O queijo das pastoras de Tucumã
Na conferência de 2013 sobre os queijos brasileiros em Bra, foi levantada a questão da diminuição e quase extinção no Brasil do uso de coalhos naturais, feitos de estômago de animais que só se alimentaram de leite. Nesse dia, nenhum dos produtores brasileiros participantes usava coalho natural.
Já na mesa de 2015, as pastoras argentinas levaram o coagulante que elas mesmas preparam a partir do estômago dos cabritos, resistindo em perpetuar essa tradição natural.
Durante séculos, Tucumán, menor região da Argentina, foi habitada por populações Incas que criavam gado e plantaram lavouras. Infelizmente, as práticas antigas foram quase extintas, pela colonização e emigração em grande escala.
Variedades de plantas (como milho, abóbora, batata e quinoa) e raças de animais (como o guanaco, lhama e vicunha) desapareceram gradualmente com a chegada das monoculturas de trigo, cana de açúcar e, nos últimos anos, soja geneticamente modificada, particularmente no sudeste do país.
Algumas famílias, no entanto, têm resistido a essas mudanças e continuam a cultivar as cabras criollas e a produzir o queijo tradicional. As cabras são descendentes de raças trazidas pelos conquistadores espanhóis, mas pelo fato de pastarem apenas plantas selvagens, como algarrobo blanco e mistol, são mais rústicas. Seu leite tem excelentes qualidades sensoriais.
Os queijos são moldados em formas de palha tecidas por elas mesmas. São deixados para secar nessa forma por um ou dois dias, em seguida seca, os que não são consumidos continuam curando em esteiras de palha chamadas zarzos, embora os tucumanos preferem comê-los frescos no mesmo dia.