Texto e imagens por Débora Pereira e Arnaud Sperat-Czar
Para quem pensa que o queijo de leite cru só existe feito por pequenos produtores isolados, aqui está a prova de uma experiência de cooperativa que deu certo na França. O lucro é repartido de acordo com a quantidade de matéria prima que cada um entrega por dia.
Esse modelo de cooperativa, chamada de ‘fruitière’ (podemos traduzir por oficina queijeira), teve sua criação motivada pelo socialista utópico Charles Fourier no século XIX, com o objetivo de libertar os camponeses dos latifundiários. Esse modelo cooperativista é bastante comum nas queijarias da região da Franche Comté.
A queijaria Abbaye
O imponente maciço Jura separa a pequena vila de Chezery-Vorgens, no extremo sul da Franche-Comté, do lago da cidade de Genebra, na Suíça, localizada a apenas 20 km em linha reta. “Estamos aqui na parte mais alta do Jura”, anuncia André Mathieu, 59 anos, um conhecedor íntimo do queijo bleu de Gex, conhecido por sua massa rajada de tons azulados.
Todo dia, as três da madrugada, o caminhão da cooperativa leiteira começa a percorrer cerca de 110 km de estradinhas íngremes, para recolher a produção de nove fazendas, e retorna cerca de duas horas depois. O mesmo percurso é feito ao final da tarde. “Nós misturamos o leite da ordenha da manhã, ainda quente, com o que ficou refrigerando durante a noite”, diz Mathieu. Ele é um nativo da aldeia, localizada no fundo do vale. O queijo não era a sua vocação, formou-se em mecânica, depois foi por três anos lenhador, em seguida, entrou para a queijaria como empregado e hoje é o gerente.
Nessa época do verão, as vacas de raça Montbéliarde passam dias e noites nas montanhas. Elas saíram dos estábulos, onde ficam confinadas durante o inverno, no final do mês de abril e retornam no início de novembro. “A mudança da alimentação das vacas de feno seco para pasto fresco é sempre o período mais difícil para o queijo”, disse Mathieu, “todos os parâmetros de fabricação mudam, o gosto e a textura evoluem”. Ele sabe diferenciar o período de fabricação apenas olhando a cor da massa, que fica mais clara no verão.
Mathieu mais nove funcionários transformam 6.000 litros de leite por dia (2,2 milhões por ano). O resultado são 170 toneladas de bleu de Gex por ano, além da fabricação de outros dois queijos, o tomme du Jura e o Comté, esses em menor proporção, cerca de 30 toneladas por ano.
O bleu de Gex tem indicação de origem controlada e é também chamado “bleu du Alto Jura” ou “Bleu Septmoncel”.
Necessariamente feito a partir de leite cru, o bleu de Gex deve ser maturado por pelo menos 21 dias para ter direito ao nome, ou seja, para atender às exigências de sua indicação de origem controlada.
Na queijaria Abbaye, o queijo é maturado em tábuas de madeira (usa-se pinheiro). Há uma seleção do produto que chega a quatro meses de maturação. Para André Mathieu, esse produto mais afinado é o melhor, ele o chama de “Perrachu”, uma marca própria que registraram para o queijo pequeno, com sabor superior, sem perder sua delicadeza.
1 Comentários
Ótima matéria. Esse modelo poderia ser a solução para os queijos minas das regiões tradicionais. Hoje os atravessadores (queijeiros) percorrem as fazendas e levam o queijo para feiras e pequenos comércios do interior. Resultado: um queijo sem identidade, que não completou a sua maturação e, consequentemente, de baixo valor. Os consumidores desses queijos só aceitam pagar valores menores que os queijos industrializados, vendidos nos supermercados.
Ao mesmo tempo, só vejo a luta, quase utópica, por uma produção quase livre, sem a participação do estado. Mas claro que isso não irá acontecer, é uma luta perdida, até porque é dever do estado regulamentar a produção, está na Constituição.
Acho que o primeiro passo para defendermos os queijos artesanais, patrimônios nacionais, é incentivar a organização dos produtores. Os queijos artesanais devem ser produzidos nas fazendas, somente com o leite do seu rebanho (conforme definido na regulamentação do IMA, infelizmente tão atacada atualmente), porém podem passar por entrepostos comunitários, onde serão identificados, selecionados, maturados em condições controladas e comercializados. E o ideal é que os próprios produtores assumam esse modelo, em forma de cooperativas/associações, antes que empresários tomem a iniciativa.
Nesse ponto é que o Estado deve ser cobrado, no apoio direto na implantação dessas estruturas, laboratórios, assistência técnica, etc. Vejo muitos parlamentares reclamando do Executivo, porém nunca soube de emendas direcionadas aos produtores…
Quanto a regulamentação vigente, deve sim ser atualizada, porém baseada em pesquisas existentes e não em argumentos como: “nunca registramos alguém que morreu de ingestão de queijo”. Lembro que os queijos artesanais só serão realmente preservados se os produtores estiverem devidamente remunerados e os consumidores estiverem interessados, e essa situação só encontraremos com queijos de qualidade.