por Christopher Hall, New York Times Syndicate, UOL
Marcia Barinaga mostrava a mim e a outros sete visitantes sua fazenda, de onde se descortinava a Baía de Tomales e as colinas do Point Reyes National Seashore, no condado de Marin, ao norte de San Francisco. Ao nos descrever seu rebanho de cem exemplares da raça East Friesian, num pasto onde os animais menos tímidos se reuniram à nossa volta, ela beijou o focinho rosado de uma ovelha. O gesto, apesar de informal, revelou sua profunda afeição pelos animais que fornecem o leite que ela transforma em queijo, no melhor estilo de seus ancestrais bascos.
A Fazenda Barinaga é uma das inúmeras propriedades leiteiras que colocaram os condados de Marin e Sonoma no epicentro do movimento do queijo artesanal na Califórnia. Atualmente, oito mil e novecentos hectares são utilizados na produção de quase cem tipos diferentes de queijos de leite de vaca, ovelha, cabrita e búfala, além de produtos fermentados como iogurte e creme fresco. É tudo feito à mão, em pequenas quantidades, de acordo com tradições antigas — daí a classificação “artesanal” — e considerado rural, o que significa feito numa fazenda com o leite dos animais daquela propriedade.
Há dez anos, quando comecei a fazer excursões “queijeiras” a Marin e Sonoma, havia poucas propriedades produzindo e nenhuma permitia visitação — mas com o crescimento veio o acesso público. Entre os 29 produtores listados no mapa da Trilha do Queijo de Sonoma e Marin, no site (cheesetrail.org) e no aplicativo para celular, 21 estão abertos para visitações regulares ou periódicas, degustação ou passeios com hora marcada. Há também as que oferecem guias, incluindo a opção de cinco horas que inclui quatro fazendas, degustação de trinta tipos de queijo e piquenique (US$152; foodandfarmtours.com).
Visitas
Em dois fins de semana consecutivos, no final do ano passado, atravessei a região para visitar cinco produtores diferentes. Comi queijos excepcionais, muitos dos quais até ganharam prêmios, mas também conheci as pessoas responsáveis por eles e vi, em primeira mão, suas paixões: pela arte da produção de queijos; por sua tradição cultural; pelos animais que criam e pela terra, bela e fértil, da qual dependem.
A princípio, minha primeira parada não parecia muito promissora. Numa manhã de sábado chuvosa, estacionei entre as galinhas que passeavam no pátio enlameado da Fábrica de Queijos Joe Matos (3669 Llano Road, Santa Rosa; 707-584-5283). A propriedade não oferece passeios e tem um único produto: um queijo de leite de vaca envelhecido chamado St. George que Joe prepara baseado numa receita que trouxe dos Açores, sua terra natal. Na minúscula sala de venda, que tinha apenas algumas figuras de santos nas paredes, uma funcionária mal-humorada surgiu de uma sala dos fundos, através da qual pude ver várias rodas de queijo arrumadas nas prateleiras. Séria e sem dizer uma palavra, ela trazia uma bandeja com pequenas amostras.
O queijo, firme, mas ao mesmo tempo macio, tinha a cor dourada do sol e um sabor duradouro que equilibrava suavidade e vibração. Comprei um pedaço e, a caminho do carro, dei de cara com Matos. “Minha mulher e eu saímos de Açores em 1965, quando eu tinha 26 anos”, disse ele. “Sou a quinta geração de queijeiros.” Ele descreveu os primeiros empregos que conseguiram nos EUA — ele, na fazenda de leite, ela numa granja — e como finalmente compraram sua própria fazenda, adquiriram um pequeno rebanho de gado Holstein e iniciaram a fabricação de queijo em 1979. “Esse país é bom, basta trabalhar direito.”
Naquela tarde, depois de uma viagem de 45 minutos por entre pastagens, casas em estilo vitoriano e fileiras de eucaliptos aromáticos, cheguei à Fazenda Barinaga (US$20; barinagaranch.com) para participar do passeio de duas horas oferecido todos os meses pelos 40 hectares de pastos para as ovelhas. Acariciamos os animais (que mais pareciam bolas de algodão gigantes espetadas em pequenas hastes), visitamos o celeiro e a área de ordenha. Ainda nos contêineres de carga que foram transformados numa área de produção e envelhecimento impecáveis, Marcia ofereceu uma explicação detalhada sobre o pH do queijo, o que denunciou seu passado como bióloga.
Ao final, degustamos o Txiki envelhecido produzido por Barinaga desde 2009 — que, segundo ela, foi inspirado nos bascos semiduros. E nos disse também que os bascos-americanos não têm tradição na produção de queijo porque os imigrantes, como seu avô, criavam ovelhas para o abate. “Mas se meus primos espanhóis vierem me visitar, vou ter o maior orgulho de servir o meu próprio queijo”.
Mais sabores
Na sexta seguinte, dia de sol e céu azul entre chuvaradas esparsas, saí de novo, dessa vez rumo a Golden Gate e à visita a Cowgirl Creamery, em Point Reyes Station; depois, ia ver os cabritos que me esperavam em Petaluma. Fundada em 1997, Cowgirl começou promovendo queijos de terceiros antes de iniciar a produção própria com leite orgânico de vaca. Hoje faz variedades frescas e envelhecidas, incluindo o delicioso e substancioso Mt. Tam, parecido com o Brie, e o intenso e cremoso Red Hawk.
O passeio (US$5; cowgirlcreamery.com) foi mais uma aula informal e degustação conduzidos por Cheryl Dobbins, que está na Cowgirl desde o início. Com 18 pessoas sentadas ao janelão que dava para a seção de produção, eu incluído — onde os funcionários, de botas brancas, colocavam a “massa” em moldes redondos — Dobbins demonstrou a alquimia da formação do processo jogando coagulante num balde de leite quente, onde o coalho começou a se formar instantaneamente, separando-se do soro. Ela também contou rapidamente a história da produção de queijo e manteiga em Point Reyes, que se tornou a primeira região leiteira de destaque da Califórnia quando começou a fornecer para San Francisco da época da febre do ouro.
Mais tarde conheci Bonnie DeBernardi e seu rebanho na Two Rock Valley Goat Cheese (7955 Valley Ford Road, Petaluma; 707-762-6182). Se você ligar com antecedência e seu horário permitir, ela pode até lhe mostrar seus adoráveis cabritinhos.
“Tudo começou quando comprei dois para distrair meus netos”, conta ela enquanto atravessamos um celeiro onde cumprimentou alguns animais pelo nome. “Agora temos mais de cem. Nem em sonho eu pensava que isso fosse acontecer, pode crer.” E me apresentou ao marido, Don, proprietário leiteiro que há sete anos começou a fazer rodas de queijo de cabra envelhecido igualzinho ao dos parentes suíço-italianos.
Não pude provar o queijo na fazenda porque a sala de vendas e de degustação ainda estavam em obras, mas o pedaço que levei para casa era firme e seco e tinha um sabor ácido prolongado com notas de caramelo. Don me mostrou a sala minúscula de produção e os pesos de 18 kg usados para prensar as novas rodas, retirando o soro e tornando o queijo mais seco. “Quando meu avô e meu pai faziam esse queijo nos Alpes, usavam pedras”, explica ele.
Fiz a última parada da minha turnê na Point Reyes Farmstead Cheese Company, que começou a produzir em 2000 o cheiroso Original Blue de leite cru do rebanho de Holsteins dos donos da propriedade, a família Giacomini. A fazenda recebe visitantes mediante agendamento ou durante eventos organizados (pointreyescheese.com; passeios e degustação a partir de US$25 por pessoa).
Eu tinha comprado um evento de cinco horas de duração a US$120 que incluía um tour pela propriedade, uma degustação de queijos e almoço com quatro pratos. Bob Giacomini, o patriarca, mostrou a nós, os 18 visitantes, os celeiros e a seção de ordenha que ele e a mulher compraram em 1959, além de explicar como o gás metano do esterco dos animais gera 65 por cento da energia consumida pela fazenda. Contou também um pouco da vida das vacas que vimos, inclusive a que estava prestes a dar à luz. Do lado de fora da sala de produção, pudemos ver os funcionários cuidando de um tonel de dos mil litros que resultaria no queijo Toma, cremoso e suave.
Três horas mais tarde, depois de um almoço que incluiu ostras da Baía de Tomales recobertas com queijo blue e mignonnette, fui ver novamente a vaca prenha. Ela não tinha dado à luz ainda — pelo menos foi o que pensei até ver uma coisa branca e molhada se mover na sua frente. Consciente de que estava observando um fenômeno vital na operação queijeira, vi o bezerrinho esticar as patas, levantar-se incerto e dar os primeiros passos para a vida.