Em busca dos queijos de leite cru, equipe percorre o Planalto Central
por Leonardo Vilaça Dupin
A equipe da SerTãoBras caiu na estrada em busca dos queijos de leite cru. Batendo de porteira em porteira, conversando com produtores, órgãos de assistência técnica, queijeiros, comerciantes e consumidores, o objetivo é conhecer a realidade desse patrimônio que o estado brasileiro insiste em manter na clandestinidade.
Nessa primeira viagem, a equipe seguiu pelo Planalto Central, em altitudes que variam entre 800 e 1200 metros, procurando encontrar quais os limites territoriais da produção do queijo minas artesanal, feito com leite cru, pingo, salga seca e que amarela com alguns dias de cura.
Como primeiros resultados, o encontramos em regiões até então pouco conhecidas, como na bacia do rio São Marcos, em Goiás; ou mesmo em áreas próximas à represa de Três Marias, no Alto do Paranaíba-MG; visitamos um laticínio que está tentado produzir um queijo pasteurizado com o gosto similar ao queijo Canastra; um assentamento de reforma agrária onde a produção de queijos é a principal atividade econômica e muitas queijarias.
Abaixo estão algumas notas sobre a viagem, que aconteceu entre os dias 21 e 31 de janeiro de 2013.
O entreposto do Alto do Paranaíba
Partimos do município de Bambuí- MG, na Canastra, em direção oeste. Cortando a Serra do Salitre, chegamos à cidade de Carmo do Paranaíba – MG, onde visitamos a queijaria do João Mello, um produtor já conhecido da SerTãoBras.
Receptivo, ele mostrou sua queijaria para nossa equipe. Seu queijo resinado tem feito sucesso, sendo vendido no Mercado Central de Belo Horizonte ao preço de R$ 35,00 o quilo.
Agora ele tenta a viabilizar o funcionamento do entreposto regional do rio Paranaíba. Acredita que em 30 dias este estará em funcionamento.
Mello espera que com o entreposto, que será administrado pela Cooperativa dos Produtores de Derivados do Leite do Alto do Paranaíba (COOALPA), seja possível aos produtores locais comercializarem legalmente os queijos em outros estados, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Canastra pausteurizado?
Dali, seguimos até o município de Tiros-MG. Fomos confirmar os rumores de que o laticínio Tirolez (onde se passa uma parte do documentário “O Mineiro e o Queijo”) está desenvolvendo um queijo de leite pasteurizado com o gosto semelhando ao Canastra.
Não chegamos a ver ou provar o produto, que ainda é um segredo industrial. Porém, a hipótese foi confirmada por um engenheiro que trabalha no local. Como é possível fazer isso? Segundo o ele, retirando certas leveduras do leite e colocando-as de volta após o processo de pasteurização. O produto deve ser lançado em alguns meses e será voltado para a exportação.
Queijo de Goiás também é Minas?
Seguindo a informação de que havia queijos de leite cru de outros estados chegando a Minas, partimos para Davinópolis – GO, próximo ao Triângulo Mineiro. A cidade passou por uma série de apreensões nos últimos anos. Noticiadas como queijo muçarela, trata-se na verdade de queijos de leite cru que teriam como destino Uberaba, Brasília ou São Paulo.
Como verificamos, o modo de fabricação é praticamente idêntico ao mineiro e os queijos encontrados são de ótima qualidade. Estima-se que a produção ali chegue a 20 toneladas semanais, com muitos queijeiros atuando na região. Contudo, o queijo não conta com o apoio de uma lei estadual e seu modo de produção não é protegido como patrimônio. Nesse contexto, a fiscalização não tem poupado produtores e comerciantes locais.
Por isso, em muitas visitas nossa equipe foi recebida com temor. Produtores negavam que fabricavam e os comerciantes ocultavam que vendiam. Depois de tentativas frustradas, encontramos o produto em algumas queijarias e em um supermercado, onde um rapaz escondeu a bandeja que estava sobre o balcão ao perceber que tentávamos fotografá-la.
O fato suscita a reflexão sobre quão absurdo é o tratamento dado ao produto pelo estado e pelas leis brasileiras. Tratado como droga, armamento ou veneno, ele só não é considerado um alimento de qualidade, apreciado pelo consumidor.
Do trabalho escravo à produção de queijos
Salta aos olhos de quem anda pelas estradas goianas a disputa entre agronegócio e agricultura familiar. O primeiro ocupa a maior parte das terras, tendo a soja destinada à exportação como principal atividade, e o segundo, ilhado nas encostas dos morros, produz alimentos. O surpreendente foi encontrar a produção de queijos de leite cru como uma atividade de resistência da agricultura familiar no leste goiano.
Percorrendo as margens da bacia do rio São Marcos encontramos muitos produtores que dependiam da atividade para sobrevivência e chegamos ao assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Batalha dos Nunes. O lugar era um fazenda que foi desapropriada há três anos pelo uso de trabalho escravo.
Hoje, cerca de 30 famílias vivem no local, sendo que pelo menos metade delas vive da produção de queijos de leite cru. As casas ainda são precárias e não há energia elétrica, por isso não podem vender o leite aos laticínios. Como acontecia antigamente, o queijo foi a forma encontrada de conservar o leite e gerar renda para as famílias.
“Aqui, se produz queijos ou se arrenda a terra para o agronegócio”, afirmou um dos moradores. A média é de doze queijos por família, fabricados duas vezes ao dia, vendidos entre R$ 7,00 e R$ 8,00 o quilo. A mão-de-obra é familiar e a raça do gado é mestiça (Tatu com Cobra).
O limite oeste da produção
O município de Catalão – GO, no lado oeste do rio São Marcos, parece ser uma área de transição no modo de produzir os queijos de leite cru. Ali, alguns produtores utilizam o pingo, outros não. “Quando está muito quente o queijo com pingo fica manchado”, afirmou uma produtora, que utiliza o sal fino a pedido do queijeiro.
Conforme verificamos em visita a outra queijaria da região, o queijo realmente amarela no processo de maturação. São dez peças fabricadas por dia, todas feitas com o pingo. A produtora diz que aprendeu a fazer queijos com os avós mineiros. Quando morava do outro lado do rio São Marcos, antes de se mudar para o local, afirma que não havia diferença na qualidade do queijo. “Entre fazer o queijo aqui ou do outro lado do rio o resultado é o mesmo”, relata.
Outro dado interessante é o fato do queijeiro fornecer o sal fino, o coalho e até uma lixa para os queijos ao produtor em troca de fidelidade na venda do produto. Assim, parece que encontramos a fronteira oeste da produção que abrange a bacia do rio São Marcos.
O limite noroeste da produção
Voltamos a Tiros. A opção se deveu à informações que recebemos na primeira visita. Seguimos para o norte, em direção ao distrito de Canastrão. Ali, a soja divide espaço com o eucalipto e a pecuária.
A primeira visita foi ao produtor Iraci Marim Bontempo, na comunidade Serra do Moinho. Ele fabrica, improvisado na cozinha de casa, queijos de leite cru e requeijão artesanal. São dois queijos e cinco pratos de requeijão artesanal ao dia. Utiliza sal grosso e não utiliza o pingo. Costuma vender a R$ 8,00 o quilo para uma clientela que diz ser fiel, o prato de requeijão custa R$13,00.
Seguimos em frente e encontramos produtores maiores, que chegam a produzir 40 queijos ao dia. Alguns utilizam o pingo, outros não. Afirmam que as maiores dificuldades são encontrar tal matéria-prima com vizinhos e o calor, que faz com que o queijo feito com pingo fique inchado.
Uma curiosidade do local é o gado utilizado, Girolando ou Nelorado, uma vez que as queijarias estão localizadas em fazendas de corte. De qualquer forma, o distrito Canastrão parece ser a fronteira noroeste da produção de queijos de leite cru que se estende até a barragem de Três Marias.
1 Comentários
Parabéns equipe SertãoBras , precisamos dessa informação de campo.
Ana