O produtores de queijo artesanal de Minas Gerais vem sendo submetido a uma série de constrangimentos pelo sistema de inspeção estadual do governo mineiro, o IMA. O Queijo Minas Artesanal tradicional e sua versão conhecida como “Casa a Florida” são de leite cru, sem utilização de fermentos comerciais, o que confere a eles um ecossistema singular, pois possui uma microbiota adaptada a cada propriedade rural onde é produzido.
No entanto, a SEAPA/IMA convocou uma consulta pública que pretende obrigaro uso de fermentos comerciais, que destruiriam de forma irreversível esse rico microbioma.
Assim a comunidade queijeira vem se manifestar contrária a essa decisão, demonstrando isso através da Carta da AMIQUEIJO (abaixo) assinada por 13 instituições representantes do movimento Liberem o mofo!
Solicitamos a suspensão da publicação da Portaria que estabelece o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Queijo de Casca Florida, objeto da Consulta Pública supracitada.
Alternativamente, reivindicamos outras questões gerais relacionadas ao queijo:
- diálogo com os setores interessados de forma mais democrática
- regulamentação do Queijo Minas Artesanal de Casca Florida tomando por referência os fungos e procedimentos já presentes e utilizados nas unidades produtoras do Queijo Minas Artesanal Artesanal,
- investimento de recursos do Estado de Minas Gerais em pesquisas e serviços de inspeção que busquem atestar a qualidade e segurança da produção e comercialização dos queijos artesanais de casca florida, tendo em vista os ganhos materiais e simbólicos que a produção do Queijo Minas Artesanal gera para o estado,
- criação de uma equipe especial de fiscais sensíveis ao mundo artesanal e substituição dos fiscais ultra sanitaristas que hoje atendem os produtores artesanais
- flexibilização dos fluxos de linhas de produção nas queijarias, para motivar a pluralidade dos produtos, autorizando que queijarias que fazem QMA possam fabricar outras receitas
CARTA DA AMIQUEIJO E ASSOCIAÇÕES PARCEIRAS
Sobre a Portaria que estabelece o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Queijo de Casca Florida
Prezados,
Como é de amplo conhecimento, em 13 de junho de 2008, o Modo artesanal de fazer Queijo de Minas, nas regiões do Serro e das serras da Canastra e do Salitre foi reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil, inscrito no Livro de Registro dos Saberes. Identificado como “um conhecimento tradicional e um traço marcante da identidade cultural dessas regiões”, esse modo de fazer, apesar de guardar especificidades regionais, tem como pontos comuns, conforme apresentado em seu Dossiê de Registro (IPHAN, 2014), o uso de leite cru, a adição do pingo e o uso de mão de obra preponderantemente familiar. Em 2021, foi realizado o processo de reavaliação do bem cultural, que teve então seu título de patrimônio cultural do Brasil revalidado, com alteração do nome para “Modos de Fazer o Queijo Minas Artesanal” e com ampliação da área de abrangência para as demais regiões do estado produtoras do Queijo Minas Artesanal, atestando a continuidade e o fortalecimento desse patrimônio.
Ao longo deste período, o Iphan vem atuando na condução do processo de Salvaguarda deste bem cultural, com o intuito de assegurar o amplo conhecimento a seu respeito e sua ampla promoção, bem como garantir condições de fortalecimento e continuidade sustentável da prática através de ações de apoio e fomento. Essa atuação se dá em diálogo com o Coletivo da Salvaguarda dos Modos de Fazer o Queijo Minas Artesanal, instância constituída no âmbito da política patrimonial e que congrega representantes de produtores, de instituições públicas e privadas e de associações que lidam com o universo da produção do Queijo Minas Artesanal (QMA). Assim como a participação social, a articulação interinstitucional é uma das premissas fundamentais do processo de salvaguarda, buscando um maior diálogo e alinhamento das políticas públicas com vistas ao fortalecimento e proteção desse modo de fazer.
No dia 22/06/2023, o referido Coletivo reuniu-se para dar continuidade aos seus trabalhos e foi informado, pelo presidente da Associação Mineira do Queijo Artesanal -AMIQUEIJO, da realização de Consulta Pública aberta pelo Instituto Mineiro de Agropecuária – IMA entre os dias 06 de junho e 05 de julho de 2023, a respeito do Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Queijo de Casca Florida, expressando especial preocupação com um dos seus itens: a obrigatoriedade de utilização de cultura fúngica comercial liofilizada, conforme estabelecido no item 1.3.1 do referido Regulamento (“Ingredientes obrigatórios”).
A partir desta informação – e tomando por referência o reconhecimento, pela Resolução SEAPA No 42, de 27 de dezembro de 2022, do Queijo de Casca Florida como um Queijo Minas Artesanal –, abriu-se amplo debate entre os presentes na reunião, que deliberaram pela necessidade de manifestação deste Coletivo a respeito da temática, levando em consideração as seguintes reflexões e ponderações:
1. A inoculação de fungos comerciais na produção do Queijo Minas Artesanal provocaria a descaracterização do modo de fazer artesanal tradicional reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil, o que traria implicações não só para sua salvaguarda, que se veria comprometida, mas também para a candidatura dos Modos de Fazer o Queijo Minas Artesanal à Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, apresentada à Unesco pelo Iphan em março deste ano, a partir de pedido formalizado pela AMIQUEIJO e pelo próprio governo do estado de Minas Gerais.
2. A inoculação de fungos comerciais na produção do Queijo Minas Artesanal descaracteriza um de seus principais atributos, que é a diversidade advinda das especificidades ambientais, históricas e culturais de cada região produtora.
3. A inoculação de fungos comerciais na produção do Queijo Minas Artesanal tem o potencial de provocar a dependência de seus produtores e produtoras frente a insumos externos, contrariando a prerrogativa de autonomia e não dependência que caracteriza os saberes e modos de fazer artesanais.
4. A inoculação de fungos comerciais estranhos aos ambientes de produção do Queijo Minas Artesanal tem o potencial de alterar sua microbiota, interferindo de forma irreversível nos ecossistemas locais, com possíveis impactos ambientais, genéticos, socioeconômicos e culturais e implicações para a manifestação do terroir do Queijo Minas Artesanal e para o valor atrelado ao produto, que guarda referências à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, de forma geral, e da mineira, em particular.
Tendo em vista as considerações elencadas, pleiteia-se a suspensão da publicação da Portaria que estabelece o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Queijo de Casca Florida, objeto da Consulta Pública supracitada.
Alternativamente, indica-se que seja construída, em diálogo com os setores interessados, regulamentação do Queijo Minas Artesanal de Casca Florida tomando por referência os fungos e procedimentos já presentes e utilizados nas unidades produtoras do Queijo Minas Artesanal, com o investimento de recursos do Estado de Minas Gerais em pesquisas e serviços de inspeção que busquem atestar a qualidade e segurança da produção e comercialização dos queijos artesanais de casca florida, tendo em vista os ganhos materiais e simbólicos que a produção do Queijo Minas Artesanal gera para o estado.
Assinam este documento os seguintes membros do Coletivo da Salvaguarda dos Modos de Fazer o Queijo Minas Artesanal.
Associação Mineira do Queijo Artesanal – AMIQUEIJO
Associação de Produtores de Queijo Canastra – APROCAN
Associação de Produtores de Queijo do Serro – APAQS
Associação dos Produtores de Queijo Artesanal da Microrregião Serras da Ibitipoca Associação dos produtores de Queijo Minas Artesanal do Cerrado
Associação dos Produtores de Queijo Artesanal da Região de Entre Serras da Piedade e do Caraça Associação dos Produtores de Queijo de Diamantina
Associação do Queijo Minas Artesanal da Região de Araxá
Associação do Queijo Minas Artesanal das Vertentes
Maria Elena – Produtor de Queijo Minas Artesanal da Região do Triângulo Mineiro
Professor Cleube Andrade Boari – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri Sertãobras – João Bello de Oliveira Neto
Rosana Sampaio Pinheiro – Pesquisadora em Direito do Patrimônio Cultural
Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Minas Gerais – Sebrae Minas
____________________________ José Ricardo Ozólio
Presidente