Por Arnaud Sperat Czar, jornalista francês e colaborador da SerTãoBras
Cenário. Fabricantes enfraquecidos, um contexto de saúde cada vez mais pesado… A crise da Covid corre o risco de enfraquecer o setor de laticínios, enquanto defende um modo de desenvolvimento sustentável que faça ainda mais sentido hoje.
Somente nos próximos meses mediremos o tributo pago pelo setor de queijos tradicionais ao coronavírus: quando será necessário honrar o pagamento de prazos adiados durante a crise (pagamentos de empréstimos, aluguéis, encargos sociais e fiscal…), quando o buraco cavado nas contas operacionais conseguirá ou não ser resolvido. Agricultores, artesãos, mas também pequenos laticínios serão forçados a interromper suas atividades ou mudar para outro ramo.
>> Ansiedade no ar
A antiga tendência de diminuição do número de pequenos produtores de queijo já não era favorável. O Covid pode acelerar isso. Não são poucos os produtores de leite que decidiram se lançar na fabricação e cura para ter mais valor agregado nos queijos e controlar melhor seu destino.
Porém, a queda no poder de compra do consumidor pode penalizar permanentemente os fabricantes desses “produtos de gastronomia” menos acessíveis. O medo de uma recessão duradoura é um mau sinal para a cadeia do queijo.
Outro desconhecido é o sentimento do consumidor. Atormentados pelo “grande medo do micróbio” por longas semanas, aprenderam a lavar as mãos várias vezes ao dia, a se superproteger, a ter cuidado com tudo. É o momento dos cidadãos serem tranquilizados que queijo de leite cru é um alimento super protetor da imunidade. Não podemos deixar fortalecer o status de “produto de risco” para os queijos de leite cru, em um terreno já muito instigado pelos fiscais sanitários.
>> Antinatural
Os produtores não devem esperar clemência das autoridades veterinárias. Novas propostas já sugerem o endurecimento da higiene nas queijarias. Nenhum governo vai querer ser acusado de negligência.
É a longo prazo que devemos procurar razões de esperança. Segundo o consenso da comunidade científica, a epidemia tem origem na superexploração de nossos recursos naturais, na redução da biodiversidade, nos excessos da lógica produtivista. A crise do Covid-19 mostra brutalmente os becos sem saída deste modelo. Alguns não deixarão de querer reforçar estratégias não naturais, para acentuar a tendência à agricultura acima do solo. Eles vão pregar risco zero, vão querer erguer novas linhas Maginot, higienizar cada vez mais … sem agir sobre as causas.
O setor de queijos de leite cru, que sofreu muito com essa lógica, percorre um caminho completamente diferente. Sua razão de ser é incentivar a diversidade, em vez de reduzi-la. Como uma arma sanitária antes de tudo, pois quanto menos nos expormos a micróbios, alertam cada vez mais os médicos, mais enfraquecemos nossa microbiota e nossas capacidades de resposta imune. E mais vulneráveis seremos. Em vez de querer evitar o contato com micróbios a todo custo, pelo contrário, devemos incentivar o consumo de “alimentos microbianos” ricos e diversos.
>> Ecologia sustentável
É fundamental implementar a agricultura sustentável, adaptada aos recursos e respeitando os ecossistemas. Esta já é a escolha de algumas associação de produtores de queijo na França. No campo, essa estratégia significa aplicar os preceitos da ecologia microbiana direcionada e da agroecologia, em oposição à visão técnica que divide a cadeia produtiva do leite em segmentos a serem otimizados. Mas nada é menos óbvio do que mudar o modelo de desenvolvimento. No entanto, este é o desafio a ser enfrentado.
Como um juiz de paz, o consumidor tem um papel importante a desempenhar. Ocupar o campo da mídia, mostrar transparência, promover “produtos que façam sentido” são imperativos para os produtos de queijos de leite cru, se quiserem preservar sua identidade. Essa é uma das razões para o projeto criar uma Fundação para a biodiversidade dos queijos de leite cru.