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Em defesa do queijo artesanal

Por Gabriel Donato Andrade
O Estado de Minas 27/8/08

Há uma pressão crescente da sociedade pela valorização do queijo-de-minas artesanal. É um produto nobre, expressão da nossa pequena agricultura familiar, que goza da singularidade que hoje é o elemento distintivo da produção agroalimentar moderna. Temos chances de criar, no Brasil, a mesma dinâmica virtuosa que, na Europa, impulsiona os chamados produtos de terroir. Lá, quem incentiva esse processo de modernização do artesanato agroalimentar é a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e órgãos governamentais especializados. No Brasil, o futuro ainda requer construção.

O recente processo de tombamento do queijo-de-minas artesanal, feito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foi passo importantíssimo no caminho a trilhar. Outro é a revisão do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa). Posta em consulta pública, a proposta do governo recebeu inúmeras críticas e sugestões, que esperamos ser aproveitadas. Os pequenos agricultores, com razão, se sentem oprimidos por uma legislação que foi toda concebida pensando-se nas condições de operação da grande indústria alimentar a que eles não conseguem atender. Falta de apoio técnico, financiamento público e capacitação são algumas das razões desse descompasso, que não se resolve apenas com leis. Mas o mais importante é que o poder público se dê conta de que tem em mãos a chance de dar um passo decisivo em direção à construção de um moderno segmento de artesanato agroalimentar. Isso começa por não tratar como igual coisas que são tão distintas.

No documento posto em consulta pública, a definição de queijaria, por exemplo, foi a de que “é o estabelecimento situado em fazenda leiteira e destinado à fabricação de queijo-de-minas, devidamente relacionado no Serviço de Inspeção Federal (SIF) e filiado a entrepostos de laticínios registrados no órgão, nos quais será complementado o preparo do produto com sua maturação, embalagem e rotulagem, e só podem funcionar […] para manipulação de leite da própria fazenda e quando essa matéria-prima não possa ser enviada para postos de refrigeração, usina de beneficiamento e fábrica de produtos lácteos”. O governo ainda pretende que as queijarias artesanais desapareçam à medida que a grande indústria de laticínios se expanda e transforme o pequeno produtor apenas em fornecedor de leite. Trata-se evidentemente de um abuso do poder de Estado, ao definir a queijaria como uma instituição transitória, cujo direito a existir cessa quando se instale, nas suas imediações, uma indústria de laticínios.

Há também a exigência de 60 dias para maturação do queijo antes de sua comercialização. Estudos científicos recentes mostram que esse prazo é exagerado do ponto de vista das necessidades fitossanitárias. É preciso alterar isso também, visto que o mercado exige majoritariamente o queijo mais fresco, o que faz com que haja enorme comércio clandestino desse produto que não atende à exigência legal. Assim, flexibilizar a norma que cientificamente já não tem razão de ser é abrir a possibilidade de melhor zelar pela saúde pública, diminuindo o comércio clandestino, esse, sim, totalmente descontrolado do ponto de vista sanitário. Questões assim indicam que o governo precisa ousar mais, definindo um estatuto da pequena produção agroalimentar distinto daquele da grande indústria, de modo a tratar de forma condigna coisas que são diferentes. Se a pequena agricultura tivesse o próprio Riispoa, a exemplo de outras legislações sobre agricultura familiar sustentável, certamente a modernização viria a galope, pois sua discussão não emperraria por ter que se aplicar simultaneamente à grande indústria agroalimentar, como ocorre hoje.

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