Na região do Cerrado de Minas Gerais, onde estão uns dos melhores cafés do mundo, as fazendas de leite foram ficando menores, espremidas entre as plantações a perder de vista. Mas, como lá o queijo é uma tradição, o mineiro Eudes Braga da Granja Leiteira resolveu resistir e investir no queijo. Começou com 6 hectares próprios em 2008 e hoje tem mais 95 he arrendados. Ele conta como tudo começou:
“- Nossa região não é turística e queijo sempre foi tradição. Entre 2001 e 2008 eu era queijeiro, comprava e vendia queijo. Em 2005 fui procurado por uma rede de supermercados que queria comprar queijo minas de leite cru com certificado, mas os queijos que eu comprava eram clandestinos, não tinham qualidade nem volume para atender a demanda. Então resolvi produzir queijo para atender o que o supermercado pedia. Eu não conhecia o que era uma vaca, não sabia de rebanho e não tinha dinheiro, mas tinha uma visão de mercado e resolvi aprender. Com o lucro da venda de queijos, comprei inicialmente duas bezerras, no ano seguinte comprei mais trinta, aluguei um terreno e comprou umas vaquinhas e um tourinho Jersey.Em 2007 elas começaram a parir, isso em vez de ser uma solução tornou-se um problema, eu não tinha estrutura, não tinha experiência. Meus pais moravam na fazenda, meu pai ordenhava à mão e minha mãe fazia o queijo, eu vendia. Já em 2007 pariram duas, três… dez vacas. Meu pai disse que não podia mais ordenhar sozinho e nem minha mãe fazer tanto queijo. Contratamos uma pessoa para ajudar na ordenha e minha irmã começou a ajudar minha mãe…”
Em 2008 surgiu a necessidade de mais espaço e Eudes comprou uma fazenda pequena, com estrutura de ordenha, queijaria, barracão (tudo bem pequeno), negociou tudo a prazo, pediu dinheiro emprestado e procurou a Emater para pedir ajuda para certificar seu queijo. Em 2009 o IMA aprovou a queijaria. “- Temos um bom relacionamento com o IMA, nossa queijaria é considerada um modelo e já passamos por quatro reformas desde 2009, mas sempre nos adiantamos e fazemos exames de auto-controle dos queijos de dois em dois meses” conta Eudes.
Eudes participou da missão técnica da Faemg e SerTãoBras à França em junho de 2017 para conhecer caves de cura de queijo. “- Aprendi muito, quero começar a curar e valorizar mais nossos queijos, tratar a agua com outros métodos que não seja o cloro, para preservar as boas bactérias do leite, mas sempre com segurança” planeja o empresário-queijeiro. Seus queijos são vendidos no Super Nosso e no Mart Plus. A fazenda fica em Carmo do Paranaíba, a 350 km de Belo Horizonte.
Quase mil queijos de leite cru produzidos manualmente por dia
A Granja Leiteira produz queijo minas artesanal, de leite cru, pingo, coalho e sal. Na fazenda trabalham 18 pessoas, sendo 6 só para fazer queijo. As vacas são ordenhadas 3 vezes ao dia: 5 da manhã, 13 e 21 horas. Os queijos são fabricados imediatamente após cada ordenha. Tudo é vendido em Minas Gerais.
A média por dia por vaca é de 41,9 litros de leite (aferido pela Associação dos Criadores de Gado Holandês de Minas Gerais – ACGHMG), o que resulta na transformação de cerca de 9600 litros de leite por dia. Como cada queijo leva em torno de dez litros de leite, o número médio de queijos fabricados passa de 900. Ele não tem maquinaria pra prensar o queijo, tudo é feito a mão. “SIF? Eu não quero, não preciso, não tenho cliente fora de Minas Gerais”, disse Eudes.
A fazenda está ambientalmente adequada para a produção, tendo nove licenças ambientais de funcionamento dentre elas’’ tratamento de resíduos’’. “A preocupação com o bem estar de cada colaborador( carga horária, treinamento, EPI, alimentação, salários justos…) sempre está em primeiro lugar aqui” completa Eudes.
A genética para selecionar os melhores animais
Hoje Eudes possui um rebanho de 550 animais, sendo 230 vacas em lactação. Ele optou desde 2009 pela raça holandesa pura devido ao volume de produção e por elas serem resistentes, segundo o produtor, ao clima do cerrado. Ele criou um plano genético para a fazenda, pensando na seguinte questão: qual a melhor vaca para produzir o queijo?
“- Depois que eu “descobri” minhas vacas (por avaliação genômica), tenho várias possibilidade de multiplicar o que eu quero. Como o queijo precisa de um bom rendimento do leite, escolho as vacas nessa proporção: 40% visando um alto teor de proteína, 50% para saúde (20% vida produtiva e 30% fertilidade) e 10% para composição do úbere e a formação física do animal, por exemplo. O úbere tem que ser alto, se for muito baixo fica perto do solo, a vaca deve ter as tetas bem formadas para facilitar a ordenha e não pode ser muito grande” explica Eudes.
De acordo com esse modelo que ele considera ideal, ele classificou cada vaca do seu rebanho para saber qual era a melhor e a pior fêmea: as 10% melhores são doadoras de embrião (FIV), 60% do total das vacas são inseminadas artificialmente e 30% vão ser receptoras dos embriões gerados pelas melhores. Todas as vacas têm seu pêlo coletado para realização de um teste de DNA nos Estados Unidos. “- 90% do meu gado é genotipado, custa apenas 180 reais por animal com uma confiabilidade de 75% e nos dá a estimativa de produção de leite de cada uma, quantidade de gordura, fertilidade, tempo de vida e tipo de proteínas do leite” conta ele. Atualmente, Eudes está buscando ter um rebanho 100% genética holandesa da betacaseína A2.
Todas as vacas são inseminadas artificialmente. “- Hoje em dia, nas fazendas de produção de leite de grande escala não tem mais inseminação natural, nós trabalhamos com os melhores touros do mundo“, explica Eudes. “– Uma das nossas grandes preocupações é a qualidade do leite (matéria prima) por isso desde de 2009 a fazenda é livre de brucelose e tuberculose. E outro controle de mesma importância é o monitoramento mensal do leite de cada vaca por um laboratório especializado e com acompanhamento de um profissional da área na própria fazenda(CCS,CBT,etc) “.
Novos sonhos depois da viagem para a França
“Na França eu vi esse amor dos produtores com o queijo, mantendo uma tradição artesanal e com alto nível de tecnologia. Eles transformam grandes quantidades de leite cru. Fiquei fascinado com os volumes e os tempo de maturação, pude conhecer pessoas especializadas em curar queijo, nós não vemos isso no Brasil. Outro fator importante é a legislação e o apoio do governo para a produção queijeira, o respeito dos produtores com a lei, eles não fogem da lei, o espírito empreendedor e coletivo, isso é um exemplo”, disse Eudes.
Agora ele planeja fazer um novo produto maturado, com valor agregado. “Estou disposto a somar, acho importante uns produtores continuarem a visitar os outros, trocar informações” resumiu. “-Mas, é preciso que a lei acompanhe essa evolução”.
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