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Beal, o queijo que conquistou os irlandeses pela boca

Por Leonardo Dupin

Na estrada de acesso à Fazenda Orgânica Beal (Beal Organic Farm), no norte do condado de Kerry, sudoeste da Irlanda, há algumas placas que indicam “GM free farm”.

O aviso significa que ali existe uma produção de alimentos não transgênicos ou livre de modificações genéticas (genetically modified). Quem as colocou foi Kate Carmody, uma inglesa de Liverpool, que tem feito queijos naquela região desde 1987.

Sua propriedade de 63 hectares traz uma vista privilegiada do litoral irlandês. Quem chega ao local avista em primeiro plano algumas vacas da raça Holstein-Friesian pastando. São 37 animais produzindo leite, duas vezes ao dia, leite que no verão se transforma em queijos. Ao fundo, está o mar, onde navios circulam em direção ao porto de Foynes, na cidade de Clare.

O queijo produzido ali é um cheddar artesanal orgânico, feito com leite cru, que Carmody batizou de Beal. A palavra é em Irish (idioma local) e significa boca. O queijo “Boca” é hoje altamente reconhecido entre os irlandeses, sendo encontrado em todas as regiões do país. Tendo vencido prêmios, como o Irish World Cheese Awards, em 2010.

Porém, quando começou sua vida profissional como bioquímica, Carmody provavelmente não imaginava fabricar queijos orgânicos. Compondo a sexta geração de uma família de químicos, produtores de fertilizantes agrícolas, ela acha irônico hoje produzir queijos orgânicos.

A ideia surgiu ao se casar com um fazendeiro irlandês, produtor de leite, desencadeada por um presente de sua mãe. “Quando me casei, ela me deu um livro e uma prensa de queijos e disse que cada produtor de leite devia fazer seu próprio queijo”, conta.

Um estilo próprio de queijo

A produção começou na cozinha de casa, onde desenvolveu um estilo próprio de queijo. A participação em alguns cursos e a troca de experiência com outros produtores a fizeram aprimorar seu queijo. A produção orgânica começou posteriormente, em 1997, quando ela iniciou o processo de conversão da fazenda aos princípios orgânicos, que foi concluída no ano 2000.

A atividade consolidou-se e seu produto é vendido a aproximadamente €20,00 (R$ 53,00) o quilo. “A agricultura orgânica realmente transformou a qualidade e o sabor do meu queijo. Ali encontrei a demanda para o meu queijo de crescer” declarou ela a um jornal local.

Carmody passou então a ser reconhecida como parte de uma geração produtores rurais que, nas últimas três décadas, ajudou a consolidar e diversificar a fabricação de queijos no país. Eles trouxeram para a Irlanda a experiência na produção de queijos de leite cru de países como Holanda, França, Inglaterra e Alemanha (leia a matéria completa).

Produzindo o queijo “Boca”

Na Fazenda Orgânica Beal, a higiene é uma norma, o sanitarismo não. As maiores preocupações de Carmody para produzir um queijo não relacionam-se, por exemplo, a pasteurizar o leite ou retirar objetos de madeira da produção, mas sim com a alimentação de seu rebanho, evitando que este consuma qualquer tipo de fertilizante químico.

Segundo ela, é a qualidade do leite que faz a diferença para se produzir um bom queijo. “Nós exportamos uma grande quantidade de fertilizantes e o trazemos de volta quando compramos cereais para alimentar as vacas. Usar o leite de vacas que pastam na grama de verão é o melhor para o queijo porque ele vem limpo”, disse ela no livro “Vivendo da terra: mulheres agricultoras de hoje” (Living of the land: women farmers of today).

Segundo ela, o frio e a umidade não contribuem para a qualidade do produto, por isso, o queijo é produzido apenas durante os meses de verão (junho, julho e agosto). Nessa estação, devido as cotas de leite existentes no país, há um excedente de produção. Dessa forma, o queijo tem se tornado uma boa alternativa para agregar valor à matéria-prima.

Participei da última produção de queijos da fazenda em 2012. Antes disso, Carmody mostrou-me o relatório semestral do seu leite, que chegou durante meu período na fazenda. Seu leite foi aprovado em testes de E. Coli, Listeria monocytogenes e tuberculose, todos eles pagos pelo governo irlandês.

Casa de queijos

A casa de queijos da fazenda segue as normas da legislação local e da União Europeia, mas não se assemelha com aquelas que os produtores de Minas Gerais têm sido obrigado a construírem, se quiserem vender o queijo legalmente dentro do estado.

O local é de alvenaria, mas as paredes não são azulejadas, apenas o piso, que tem o tom amarronzado. A janela permanece fechada, mas não é coberta com telas. A água utilizada é a da torneira, uma vez que na Irlanda esta é potável e todos a bebem. Não é necessário a adição de cloro.

As prensas e as prateleiras onde os queijos são produzidos e maturados são de madeira, de modo que o local tem mais as características da produção familiar do que a de um laticínio industrial.

O queijo Beal pesa entre oito e dez quilos, tem o miolo amarelado, com pequenas rachaduras, e a casca marrom escuro, também é comestível. O sabor é picante e ardente. O tempo de maturação varia entre nove meses e dois anos, período importante para garantir o melhor sabor do produto.

Carmody acredita apaixonadamente na segurança de seus queijos. “Nesta época de recessão as pessoas estão procurando valor para o dinheiro e muitos estão voltando para cozinhar sua própria comida. Qual a melhor comida para cozinhar do que a comida local, sazonal e orgânica? Muito do chamado ‘alimento barato’, cheio de trigo e cargas de soja, criou a primeira geração de crianças que morrem antes de seus pais. Temos uma epidemia de doenças cardíacas e de diabetes”, afirma ela.

Um queijo que conquista pela boca

Em 2010, com o país em crise, tendo perdido seu marido para um câncer e com os bancos burocratizando qualquer forma de financiamento para uma mulher sozinha, Carmody encontrava-se em sérias dificuldades financeiras.

Sem outras alternativas, ela apareceu então em um programa da televisão local para tentar um financiamento que a possibilita-se continuar fabricando um novo tipo de queijo, que ela havia criado recentemente. Na ocasião, ela levou alguns dos seus queijos para tentar convencer um grupo de empresários a conceder um financiamento para seu produto. Em rede nacional, os participantes do programa fizeram a degustação do queijo Beal.

Por fim, Carmody saiu do programa com €50 mil (cerca de 132 mil reais) e seu queijo conhecido nacionalmente. Foi mais uma vitória dos queijos Beal, que tem convencido pelo boca e se espalhado por toda a Irlanda.

 Saiba mais sobre a experiência de Leonardo na fazenda.

Fotos: Leonardo Dupin

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