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Burocracia brasileira corta uma top chef

Tradução da matéria Brazilian Bureaucracy Chops A Top Chef Foto: Léo Aversa

Nem Mesmo uma estrela Michelin poupa você de uma lei anacrônica.

No fogão, Roberta Sudbrack é uma estrela de rock. Uma chef autodidata que começou com um carrinho de cachorro-quente, comandou a cozinha do Palácio da Alvorada e foi eleita melhor chef da América Latina em 2015. Antes de a economia do Brasil desabar, e ela fechar seu épico restaurante no Rio de Janeiro, Sudbrack recebeu uma estrela Michelin.

Quando uma equipe de 15 inspetores invadiu seu stand no Rock in Rio, o problema não estava da cozinha de Sudbrack. Era a manifestação de algo muito familiar no Brasil: a tradicional e latente burocracia.

Afinal, ninguém havia sugerido que os 160 quilos de queijo artesanal e salsicha que os inspetores de saúde apreenderam no estande de Sudbrack, além de mais 850 quilos de ótimos ingredientes que interceptaram em sua despensa, estavam estragados. Sudbrack estava vendendo alimentos selecionados com os dedos, não embalados. Ela garimpou os melhores e mais confiáveis produtores em todo o Brasil, uma prática que adotou nos últimos 20 anos em pratos exclusivos, como o caviar vegetal e o quiabo defumado. Seu erro fatal? Um selo faltante, que no Brasil equivale a uma ofensa federal.

Ironicamente, as regulamentações brasileiras de alimentos são muito parecidas com as telenovelas do país, um rococó tecido pela superposição de autoridades municipais, estaduais e federais, cada uma com seus próprios papeis e regras. Os produtos despachados para a venda em um estado não podem ser vendidos em outro sem a chancela dos inspetores nacionais, um processo oneroso que os pequenos produtores não podem pagar e, de forma mais compreensível, evitar.

Assim, tudo que Sudbrack esperava oferecer durante os shows do festival mais pop do país – comidas gourmet para a marca pop gourmet – foram consideradas contrabando e destinadas ao lixo. Sudbrack decidiu encarar suas perdas (cerca de US $ 128.000) e fechou sua operação, uma dos quatro mais renomadas durante o Rock in Rio.

Um dos protestos mais sinceros veio genuinamente dos garis do Rio, encarregados de descartar alimentos em perfeito estado. Graças a uma ordem judicial, Sudbrack ganhou uma liminar para salvar o restante do estoque e, assim, destiná-lo à doação. Mas a mensagem da Vigilância Sanitária era clara: deixe-os comer burocracia. Uma ironia mais desagradável: o selo de inspeção federal que faltava à comida de Sudbrack já havia sido confrontado em um escândalo envolvendo carne contaminada de um grande indústria do país.

Os chefs e pequenos produtores do país uniram-se à Sudbrack e criticaram as barreiras legais arcaicas ao artesanato dos produtos locais. “Vergonhoso!”, eles choraram em um vídeo de protesto. Brasília não é completamente surda a esta questão. Em 2015, o Ministério da Agricultura modificou seus protocolos para isentar produtores artesanais ignorados pelos rigores “exclusivos” da inspeção federal. No entanto, porque a renúncia a este selo federal ainda configura roubo, “não teve o impacto que esperávamos”, disse Decio Coutinho, um consultor de saneamento para a Confederação Brasileira da Agricultura e Pecuária, um tradicional lobby de agricultores .

Coutinho deveria saber. Ele escreveu a nova regra enquanto estava no Ministério da Agricultura. Agora ele atua com produtores para tentar alterar a lei. “Os inspetores no Rio fizeram o seu trabalho legal, mas a questão é a de saber se a lei faz sentido”, disse ele. Tome como exemplo Torixoreu, cidade onde nasceu Coutinho, no Mato Grosso: os produtores locais são legalmente impedidos de vender os seus produtos para a cidade vizinha, separada por uma ponte. Enquanto isso, produtos industrializados (e de qualidade duvidosa) circulam livremente, sem nenhum impedimento.

Uma solução mais razoável para o Brasil seria padronizar os procedimentos de inspecção. “As regras são incoerentemente rígidas”, disse André Nassar, especialista em agricultura brasileira, da consultoria Agroicone. “Os estados devem confiar uns nos outros.” Esta mentalidade poderia garantir a lei respeitando os chefs (e seus fornecedores locais), que têm respaldo e credibilidade para proteger os clientes e continuar a servir os melhores sabores do Brasil.

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