Por Carlos Alberto Dória
Mara Salles, proprietária do restaurante Tordesilhas em São Paulo, gosta de viajar e dar de cara com novidades. Ao encontrá-las, as transforma em itens do seu cardápio. Foi assim com a região da Canastra, que visitou em mais de uma oportunidade, conhecendo produtores de queijos que, entre o dia 29 de maio e 2 de junho apresentou no seu restaurante, em menu especial elaborado tendo como referência o universo gustativo da região.
Depois do cliente experimentar, logo na entrada, queijos variados de alguns produtores, como João Leite e Luciano Carvalho Machado, começa o ritual da comilança.
O lobozó é o primeiro prato do menu especial que Mara dedicou à Canastra. É prato que se come no restaurante Zagaia, no centro de São Roque de Minas, e mistura quiabo, jiló, taioba, ovos, queijo Canastra e farinha de mandioca. Na versão de Mara Salles, o legume era o jiló.
O segundo prato, um ovo caipira pochê em soro de leite, com uma tira de toucinho defumando frito e tempero de pimenta, de origem indígena, chamado jiquitaia. Para o meu gosto, o melhor da noite. Depois, uma salada de folhas com queijo frito ao molho de jabuticaba.
O quarto prato, abobrinha cortada em tiras finas, imitando um talharim, ao molho de 3 queijos (fresco, meia cura e curado) e tomates confitados e temperados com aliche. O quinto prato, uma galinha caipira de panela, acompanhada por um mexidinho de arroz com queijo curado e pimenta de cheiro.
Por fim, como sobremesa, mistura de frutas frescas (cupuaçu) e em compota, com nata batida e uma telha (galette) de queijo Canastra.
Desse modo, em meia dúzia de passos, Mara Salles faz o cliente viajar por sabores brasileiros, ancorados especialmente na Canastra, sem ter que se ater às receitas tradicionais. A gastronomia que mostrou é uma evocação, mais do que um culto à tradição. Uma evocação que põe no centro das atenções valores culinários da região, mostrando a versatilidade dos seus queijos e, de quebra, de outros produtos do leite que lá se produz (a nata, o soro).
Do ponto de vista do seu próprio trabalho, Mara mostrou também um deslocamento que tem sido cada vez mais constante: a maturidade para experimentar, libertando-se da camisa de força das receitas tradicionais. Afinal, a busca do prazer não exige regras, protocolos ou história. Ele se dispõe para a gente é no meio da cozinha, se nos permitirmos parodiar Guimarães Rosa.