por Alisson Paiva e Leonardo Dupin
Helvécio Ratton é cineasta, produtor e roteirista. Mineiro, nascido na cidade de Divinópolis, já realizou diversos trabalhos pelos quais se tornou reconhecido no meio cinematográfico. Dentre suas principais produções estão “O Menino Maluquinho”, “Batismo de Sangue” e “A Dança dos Bonecos”. Em entrevista ao site o cineasta conta sobre seu último projeto “O mineiro e o queijo”, que teve a parceria da SerTãoBras e acaba de ser finalizado. O filme mostra a situação dos queijos de leite cru de Minas Gerais, patrimônio sócio-cultural ameaçado por uma legislação contraditória e inconsistente. Leia a entrevista:
Assista ao trailler:
Entrevista com Helvécio Ratton
DE ONDE SURGIU A IDEIA DE FAZER UM FILME SOBRE O QUEIJO EM MINAS GERAIS?
RATTON: Minha relação com os queijos vem de família. Desde pequeno eu sempre comi muito queijo porque eu vivi no interior e minha família gostava muito. Porém, foi em 2002, quando o queijo Minas artesanal foi tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais [Iepha], que eu comecei a pesquisar e ler mais sobre o assunto. Aí tive vontade de fazer um documentário sobre o tema, mas ainda sobre um ponto de vista cultural. Ao longo desse processo de pesquisa eu descobri as contradições que cercam o queijo, como as proibições e as dificuldades de comercialização, o que me despertou ainda mais o interesse, acrescentando, porém, um outro olhar à história desse queijo.
VOCÊ TINHA PRODUTORES DE QUEIJO EM SUA FAMÍLIA?
RATTON: Não, mas a minha família por parte de pai é de São João del Rei. E foi lá onde começaram as coisas, pois a questão do leite e do gado em Minas teve início naquela região. Inclusive, São João del Rei era conhecida por “São João dos Queijos”. Então, pode-se dizer que a minha família já tinha uma ligação histórica com essa tradição.
E COMO FOI VIVENCIAR DE PERTO A RELAÇÃO DO PRODUTOR COM O QUEIJO?
RATTON: Temos que considerar que o queijo dá uma vida muito maior à fazenda. Os excedentes da produção, por exemplo, também são utilizados para outras finalidades, como o soro que é usado para alimentar a criação da fazenda. Ou seja, o queijo é um elemento econômico importante na vida de aproximadamente trinta mil famílias produtoras em todo o Estado. E poderia ser muito maior se esse queijo pudesse ser comercializado em outros estados, pois assim eles estariam ampliando, e muito, seu mercado. Além de valorizar mais seu produto. Isso sem contar aquelas que estão ligadas à distribuição, à venda, ao comércio, dentre outras atividades ligadas a essa cadeia produtiva.
O produtor até conhece suas vacas pelo nome. Enquanto os laticínios recebem caminhões de leite que nem sabem de onde vêm. É claro que ele vai ser pasteurizado (…). Com isso pensamos: por que o queijo industrial chega ao mercado com o preço muito mais alto, sendo que o artesanal é feito com muito mais cuidado, com um leite de altíssima qualidade e o gado bem cuidado?
DE QUE FORMA A LEGISLAÇÃO INTERFERE NESSE PROCESSO?
RATTON: Há uma Legislação Federal que, desde 1952, proíbe a venda interestadual dos queijos de leite cru, ou seja, tem mais de 50 anos. E ela se baseia em normas sanitárias norte-americanas, que praticamente definem que o produto tem que ser feito de leite pasteurizado. Basicamente é isso. As normas estipuladas para a produção desses queijos, como a maturação de 60 dias, praticamente inviabiliza a produção e a venda desse queijo. Se você pensar no pequeno produtor, como é que ele vai poder estocar durante 60 dias a produção dele? E, somado a isso, o mercado hoje está muito mais interessado no queijo mais fresco, porque as pessoas perderam o hábito de comer o queijo maturado.
NA SUA VISÃO, A LEGISLAÇÃO PREJUDICA O PEQUENO PRODUTOR?
RATTON: Com certeza. A legislação impede que o produtor possa ter uma vida melhor com o produto do trabalho dele, porque ela não lhe assegura que possa colocar seu queijo artesanal no mercado. Durante as filmagens nós percebemos essa distorção. Vimos o carinho com que esses produtores fazem o queijo artesanal, diferente do modo industrial. O produtor até conhece suas vacas pelo nome. Enquanto os laticínios recebem caminhões de leite que nem sabem de onde vêm. É claro que ele vai ser pasteurizado, mas não se compara ao processo de produção do artesanal. Com isso pensamos: por que o queijo industrial chega ao mercado com o preço muito mais alto, sendo que o artesanal é feito com muito mais cuidado, com um leite de altíssima qualidade e o gado bem cuidado?
O queijo não mata ninguém. Como dizem os produtores, ‘se queijo fizesse mal a gente teria uma epidemia de queijo, em função da quantidade de queijo que a gente come’. (…) É por isso que eu digo que há, por trás desses argumentos, o lobby da grande indústria. Parece que o que se pretende com essa legislação é que o pequeno produtor forneça o leite para os laticínios e as indústrias, porque precisam de grande quantidade para pasteurizar.
QUAL É, HOJE, O ARGUMENTO DAQUELES QUE DEFENDEM ESSA LEGISLAÇÃO?
RATTON: Aqueles que são contra o queijo de leite cru dizem que o problema é a bactéria Staphylococcus aureus, que pode desenvolver uma toxina. Nesse caso, ele poderia causar algum mal-estar na pessoa, tipo dor de cabeça e dor de estômago, que são sintomas tranquilos, que passam. Ou seja, o queijo não mata ninguém. Como dizem os produtores, “se queijo fizesse mal a gente teria uma epidemia de queijo”, em função da quantidade de queijo que a gente come. Então, são argumentos que, na verdade, não se sustentam. É por isso que eu digo que há, por trás desses argumentos, o lobby da grande indústria. Parece que o que se pretende com essa legislação é que o pequeno produtor forneça o leite para os laticínios e as indústrias, porque precisam de grande quantidade para pasteurizar.
NO FILME VOCÊ ABRE BASTANTE ESPAÇO PARA ESSAS PESSOAS QUE SÃO CONTRA OS QUEIJOS DE LEITE CRU. POR QUÊ?
RATTON: Com o filme eu quis abrir o leque dessa conversa em torno do queijo, mostrar que é preciso que todos os lados participem desse debate e que apresentem seus argumentos. A minha postura foi de que a situação do queijo é complexa e não dá pra gente ter uma posição simplista. É óbvio que a gente deseja legalizar, mas temos que considerar que existem pessoas contrárias a isso. Há um conjunto de pessoas e instituições envolvidas nessa história. Por exemplo, a Universidade Federal de Viçosa, que tem pesquisas nesse sentido, os órgãos do Estado de Minas Gerais que também têm um trabalho desenvolvido, o Ministério da Agricultura que até hoje tem uma posição contra. Há uma série de olhares e posições diferentes. Achei melhor abrir esse espaço porque podemos derrubar os argumentos ultrapassados e mostrar que esse queijo pode ser comercializado.
E COMO SE POSICIONAM OS CONSUMIDORES?
RATTON: O que acontece é o seguinte: por um lado o mercado se acostumou a comer queijo fresco, porque antes você tinha dificuldade de circulação que hoje não há mais. Se você pensar que há 50 anos atrás era muito mais difícil ir nas fazendas buscar o queijo, nessa época as pessoas consumiam queijos maturados, porque era preciso para suportar a viagem até as cidades. Mas hoje, com a facilidade de transporte e melhoria das estradas, o comerciante pode levar um queijo mais fresco para o mercado. Com isso, até criou-se a ideia de que o queijo branco seria mais saudável do que aquele mais curado, como se este tivesse mais gordura – o que é uma asneira, porque durante a maturação o queijo apenas perde água, ele não ganhou mais gordura nem tornou-se menos saudável por isso. Aí eu reforço que essa legislação se baseia em posições obsoletas, porque estão relacionadas com pesquisas e dados de muitos anos atrás. Hoje sabemos que o produtor pode ter um leite de boa qualidade com o controle do rebanho. E se o queijo é feito em condições higiênicas boas, não tem problema. E durante o processo de maturação, as bactérias boas prevalecem e eliminam-se as ruins. Ou seja, se o queijo está maturado, não há problemas para o consumidor de comer esse queijo.
APÓS AS FILMAGENS, COMO VOCÊ CARACTERIZA A RELAÇÃO ENTRE O MINEIRO E O QUEIJO, TEMA QUE DÁ NOME AO DOCUMENTÁRIO?
RATTON: A relação que temos com o queijo é fortíssima. Talvez ele seja o produto cultural mais importante em Minas Gerais. Porque nós começamos nossa história em Minas fazendo queijo. Foi através dele que o homem conseguiu se fixar na terra após o período da mineração. E, apesar disso, os produtos da agricultura familiar ainda sofrem muito preconceito e enfrentam uma legislação muitas vezes proibitiva, atrasada. Enquanto aqui no Brasil os produtores encontram uma série de dificuldades, em outros países, como França, Portugal, Itália e Suíça, esses produtos são cada vez mais valorizados, inclusive o queijo de leite cru. Os produtores até recebem subsídios do Governo para manterem essa tradição. No nosso país temos uma grande contradição, porque ao mesmo tempo em que reconhecem o modo de fazer esse queijo artesanal como patrimônio imaterial, que é produzido há mais de 300 anos, não permitem que ele seja comercializado. E isso é muito triste.
O QUE ESTE FILME ACRESCENTOU EM SUA CARREIRA?
RATTON: Primeiramente, fazer esse documentário permitiu a mim e minha equipe visitar algumas fazendas muito interessantes. Eu destaco um visual muito bonito, como é no Serro e na Canastra, que estão em situações geográficas privilegiadas. Outro aspecto é o próprio queijo, que é uma peça muito fotogênica. O processo de fazer o queijo e seu modo de produção também é: a cor que ele vai pegando quando matura, ou ele já cortado. Tudo isso enriqueceu muito o filme. Isso sem falar das pessoas que encontrei lá. Os produtores de queijo são pessoas muito interessantes, no sentido de que são guardiões de um saber que receberam de gerações anteriores e se preocupam em conservar. Eles têm consciência de que são continuadores de uma cadeia que vem de muito tempo.
COMO FOI O APOIO DA SERTÃOBRAS NESSE TRABALHO?
RATTON: A SerTãoBras está no projeto do documentário desde o início. E foi muito importante porque nela eu encontrei pessoas interessadas na legalização do queijo de leite cru e na situação dos produtores rurais. Tive contato com pessoas que vem estudando o queijo, que conhecem a legislação, que sabem o que acontece em outros países e que vem trabalhando com esses produtores. Além disso, a SerTãoBras também nos indicou pessoas para que nós procurássemos em cada lugar, os produtores, enfim, várias informações sobre este mundo. E, claro, eu não poderia deixar de falar do apoio financeiro que esse filme teve, o que foi decisivo para ele ser realizado. E isso é importante para divulgar essa ideia, porque pouquíssimas pessoas sabem sobre a real situação do queijo.
FALE DO PROJETO DE LANÇAMENTO DO FILME E DOS DESDOBRAMENTOS ESPERADOS
RATTON: A primeira versão do filme acabou de ficar pronta. É um longa-metragem de 70 minutos. Primeiramente faremos pré-estreias, seguidas de debates e degustação de queijos nas capitais (Belo Horizonte, Rio, São Paulo e Brasília). Nós inclusive pensamos em trazer os produtores dessas regiões para que eles possam apresentar seus queijos aos consumidores. Em um segundo momento, o filme será exibido também em salas de cinema. Claro que é diferente de um filme comercial, até porque trata-se de um documentário cujo tema é bastante específico. Mas nós sabemos que existe um público muito interessado em assisti-lo, por isso acreditamos que esse filme merece estar nas salas de cinema. Posteriormente pretendemos lançá-lo em DVD, que será uma versão um pouco menor para televisão, de 52min.
EXISTE ALGUM MOMENTO DAS GRAVAÇÕES QUE VOCÊ DESTACA?
RATTON: O que mais me encantou foi o encontro com essas pessoas, os produtores e suas famílias. Primeiro pela dignidade e por esse amor que eles têm por aquilo que fazem. Nós nos identificamos com eles porque no fundo, nós que não somos de Hollywood, também somos produtores artesanais. Assim como cada filme é um filme pra nós, o queijo é único para eles. Lá, encontramos pessoas muito simples, apaixonadas pelo que fazem e que nos receberam muitíssimo bem – sempre com cafés, queijos e pães-de-queijo maravilhosos. Aliás, o filme termina com uma imagem de um pão de queijo que é aberto. E no DVD nós vamos fazer um Extra fabuloso que é a receita “daquele” pão de queijo.
Leia a matéria: “O mineiro e o queijo” no cinema
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En (tallo verde): el hueso está incurvado y en su parte convexa se observa una línea de fractura que no llega a afectar todo el espesor del hueso.