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Micróbios e bactérias: a revolução culinária 2.0

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A atual grande aventura é a
exploração do mundo microbiano.
Pão, vinho, cerveja, queijo, fermentação:
essa nova cartografia vai transformar o imaginário alimentar

Por Richard C. Delerins, Antroplólogo da Ecole des hautes études en sciences sociales (EHESS), professor na Université de Califórnia. Publicado no jornal Libération em 26/10/2015, traduzido por Débora Pereira.

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Bactéria Proteus Vulgaris, comensal do tubo digestivo, vista em microscópio eletrônico (ampliação x16000). Esta bactéria está presente naturalmente no intestino, mas pode ser patogênica em indivíduos imuno-deprimidos. Photo T. DEERINCK, NCMIR / SPL / COSMOS

Em junho, o engenheiro Rob Rhinehart, 26 anos, fundador da empresa Soylent (uma start-up) foi consagrado pela Inc. Magazine como o “jovem empresário mais inovador de Los Angeles.” Desde 2013, a empresa Soylent comercializa uma bebida em forma de pó para ser misturado com água, destinado a substituir todos os nossos alimentos, economizar tempo e dinheiro que gastamos em refeições. Este é o filme de ficção Soylent Green (1970) que inspirou Rhinehart. Ele retrata um mundo onde a agricultura quase desapareceu, e onde as pessoas são reduzidas a comer comprimidos sintéticos fabricados pela Soylent multinacional. Uma visão radical do ato de comer como “combustível”, em um mundo higienizado sem geografia, sem vida.

A história da comida desde o Neolítico é uma história de vida, através da domesticacão de animais, plantas e microorganismos através dos fermentos. Com o tempo, nossos sistemas culinários incorporaram essas forças misteriosas através da fermentação. Pensava-se que o fermento tinha “a propriedade, ao ser misturada com uma substância de natureza diferente, de converter, mudar a própria natureza dessa substância”. Desde a Idade Média, a maioria dos queijos foram “inventados” sob o controle da igreja, por monges isolados, que abriam suas celas no momento certo para divulgar queijos como o pont-l’évêque, o saint-marcellin, o sassenage, o munster, e mais tarde, o port-salut.. Pasteur renovou todas as crenças sobre a vida no final do século XIX: os microrganismos funcionam muito bem para processar laticínios. E as culturas culinárias estão profundamente marcadas por micróbios, leveduras, “bactérias boas”: pão, vinho, cerveja, queijo, missô, kombucha e outros são marcos de nossas geografias alimentares.

A Genômica e a bioinformática pertubam as cartografias pasteurianas, permitindo ler o “mundo microbiano” em paisagens surpreendentes como nos campos de petróleo, calotas polares e no fundo do oceano. Em setembro de 2014, o primeiro zoológico microbiano (Micropia) abriu em Amsterdã (1): Adeus leões, girafas, elefantes! Viva as bactérias, fungos, vírus, micro algas e cogumelos! Explorando os “micro vivos” nas profundezas do corpo humano, quase 9 em cada 10 células são micróbios. Eles vivem em nós, formam ecossistemas complexos, estão envolvidos no desenvolvimento de proteínas e vitaminas pelas bactérias intestinais, e educam o sistema imunológico. Um quilo e meio de micróbios contribui diariamente para a nossa digestão e nossa saúde.

Rob Knight é um dos pioneiros na exploração de territórios microbianos. Em seu laboratório, em La Jolla (Universidade da Califórnia, San Diego), ele recebe amostras de micróbios de todo o planeta, das arqueobactérias de sedimentos marinhos do fundo do Pacífico aos micróbios que habitam o ninho de uma coruja no Alasca. Para identificar a seqüencia do genoma das comunidades microbianas ele utiliza os algoritmos computacionais de genética do programa Earth Microbiome Projet.

Novas paisagens e novas cartografias da Terra alimentam um projeto de ciências: Human Food Projet, que tenta desvendar a co-evolução entre homens e micróbios. “Bons micróbios”, “micróbios malvados”, quais são os mais úteis para a nossa saúde e para a nossa alimentação? Este programa destina-se mapeamento microbiano do sistema digestivo dos norte americanos.

Earth Microbiome Projet  é uma empresa de “bioprospecção” que se assemelha ao projeto de coleta vegetal do mundo lançado no final do século XVIII pelos naturalistas europeus. Um desafio científico, mas também econômico. Na época, a concorrência entre os europeus era violenta. Pierre Poivre rouba, em 1753, a noz-moscada e cravo dos holandeses para introduzir nos quintais das Ilhas Mascarenhas. Utopias alimentares surgiram como a “árvore de pão” que veio em socorro dos famintos. Novas rotas comerciais criaram novos hábitos alimentares.

Também hoje, a exploração do mundo microbiano é uma aventura científica e comercial sem precedentes. Esta história começou nos anos 1900 em Paris, onde Elie Metchnikoff (1845-1916), zoólogo russo e bacteriologista do Instituto Pasteur, estuda as bactérias do leite coagulado (as probióticas) – contribuindo, segundo ele, para aumentar a longevidade humana, especialmente a Lactobacillus bulgaricus, do iogurte búlgaro. Em 1908, Metchnikoff ganhou o Nobel da Medicina.

No calor dessas emoções, Isaac Carasso lançou em Barcelona, e em seguida na França, uma empresa comercial de iogurtes a que deu o nome de Danone. A nova cartografia de territórios microbianos e especialmente da microbiota abre a imaginação culinária. A revolução da Comida 2.0 está lançada. Mais do que nunca, comida é informação. Em escala planetária para uma nova batalha geopolítica.

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