Letícia Aparecida Cruvinel, 30 anos, nativa de Medeiros na Serra da Canastra é Mestre em Sustentabilidade e Tecnologia Ambiental, pelo Instituto Federal de Minas Gerais campus Bambuí (IFMG). Bióloga, (UFV – 2014) ela decidiu estudar a intimidade do queijo Minas artesanal canastra, do qual a sua família é produtora. Leia abaixo a entrevista onde ela conta sua história.
O que motivou a realizar essa tese? Qual a sua relação com o queijo minas artesanal?
LAC: Sou filha de produtor rural, morei na fazenda até os 15 anos de idade e desde que consigo me lembrar meus pais têm como principal fonte de renda a produção do Queijo Canastra.
A vida do pequeno produtor não é fácil e desde nova sempre quis estudar para melhorar as condições da minha família. Quando terminei a faculdade comecei a trabalhar em uma associação de produtores rurais (APROCAME) e com isso estreitei ainda mais as relações com o queijo e seus produtores, o que me levou a perceber que mesmo aqueles que possuem mais oportunidades e destaque na comercialização do queijo ainda enfrentam desafios.
Por se tratar de um produto artesanal, com relativamente poucos estudos, a legislação que engloba o Queijo Canastra ainda é muito falha e se baseia em produtos industrializados, o que acaba por muitas vezes exigir do produtor mais do que o mesmo consegue realizar.
Quando iniciei o Mestrado meu orientador sugeriu que aproveitássemos o fato de eu ter crescido na região para criarmos um projeto que realmente pudesse beneficiá-la. Naturalmente escolhemos o queijo canastra.
Qual a descoberta que mais te deixou feliz durante o processo de pesquisa? E qual a maior frustração?
LAC: Eu acho que o que mais me deixou feliz foi identificar os principais pontos do processo de produção que favorecem a qualidade do produto final, possibilitando que o produtor possa direcionar sua produção a fim de favorecer as características vantajosas, que agregam valor ao seu produto. Na pesquisa científica mesmo os resultados não são esperados podem nos direcionar a novos objetivos e descobertas, principalmente em uma área que somente vem tendo destaque nos últimos anos. Tudo é novidade.
Como foi sua relação com os produtores artesanais durante a pesquisa? Qual a reação deles frente aos resultados da pesquisa?
LAC: Muito tranquila, todos foram muito receptivos e interessados, o que nos motivou ainda mais. Tomamos muitos cafezinhos com queijo durante as coletas. Observei muitas reações, desde susto pela quantidade de microrganismos encontrados. Esses são os grandes responsáveis por conferir as características desejadas ao produto. Tive surpresa por aqueles que não esperavam a tamanha importância da maturação no processo de produção e também uma confirmação, para aqueles produtores que já imaginavam a importância do fermento endógeno (pingo), métodos de higiene e maturação para segurança do produto final. A semelhança da microbiota do fermento endógeno com o produto final surpreendeu a todos de uma forma positiva.
Você é produtora de queijos também?
LAC: Sim e não. Auxilio meus pais em sua produção, entretanto quem toma conta de todo o processo são eles, hoje colaboro mais auxiliando na parte administrativa. Meus pais fazem parte do grande grupo de produtores que ainda comercializam seu produto através de atravessadores (queijeiros), embora mantenhamos o rebanho devidamente vacinado, e pratiquemos as boas praticas de fabricação exigidas na legislação.
Tese: CARACTERIZAÇÃO DAS COMUNIDADES PROCARIÓTICAS DO QUEIJO MINAS ARTESANAL CANASTRA E SUA IMPORTÂNCIA PARA SUSTENTABILIDADE (PDF)
RESUMO
O Queijo Minas Artesanal Canastra é o produto típico mais importante da região da Serra da Canastra, sendo a principal fonte de renda da população regional. Seus aspectos físicos e sensoriais se devem às condições da região em que é produzido e ao modo de preparo, que promovem uma seleção de microrganismos capazes de conferir as características que agregam valor ao produto. Por isso, é essencial que se conheça a fundo a composição microbiana desse produto, bem como a sua dinâmica ao longo do processo de produção, a fim de avaliar quais grupos agem em qual fase do processo, onde surgem e quais são os benéficos e os prejudiciais para a composição do produto final. Sendo assim, este trabalho se propôs a caracterizar as comunidades bacterianas presentes ao longo do processo de produção do Queijo Minas Artesanal tipo Canastra, entre diferentes produtores. Para isso, foi usada a técnica de metagenômica – técnica de identificação independente de cultura – por meio da qual são possíveis a obtenção de milhares de sequências de DNA e a caracterização de qualquer comunidade bacteriana presente numa amostra. O estudo da dinâmica desses grupos ao longo do processo de produção revelou que a microbiota presente no produto final assemelha-se mais à microbiota do “pingo”, destacando a sua importância no processo de produção. A análise de composição das comunidades indicou que possivelmente, os microrganismos que geram as características que desagregam valor aos produtos estão nas fontes que constituem os utensílios e as instalações de trabalho dos produtores. O gênero Staphylococcus, que abriga espécies patogênicas, apresentou perda de frequência relativa durante o processo de maturação, nas fazendas de alto valor agregado, e aumento da frequência nas fazendas de baixo valor agregado, o que é um sinal de alerta, visto que bactérias desse gênero podem levar à intoxicação alimentar. O conhecimento da microbiota associada ao processo de produção desse tipo de queijo permite que possam ser identificadas as portas de entradas de microrganismos prejudiciais ao processo, permitindo um maior controle desses microrganismos e, consequentemente, um aumento do valor agregado do produto final – fator que pode garantir a sustentabilidade deste processo produtivo local, importante para região da Serra da Canastra.
Palavras-chave: Biologia Molecular. Queijos Artesanais. Revisão Sistemática.