Ao pé da Serra da Canastra, propriedade se antecipa à Lei 20.549 e tem queijos centenários disputados por turistas.
pelo site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais
Para quem tem leite até no nome, o amor pelo queijo nas palavras de João Carlos Leite, presidente da Associação dos Produtores de Queijo Canastra (Aprocan), soa natural. Na sua propriedade de quase 300 hectares, emoldurada pela Serra da Canastra, que desafiou os primeiros desbravadores do Brasil, o café divide espaço com a pecuária. Mas é a pequena produção de queijo canastra que ganhou o coração do fazendeiro, descendente de imigrantes da região de São João del-Rei que foi parar em São Roque de Minas, no Centro-Oeste do Estado. Não à toa, sua queijaria é considerada modelo nos parâmetros fixados pela Lei 20.549, aprovada em 2012 pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
De lá saem três variedades do queijo canastra, cuja história remonta aos colonos portugueses do Ciclo do Ouro. O merendeiro ou canastrinha, de aproximadamente 400 gramas, é vendido diretamente na fazenda por R$ 8. Já o tradicional, de 1 kg, custa R$ 20. A estrela da companhia é o Canastra Real ou Canastrão, de seis quilos, que no período colonial era produzido apenas em ocasiões especiais, como festas. Agora, é feito somente sob encomenda, com a ajuda de um “segredo de família” na fórmula. O preço dele, como o queijo, é salgado, a partir de R$ 180, em uma embalagem especial de madeira para aguçar o paladar. Independentemente do tamanho, a “alma” da Serra da Canastra é comum a todos eles, conforme João Carlos faz questão de ressaltar.
“Nosso queijo é único. Só é possível encontrar o legítimo queijo canastra na Serra da Canastra, o queijo do Serro na região do Serro, assim como o Roquefort no Sul da França. Reunimos aqui o que os franceses chamam de terroir (lê-se terroar), as condições que constituem a genética do nosso queijo”, aponta.
Essa “genética” especial do queijo canastra já foi reconhecida até pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), que no ano passado concedeu a sete cidades da região, São Roque de Minas entre elas, o título de indicação geográfica, o que já é comum com os queijos e vinhos produzidos na França. Por esse título, a região passou a ser considerada produtora exclusiva do queijo artesanal tipo canastra, impedindo que produtos de outras regiões se apoderem desse nome.
Terroir da Canastra – “A matéria-prima é a mesma em qualquer lugar do mundo, leite cru e o coalho. São o modo de fazer o queijo e os fatores regionais, o nosso terroir, que fazem toda a diferença. É a qualidade da água, o tipo de solo, flora, relevo e nosso microclima específicos”, acrescenta João Carlos.
Mas nesta lista falta ainda o carinho que até o mais leigo em queijos consegue perceber em todo o processo de produção do queijo canastra, a começar pela ordenha das 44 vacas mestiças, seis de cada vez, que começa por volta das 7 horas e vai até o fim da manhã. Apesar de a tarefa ser mecanizada, tudo começa com cada vaca e seu bezerro atendendo pelo nome ao chamado do peão, se posicionando obedientes para a ordenha: “Espadilha, Balança, Bordada, Mimosa…”
Quem sai da informalidade ganha mais
O veterinário Guilherme Ferreira, 26 anos, ainda engatinha na produção de queijos em sua fazenda, também nas serras de São Roque de Minas. Apesar do diploma de curso superior, como um aprendiz na arte de fazer queijos, ele está atento às mudanças na legislação e ouve atentamente tudo o que João Carlos diz, com um olhar de aprovação.
“Vaca sem estresse é que dá o melhor leite para queijo. É preciso, por exemplo, ter uma rotina na ordenha”, atesta o veterinário. Por isso, ele já começou a construção de uma nova queijaria, tudo de acordo com a Lei 20.549, e, deixando de lado a concorrência, admite que as instalações da fazenda do presidente da Aprocan são de dar inveja.
O ambiente é limpo e organizado, o piso lavável e o leite segue direto para a queijaria, que fica isolada do estábulo, conforme estabelece a nova lei. Há muita água para limpeza, assim como todos os equipamentos e produtos necessários para quem trabalha na ordenha e para a higienização das tetas do animal. São cerca de 300 litros por dia, o que daria para produzir 30 queijos de um quilo, não fosse a variação de tamanhos.
“Na minha interpretação, a nova lei tem quatro pilares básicos que devem ser seguidos: rebanho livre de doenças, água tratada abundante, boas práticas de ordenha e rastreabilidade do produto. Quem seguir isso está tranquilo”, aponta João Carlos. “Mas tenho consciência de que eu e mais meia dúzia de produtores de queijos em nossa região somos exceções. Para isso, apostamos nossos próprios recursos para agregar valor e hoje posso dizer que somos vitoriosos”, acrescenta.
Cadastramento – Nesse ponto, o cadastramento das queijarias, conforme estabelece a Lei 20.549, promete ser um bom negócio. Atualmente, o produtor informal chega a entregar seu queijo de 1 kg para o queijeiro por até R$ 6, conforme o grau de precariedade de suas instalações. Se vendesse ao laticínio os mesmos dez litros de leite usados para produzi-lo, poderia receber até R$ 9.
Já para o produtor cadastrado, com a tal rastreabilidade tão valorizada, o patamar mínimo de preço começa em R$ 20, podendo chegar a R$ 30, conforme a excelência do queijo. Mas João Carlos se apressa para diminuir o caráter mercantilista da atividade: “O valor não é só pelo alimento, mas produzir e consumir queijo faz parte da identidade de ser mineiro”.
“Hoje todo mundo faz queijo do jeito que dá, mas a partir de agora, com a nova lei, todo mundo vai ter que cumprir a lei, que por sinal ainda vai ser regulamentada. E nossa expectativa é de que essa regulamentação aconteça sob a ótica da pesquisa, com estudos aprofundados sobre o assunto, e isso demanda prazo. Enquanto isso, o produtor vai se adequando”, lembra João Carlos.
Mais trabalho pela frente – Nessa regulamentação da Lei 20.549, alguns gargalos precisarão ser superados, como facilitar o acesso dos pequenos produtores aos laboratórios capazes, por exemplo, de atestar a qualidade da água. “O desafio agora é adequar a regulamentação da lei à realidade dos produtores, talvez por meio de parcerias. Alguns produtores de queijo têm apenas quatro ou cincos animais. Temos somente dois laboratórios especializados em Belo Horizonte ao custo de R$ 800 por análise. Como ele vai perder o custo de um animal nisso?”, questiona Johne Santos Castro, 28 anos, veterinário da Aprocan.
Johne trabalhou por cinco anos com os técnicos franceses da ONG Fert, uma associação criada por cerealistas franceses para apoiar associações de produtores ao redor do mundo. Graças a ajuda daqueles que fazem os melhores queijos do mundo, o produto artesanal mineiro passou a ser encarado com outros olhos.
“O intercâmbio com os franceses foi excepcional. O modelo francês parece ter dado a segurança ao Ministério da Agricultura, o que permitiu que o processo caminhasse. Graças à ajuda dos franceses conseguimos também o título de indicação geográfica do Inpi”, lembra.