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Queijos curados à “la française”

Dois maturadores franceses se dedicaram a melhorar, por iniciativa de SerTãoBras e So Cheese, os queijos brasileiros, consumidos tradicionalmente frescos. Além dos ensinamentos e da experiência, a ideia é salva-guardar uma produção artesanal de grande envergadura, mas ameaçada e reduzida, até o momento, à clandestinidade…

Por Débora Pereira, 13 de março de 2014

Tudo começou há alguns meses, com a chegada dos queijos brasileiros, que atravessaram o Atlântico de avião logo após serem fabricados: os ‘Canastras’ são queijos tradicionais da região centro-sul de Minas Gerais, cuja receita lembra os queijos ‘tommes’ europeus, de leite de vaca.

Cinco meses mais tarde, veja a aparência desses queijos, após ter passado nas mãos de dois queijeiros-curadores do norte da França: consistência das cascas mais ou menos firmes, massas mais ou menos macias e aromas bem distantes dos padrões brasileiros.

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As técnicas européias, em matéria de maturação, podem ajudar os 35 mil produtores brasileiro de queijo de leite cru a salva-guardar a sua atividade? O gigante da América do Sul vive uma situação grotesca: os queijeiros artesanais, geralmente de situação econômica modesta, são proibidos de comercializar seus produtos no interior do país (entre estados), salvo se esperarem os irreais 60 dias de maturação (21 dias para Minas Gerais) e cumprirem as utópicas normas exigidas pelas autoridades brasileiras.
Essas regras foram copiadas da legislação norte-americana e justificam a cada semana a prisão de queijeiros e a destruição de toneladas e toneladas de queijo, reprimindo um comércio ilegal intenso (leia a reportagem). Os queijos são consumidos frescos, em sua grande maioria, tanto pelo hábito quanto pela ausência do desenvolvimento de técnicas de cura.

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Por iniciativa de Débora de Carvalho Pereira, colaboradora de SoCheese e da SerTãoBras, Philippe Armand (à direita) (“Les bons pâturages”, duas boutiques em Lille) e Jean-François Dubois (à esquerda) (« La Finarde », situado em Arras, que vende em diversas feiras na região de Lille) receberam a missão de curar, cada um, cinco queijos da Serra da Canastra, com uma semana de fabricação. Os dois queijeiros testaram diferentes estilos de cura em variados ambientes. Cada um trabalhou separadamente, de acordo com suas possibilidades e recursos.

Jean-François Dubois adquiriu recentemente duas salas subterrâneas (usadas para guardar pólvora na época da guerra), situadas na vila militar de Arras, que se beneficiam de uma forte higrometria (mais de 90% de umidade natural no ar); ele tem também outras salas de maturação artificiais.

Philippe Armand tem salas de maturação naturais no subsolo de uma de suas botiques em Lille, menos úmidas (60 à 70% de higrometria). Ele é especialista em curar queijos com álcool (vende o ‘Vieux Lille’, curado na cerveja e famoso por seu odor).

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No início de fevereiro de 2014, cinco meses depois, uma degustação foi realizada no consulado do Brasil em Lille. No cardápio, uma surpreendente diversidade de queijos. Uma demonstração inédita da importância da maturação para a aparência final dos queijos.

As técnicas usadas por Jean-François Dubois

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  • Estilo de cura: 
    • Método “tomme de Savoie
  • Ambiente: 
    • Sala de maturação artificial
    • Em tábua de madeira
    • 12 à 13°C
    • 85 à 95% de higrometria
    • Virado uma vez por semana
    • Escovado
  • Resultado:
    • Desenvolvimento de mucor (flor cinzenta)
    • Gosto pouco acentuado
    • Defeitos na casca

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  • Estilo de cura
    • Método “Saint-Nectaire”
  • Ambiente
    • Sala de maturação artificial
    • Sobre palha
    • 12 à 13°C
    • 85 à 95% de higrometria
    • Virado uma vez por semana
  • Resultado
    • Sem mucor
    • Massa firme e bem lisa
    • Gosto sutil e complexo

 

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  • Estilo de cura
    • Método “maroilles”
  • Ambiente:
    • Sala de maturação artificial
    • 12 à 13°C
    • Sobre prateleiras de metal
    • 85 à 95% de higrometria
    • Lavado semanalmente em água levemente salgada
  • Resultado
    • Desenvolvimento do fermento vermelho (casca alaranjada), como o queijo “maroilles”, tanto no gosto quanto no cheiro, digamos, ‘pornográfico’
    • Consistência cremosa
    • Cura muito forte (menos um mês de cura seria preferível)

 

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  • Estilo de cura
    • Método de casca natural
  • Ambiente
    • Sala de maturação natural e vazia (antiga caverna de estocar pólvora), nunca utilizada antes por outros queijos
    • 12°C em média
    • Sobre tábuas de pinheiro
    • Saturação de umidade
  • Resultado
    • Casca seca, de cor creme, com leves pigmentações brancas.
    • Massa muito macia
    • O mais apreciado na degustação (e sem dúvidas o mais próximo das características originais do Canastra)

 

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  • Estilo de cura
    • Método “mimolette”
  • Ambiente
    • Sala de maturação natural (antigas caverna de estocar pólvora)
    • 12°C em média
    • Sobre tábuas de pinheiro
    • Saturação de umidade
  • Resultado
    • Casca marrom, com pequenos buracos provocados pelos ácaros.
    • O queijo diminuiu de tamanho, perdendo muito da sua umidade, mas adquirindo uma textura muito cremosa.
    • A massa escureceu
    • Gosto forte (mas não agressivo), levemente amargo, aromas de manteiga, caramelo, alcaçuz…

 

As técnicas usadas por Phillipe Armand

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  • Estilo de cura
    • Método Pecorino
  • Ambiente
    • Sala de maturação natural
    • 60-70% de higrometria
    • 12ºC.
    • Escovado com escova de nylon e virado uma vez por semana
  • Resultado
    • Massa semi-dura, consistência seca e quebradiça.
    • Para ralar ou cortar em lascas finas

 

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  • Estilo de cura
    • Método Tomme esfregado com álcool
  • Ambiente
    • Sala de maturação natural
    • 60-70% de higrometria
    • 12ºC.
    • Lavado com cachaça uma vez por semana e escovado
  • Resultado
    • Casca de cor creme
    • Massa seca, constelada de cristais brancos
    • Levemente amargo
    • O álcool não entranhou no queijo, somente na casca.

 

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  • Estilo de cura
    • Método “tomme de cabra”
  • Ambiente
    • Queijo confiado a um produtor de queijo de cabra e curado em sala de maturação artificial
    • 75% de higrometria
    • 12ºC.
    • Virado uma vez por semana
  • Resultado
    • Casca natural com floras diferentes
    • Massa seca, mas a consistência continuou macia.
    • Gosto picante acentuado

 

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  • Estilo de cura
    • Método Vieux-Lille
  • Ambiente
    • 12ºC.
    • Queijo curado em um recipiente fechado e enrolado em tecido embebido com cachaça, regularmente trocado
  • Resultado
    • O queijo conservou seu aspecto inicial: massa compacta e muito branca.
    • Forte aroma de álcool
    • Interessante como aperitivo

 

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  • Estilo de cura
    • Queijo “testemunha” (entregue com um mês de fabricação)
  • Ambiente
    • Sala de maturação natural
    • 60-70% de hygrometria
    • 12ºC.
    • Envolvido por um filme plástico
  • Resultado
    • Quase não evoluiu, apenas um ressecamento da massa.

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Acompanhada de Cachaça Havana, café e Guaraná Antártica, a degustação durou três horas. Começou pelos queijos de gosto mais sutis e terminou com os mais fortes e marcantes. As reações foram bem variadas. Jean-Claude Kindt, cônsul do Brasil em Lille, disse estar “impressionado pela qualidade e riqueza de sabores. Esse aqui, por exemplo, curado como uma mimolette, é comparável aos queijos franceses em termos de qualidade. Ele conserva um estilo exótico e sofisticado.” Ele considera urgente que o Brasil autorize o comércio de queijos de leite cru e sua exportação : “Eu quero ser o primeiro a propor o produto na minha rede de hotéis!”.

Cristiana Morais, médica brasileira que faz estágio em Lille, adorou o mais natural (simplesmente escovado): “é o que tem o gosto mais próximo do Canastra. Mas, o queijo curado como “maroilles” é muito diferente e muito forte, eu acho que o gosto brasileiro nunca vai se adaptar.”

Um jornalista da redação, por sua vez, preferiu o queijo curado como o Saint-nectaire : “Sua massa é muito macia, delicada, nenhum defeito aparente, levemente picante e bem agradável, tem personalidade. Esse queijo foi sublimado pela cura, mas sem perder a sua alma.”

Antoine Guerra, professor de português que dá seminários de “tropicalização” para franceses expatriados disse estar “muito surpreso: todas as vezes que fui ao Brasil, nunca provei queijos brasileiros tão bons quanto esses. Essa experiência tem futuro!”.

E agora? Os resultados serão apresentados aos produtores de queijo brasileiros. Como disse Philippe Armand, “a ideia é adotar o mínimo de equipamentos possível para permitir aos queijeiros artesanais de progredir sem investir pesado”. Próximos capítulos aqui, em SoCheese…

Zoom

Brasil versus França

Se compararmos o estado de Minas Gerais, com um número estimado de 35 mil produtores de queijo (99% comercializados na clandestinidade) com a França, que tem menos de oito mil ateliês de fabricação, podemos adivinhar que o Brasil é potencialmente a nação queijeira do futuro.

Com o aumento da qualidade de vida, o consumo de produtos lácteos avança no Brasil, quinto produtor mundial de leite, mas mesmo assim obrigado a importar 28 mil toneladas de queijos em 2012. O consumo médio de queijos, por brasileiro, é de 3,5 kg por ano (longe dos 24 kg dos franceses). Em janeiro de 2014, a Revue Laitière Française publicou que a importação de queijos franceses no Brasil dobrou entre 2011 e 2013, passando de 800 à 1600 toneladas. O gosto dos brasileiros começa a mudar!

Matéria original publicada no caderno Paladar, Estadão

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2 Comentários

Luiz Donizetti Cerávolo
23/01/2015 a 06:29

Queijo poderia ser a essência de Minas, se lá não tivessem outras…Mas nossas leis retrogradas e impensadas empurram para trás, todos. Reportagem e iniciativa que alumiam caminhos…Parabéns.

Olá sertaobras

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