Linnea Burnham, 24 anos, ganhou em 2015 o prestigiado prêmio Watson Fellowship: 30 mil dólares para viajar o mundo explorando queijos, desde o Círculo Ártico até a África do Sul e Mongólia, passando pela Serra da Canastra.
Por Débora Pereira, Fotos de Linnea Burnham
11 de outubro de 2016
Queijo artesanal de leite cru é a paixão de Linnea, uma historiadora norte-americana curiosa e de sorriso generoso. Viajar o mundo com uma mochila nas costas, sua segunda paixão, foi a forma que ela encontrou para acumular conhecimento sobre queijos, com a intenção de ajudar os produtores do Vermont, região onde ela habita nos Estados Unidos.
Tudo começou quando, durante o primeiro ano do segundo grau, ela fez um intercâmbio na França, exatamente na região do queijo Comté, fronteira com a Suíça, e pode visitar fabricações de queijo. “Foi muito incrível estar em um lugar onde o queijo é o elemento central do modo de vida das pessoas” ela conta.
“Quando eu coloquei a mão na massa pela primeira vez, pude compreender a pura magia que é o leite se transformar em queijo. O resultado é um produto que é a mais bela expressão de um lugar, podemos dizer que o queijo é feito das raízes das pessoas de um determinado território” Linnea Burnham
Na volta para casa, ela fez estágios junto a produtores independentes do Vermont, um curso especial de química queijeira e realizou degustações com os amigos para falar dos conhecimentos que coletou na França. Ao mesmo tempo, começou a cursar história e literatura francesa e fez sua monografia sobre o queijo comté, o queijo tradicional mais vendido na Europa, fabricado na região de Franche-Comté. Toda essa persistência em se especializar em queijos a preparou para vencer o prêmio Watson… e a volta ao mundo começou em junho de 2015.
Viagem ao planeta queijo
Linnea viajou para a Noruega, Itália, Inglaterra, África do Sul, Brasil, Mongólia e Suíça, em busca de produtores de queijos tradicionais, nem sempre com roteiros prontos, mas com pistas de onde poderia encontrar pequenos produtores, no melhor estilo de “quem tem boca vai à Roma”. Ela passou cerca de dois meses em cada país e sempre levava um queijo de onde estava para compartilhar com os queijeiros do próximo país.
Noruega e Ártico
Junho à Agosto de 2015
De fazenda em fazenda, Linnea descobriu o queijo Brunost (em norueguês “queijo marrom”), feito de soro de leite e cozido em fogão à lenha, sendo mexido durante 10 horas para caramelizar a massa. O resultado é um queijo cremoso e escuro, curado em caves subterrâneas.
“Ao que parece, esse queijo foi crucial para a preservação da agricultura local, pois a sobrevivência dependia de usar todos os recursos disponíveis, o que inclui o soro do leite, e o resultado é um alimento nutricional denso que se conserva melhor do que os queijos brancos” ela conta. Também na Noruega Linnea descobriu Marie Fenger, uma produtora que contou a ela suas memórias de sua infância nômade, quando sua mãe ainda fabricava queijo de leite de renas. Hoje quase não existem mais povos nômade na região e a prática desse queijo foi extinta.
Itália: maior evento de queijos do mundo
Setembro à novembro de 2015
Em setembro de 2015, Linnea voou da Noruega para a Itália para participar do Cheese, evento bienal organizado pelo Slow Food. “É maravilhoso ver queijos do mundo inteiro em uma pequena aldeia“, disse ela. Durante a palestra sobre Queijos da América Latina, Linnea conheceu o produtor Guilherme Capim, que a convidou para vir ao Brasil.
Inglaterra: correndo atrás do queijo morro abaixo
Dezembro de 2015
No Reino Unido, Linnea assistiu a famosa corrida do queijo de Gloucester, onde um queijo da região é lançado para rolar em uma colina e quem consegue pegar primeiro é o vencedor. Ela também participou como jurada do World Cheese Awards em Birmingham, Inglaterra, concurso que julga mais de 2.700 queijos por ano. “Provei centenas de queijos nesse evento e nem consegui tempo para anotar o nome de cada um em uma lista“, disse ela.
África do Sul : o reino dos goudas e cheddars
Janeiro e Fevereiro de 2016
Na África, Linnea queria saber como as tradições queijeiras européias foram traduzidas por outros povos em climas diferentes. “Nesse país predominam queijos do tipo cheddar e gouda“. Como encontrar produtores locais lá não era uma tarefa fácil, ela fez um tour de mais de três mil quilômetros pelo país para visitar cinco produtores, durante três semanas. Ela também foi convidada para ser jurada no South African Dairy Championships, o concurso de queijos locais.
Brasil: surpresa na Serra da Canastra
Março de 2016
No Brasil, Linnea viajou inicialmente para Araxá e foi convidada para ser jurada do Concurso Regional de Queijo Minas Artesanal Araxá, onde lhe contaram que os produtores de queijo artesanal brasileiro estão em extinção. Depois dessa triste notícia, ela resolveu visitar a Serra da Canastra e rever Guilherme Capim, produtor que ela havia conhecido na Itália e que ela chama de “queijeiro louco e engraçado todo tatuado“.
“Eu tinha duas razões para pesquisar sobre o queijo Canastra. Primeiro eu queria entender melhor como colonizadores portugueses adaptaram os seus conhecimentos de fabricação de queijos no Brasil e eu esperava engatar uma conversa com os produtores sobre como eles protegem a herança cultural de 300 anos, apesar da adversidade. Em seguida, eu soube que 70% dos queijeiros artesanais mineiros não têm o direito legal de vender seu queijo e, só no última década, o número de produtores Canastra diminuiu rapidamente de 2.000 a 700.
Com estes números deprimentes em mente, eu esperava ver fazendas abandonadas e agricultores infelizes. Mas em vez disso, encontrei uma imagem muito positiva. O queijo Canastra, talvez como seu povo, é simples e rústico, qualidades essenciais para resistir a uma legislação tão dura. Eu estava preocupada que os agricultores Canastra não iriam lutar para defender o seu queijo, mas João Carlos Leite, Presidente da APROCAN, me contou que o queijo canastra está em um período de grande transição e mesmo que alguns agricultores tenham desistido, muitos estão encontrando forças no trabalho cooperativo. Eu saí com a impressão que esses produtores são mais fortes agora do que eram antes.”
Mongólia
Abril e Maio de 2016
Na Mongólia, Ásia, Linnea encontrou uma realidade peculiar: os produtos lácteos industriais são disponíveis nos supermercados, mas os produtos locais não são valorizados, são feitos por nômades e não são considerados de qualidade. “Fazer queijo na Mongólia é sobreviver, significa encontrar maneiras de preservar o leite por tanto tempo quanto possível e da maneira mais fácil de transportar” conta Linnea. Na prática, Chimgee e Haygaa (os produtores nômades que hospedaram Linnea) queimam estrume de vaca para aquecer o leite e fazem pequenas peças de leite coagulado seco que armazenam em sacos.
Como a cultura queijeira é uma novidade no continente asiático em geral, Linnea conversou com Tsetsgee Enkhsaikhan, segundo ela a pessoa mais entendida de queijo no país, que trabalha para as Nações Unidas. Ela declarou que “a influência da cultura ocidental na comida da Mongólia favorece a indústria de laticínios“. Linnea complementa: “mais e mais mongóis estão buscando conhecer queijos e interessados em cozinhar com ele, e ciente de que nem todo o queijo é “seco, duro e amargo” como os feitos pelos produtores locais”.
Suíça : avaliando o famoso Gruyère
Junho e julho de 2016
Na Suíça, Linnea visitou a cidade de Bulle, também conhecida como a “capital” de Gruyère, cercada por dezenas de laticínios, produtores de queijo e curadores. Lá é também a sede da instituição Interprofession du Gruyère, que administra esse queijo em todos os aspectos, desde o controle de qualidade às campanhas de marketing nacionais e estrangeiras.
Na ocasião, ela foi convidada para participar de uma avaliação oficial do queijo Gruyère com cinco meses de fabricação, listando quesitos como sabor, textura e aparência: “É um feedback valioso para os produtores” conta Linnea.
Continuando…
Após vivenciar tudo isso, Linnea confessa que ainda não acabou de escrever suas memórias de viagens em buscas de queijos: “Conversei com chefes de cozinha, com autoridades agrícolas e sanitárias, com produtores de leite e de queijo, com maturadores e diretores de cooperativas, foi muito intenso“. Uma das suas conclusões refere-se aos produtores de queijo de Vermont “Eles geralmente têm de lidar com todas as tarefas de uma fazenda – ordenha, fabricação, cura e comercialização, aqui não temos ainda a infra-estrutura, como existe na França, onde essas tarefas são realizadas por pessoas diferentes dentro da cadeia do queijo, mas penso que esse é o modelo futuro dos mercados de queijo no mundo” conclui Linnea.
Outra coisa que ela ficou surpresa foi ver tantos pequenos produtores falarem de terroir e território, mas no fundo usarem o mesmo coalho industrial vendido no mundo inteiro. “Isso me fez questionar como a globalização já contaminou a cultura do queijo tradicional”, disse ela. Ela também notou que pequenos produtores do mundo inteiro usam fermentos industriais para dar mais sabor aos queijos. “Ainda bem que no Brasil a indústria do fermento ainda não domina os pequenos produtores, que usam o pingo para acidificar o leite durante a fabricação” e não têm acesso à culturas de fermentos lácteos industriais. Mas, ela reconhece que é difícil manter essa tradição, quando a indústria oferece produtos tão eficazes, como o coalho. Ela resume: “em geral, os pequenos produtores têm muito o que aprender, a fim de ter a sua própria cultura de fermentos lácteos e seu próprio coalho.”
No momento, Linnea estuda propostas de emprego no mundo do queijo e deseja ser uma ponte entre Europa e Américas para valorizar a cultura queijeira, mas ainda não sabe onde vai se instalar. Veja em seu blog a continuação dessa aventura.
2 Comentários
È’ STATA ANCHE IN ITALIA A CUNEO ED CI SIAMO CONOSCIUTE NEL MIO NEGOZIO DI FORMAGGI ? NATURALMENTE…
È’ stata in Italia a Cuneo nel mio negozio di formaggi….