por Profª Drª Fabiana Thomé da Cruz e Jaqueline Sgarbi Santos
A proposta do presente texto é realizar breve reflexão a respeito da Instrução Normativa nº 30, de 7 de agosto de 2013 (IN 30), buscando verificar sua efetiva aplicabilidade para o caso dos queijos artesanais feitos de leite cru no Brasil. A Instrução Normativa nº 30 vem revogar a Instrução Normativa nº 57 publicada em 2011 (IN 57).
Ao comparamos as duas, observa-se que um dos pontos que muda na IN 30 em relação à Instrução Normativa anterior (IN 57) é que “A definição de novo período de maturação dos queijos artesanais será realizada após a avaliação dos estudos pelo órgão estadual e/ou municipal de inspeção industrial e sanitária reconhecidos pelo Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal- SISBI/POA.”. Esse trecho em destaque substitui a proposta do regulamento anterior, de 2011, que apontava que “A definição de novo período de maturação dos queijos artesanais será realizada por ato normativo específico, após a avaliação dos estudos por comitê técnico-científico designado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.” Ou seja, pela IN 57, ficava a encargo do MAPA avaliar os estudos sobre a diminuição do tempo de maturação para queijos feitos de leite cru. Pela IN 30, essa responsabilidade passa para os órgãos municipal e/ou estadual de inspeção que, em qualquer caso, devem ser reconhecidos pelo Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI/POA), que, controversamente, está atrelado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Dito de outro modo, o texto mudou, mas, na prática, a dificuldade para avaliar os estudos sobre a diminuição do tempo de maturação persiste. Isso acontece porque o SISBI, que remete ao Sistema Único de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA), requer que o órgão que vai atestar a validade dos estudos (Serviços de Inspeção Municipal ou Estadual) deva ser reconhecido pelo SUASA. E, nesse caso, a pergunta a ser feita é: como estão os processos de reconhecimento de equivalência dos serviços de inspeção municipais e estaduais no âmbito do SUASA no Brasil? A implementação desse sistema, que vem sendo discutido no Brasil desde 2006, tem se mostrado complexo e moroso e tudo indica que particularmente as Prefeituras têm muitas dificuldades para aderir ao Sistema. Muitas delas não possuem Serviço de Inspeção Municipal (SIM) e as que possuem enfrentam carência de estrutura física e de recursos humanos. Nessas circunstâncias, a possibilidade de adesão ao SISBI/POA, em um curto espaço de tempo, torna-se remota.
Outro ponto a ser discutido, que diz respeito a uma crítica que já era feita em relação à IN 57, refere-se ao requisito que aponta para a necessidade de a queijaria estar situada em região de Indicação Geográfica certificada ou tradicionalmente reconhecida. No que se refere às Indicações Geográficas, várias pesquisas têm evidenciado que esse é um processo abrangente, que deve ser apropriado pelos produtores e suas organizações, de modo que a decisão de adotar ou não tal ferramenta seja tomada pela maioria dos envolvidos. Forçar a construção de IGs apenas para formalizar as queijarias não faz sentido, pois inspeção e certificação consistem em processos distintos, um voltado para a o reconhecimento das condições higiênico sanitárias de produção e outro que distingue produtos com características de produção diferenciadas, seja pelo modo de fazer, seja pelas condições inerentes ao local de produção. Assim, os produtores podem almejar a formalização de seu espaço de produção de queijo e, ao mesmo tempo, não estarem ligados a um processo de Indicação Geográfica. Nessa discussão, outra questão que se coloca remete à seguinte reflexão: o que legitima que uma região seja tradicionalmente reconhecida, como já exigia a IN 57 e continua sendo requisito na IN 30? Quem vai atestar que uma região é tradicionalmente reconhecida e que instrumentos serão utilizados para isso?
Em relação ao Art. 3º, que se refere aos Laboratórios da Rede Brasileira da Qualidade do Leite (RBQL), existe uma precariedade de serviços dessa natureza nos Estados. Nessa situação, será que o produtor terá que arcar com os custos de análise do produto para adquirir a certificação? Segundo dados divulgados no site do Conselho Brasileiro de Qualidade do Leite (CBQL), atualmente existem oito laboratórios no País, sendo que na região nordeste há apenas um, em Pernambuco. O mesmo artigo da IN 30 também menciona o transporte dos queijos até entrepostos para maturação. Quantos realmente serão beneficiados diante das exigências com o transporte até o entreposto? Onde estão os entrepostos? Sabemos que existem em Minas Gerais, mas e nos demais estados, quem os criará? O Estado? As Prefeituras? Os produtores? Na maioria dos sistemas tradicionais de produção de queijos de leite cru a maturação é tradicionalmente realizada nas propriedades rurais. Com a obrigatoriedade da criação de entrepostos, o Estado introduz outro segmento (maturação externa à propriedade), sem evidências de que essa nova prática será efetiva na produção de queijos de leite cru (maioria produzido em pequena escala) e sem precisar de que forma isso acontecerá. Por fim, uma questão que fica clara é a ausência de um fórum de produtores (ainda que com todas as dificuldades que isso representa) que esteja envolvido na implantação da IN 30. Esse espaço de diálogo com produtores poderia facilitar que questões que ainda estão abertas fossem aferidas diretamente com os produtores antes de serem implantadas. A partir da contribuição dos produtores de queijos artesanais de leite cru certamente os instrumentos propostos pelo Estado teriam mais possibilidades de serem implementados com êxito.
Fabiana Thomé da Cruz – Engenheira de Alimentos (ICTA/UFRGS), doutora em Desenvolvimento Rural e pós doutoranda credenciada ao Programa de Pós-gradução em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS).
Jaqueline Sgarbi Santos – Engenheira Agrônoma (FAEM/UFPEL), doutoranda em Agronomia pelo Programa de Pós-graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar (PPGSPAF/UFPEL).
Gepac – Grupo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura
Grupam – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alimentos e Manifestações Culturais Tradicionais –
1 Comments
Parabéns a s duas pelas questões levantadas, pois a principio todos aplaudiram a normativa, mas a medida que vai se tomando conhecimento de seu conteúdo vamos vendo quantos problemas advém dela. Uma coisa que também percebi, foi como financeiramente é difícil a montagem de um entreposto , pelas exigências, pelos custos e como será difícil um entreposto com um grande número de produtores , pois como maturar e manter nos 17 dias uma quantidade grande de queijos nas prateleiras. O problema dos pequenos produtores continuam. E as cooperativas, como a do Serro, como ter todos seus cooperados em um único entreposto, levando em conta a produção que ela já recebe ? Ela vai escolher um pequeno grupo e vai deixar os outros cooperados de lado ?
abraços
Zara