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ENTERRADOS VIVOS: 13 mil queijos de leite cru da Serra da Canastra

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face 0A sociedade brasileira mostra seu repúdio em mais de 2 mil comentários, 17 mil compartilhamentos e 1,6 milhão de visualizações da foto no Facebook da SerTãoBras

Por Gregor Ramos

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) destruiu, na quinta-feira 12/11/2015, 13 toneladas de queijos de leite cru produzidos pela agricultura familiar na Serra da CanastraOs queijos estavam em dois galpões, armazenados em câmaras frias. Pertenciam a um grupo de queijeiros (comerciantes) da região. O motivo da destruição, depois de não confirmada uma denúncia de rótulos falsos, foi “manter em estoque e comercializar queijos sem registro em órgão fiscalizador e sem identificação de origem“.

O queijo destruído havia sido comprado de cerca 250 famílias de São Roque de Minas, que dependem da atividade para sobreviver, e está avaliado em R$120.000. Os produtores já haviam sido pagos pelos comerciantes de queijos. Porém, a instabilidade e temor de novas apreensões fez o preço do quilo do queijo pago ao produtor familiar cair ainda mais na região (de R$11,00 para R$8,00 o quilo). A situação de informalidade e incerteza causada pelas apreensões tem levado, nos últimos anos, vários produtores e distribuidores a abandonarem a atividade.

Dos 30.000 produtores que estima-se que ainda existam em Minas Gerais (o dado é da Emater e data 2002), apenas 256 podem vender o queijo legalmente dentro de Minas Gerais. E aqueles que podem vender o queijo fora do estado, podem ser contados nos dedos. Já os distribuidores, chamados de queijeiros, apesar de serem reconhecidos na atual lei estadual, também são criminalizados por diversas esferas do poder público. É difícil encontrar algum que já não tenha tido prejuízo com confisco de sua mercadoria em estradas.

Um semana de apreensão
em São Roque de Minas

Em São Roque, cidade ao sul da serra da Canastra, e seus arredores, calcula-se ao menos uma boa quinzena de queijeiros. Ele fazem as rotas todos os dias coletando queijos nas fazendas perdidas até mais de cem quilômetros de distância, em estrada de terra, e suas redes informais de distribuição enviam o produto para os grandes centros. Eles passam uma vez por semana em média na casa de cada produtor. Coletam o produto, levam mantimentos, insumos, cartões de celular, remédios e outras encomendas feitas pelos produtores. Nos depósitos, os produtos recebem cuidados básicos e embalagens, para as cidades de Minas, São Paulo e outros estados. Segundo pesquisa divulgada pelo Sebrae, ao menos 160 toneladas de queijo saem por mês dos sete municípios da Serra da Canastra.

A cidade gira em torno da fabricação dos queijos e seu comércio pelos queijeiros. Ter 13 toneladas de queijos confiscados gerou um clima de revolta e medo na cidade. Logo após a apreensão, autoridades locais foram a Belo Horizonte e tentaram negociar com o MAPA: “O medo é que o Ministério da Agricultura quebre a economia da São Roque de Minas, que depende da atividade”, declarou o prefeito da cidade. Porém, depois de uma semana de tentativas frustradas de negociação com o Ministério, o destino dos queijos foi o aterro sanitário do município.

A ação de apreensão foi realizada pela Polícia Federal em conjunto com o MAPA, porém os trabalhadores que estavam nos galpões e moradores vizinhos relataram a falta de educação, as grosserias e a falta de sensibilidade dos fiscais do Ministério que afirmaram que o queijo estava impróprio para o consumo humano, mesmo sem qualquer realização de exame. “Os policiais comeram o queijo oferecido a eles junto com café, já os fiscais os repreenderam e disseram que poderiam passar mal comendo aquilo”, foi o que se ouviu na cidade.

A polícia federal tinha um mandato para procurar rótulos mas não encontraram rótulos falsificados e não fizeram nenhum tipo de apreensão, terminaram o serviço deles, saíram do deposito“, conta o advogado de um dos queijeiros prejudicados. “Então o o MAPA fez essa apreensão sem nenhuma análise, e na mesma hora dão a destinação, porém sem nenhum tipo de teste que prove a insanidade para consumo humano” ele argumenta.

Questionado sobre a destruição do produto, a assessoria de comunicação do Mapa ainda não se posicionou sobre o tema. Vale lembrar que o modo de fazer de queijo de leite cru, como o da Canastra que foi enviado ao aterro sanitário, é patrimonializado no níveis estadual e federal (IPHAN e IEPHA). É o mesmo produto que foi premiado no Salão Mundial do Queijo na França em junho de 2015 e é disputado nas poucas feiras da elite gastronômica nacional e francesa. Custa mais de R$ 100,00 kg em alguns empórios e queijarias especializadas em São Paulo.

A perseguição continua em todo o país

Apreensão de queijo em MG

A destruição do queijo de São Roque de Minas não é um caso isolado. A SertãoBras vem acompanhando apreensões que ocorrem no Brasil, criminalizando produtores e distribuidores de alimentos da agricultura familiar. Da destruição de pequenos laticínios em Altamira, no Pará (em abril de 2011), passando por inúmeras casos de apreensões queijo Coalho no nordeste (Cajazeiras na Paraíba), por interdições em Uberaba (primeiro 16 toneladas destruídas em 2008 e, posteriormente, os 720 kg apreendidos no Mercado Municipal, em fevereiro de 2011), em  que ainda estão na memória dos comerciantes de cidade, até apreensões de queijo que são corriqueiras e violentas nos estados do sul do país. Na última semana, por exemplo, aconteceu um caso no município de Seara,  Santa Catarina, berço das grandes agroindústrias do país. Uma loja de comercialização de produtos da agricultura familiar foi alvo de uma ação da Vigilância Sanitária Estadual de Santa Catarina, juntamente com representantes do  MAPA. Fiscais, acompanhados pela polícia, apreenderam produtos como vinhos artesanais orgânicos e peças do queijo típico da região, o queijo “colonial”. Todos os produtos apreendidos estavam registrados no Serviço de Inspeção Municipal e possuíam autorização para serem comercializados. Clientes, que estavam no local, tentaram impedir a apreensão e ouviram discurso semelhante àquele dos fiscais que atuaram na Canastra: “os produtos eram duvidosos, inadequados e que se os consumissem iriam acabar ficando doentes”. Os alimentos recolhidos foram incinerados no lixão municipal da cidade. Mercado Central de BH Queijos sendo descarregados no mercado central de Belo Horizonte, um oásis para a fabricação de queijo artesanal, onde os fiscais do MAPA não podem entrar.

Mais de 1.000.000 de pessoas viram o caminhão de queijos enterrados vivos no Facebook

A foto do caminhão de queijos publicada pela SerTãoBras foi compartilhada mais de 16 mil vezes no Facebook e foi visualizada mais de 1,6 milhão de vezes em 36 horas de publicação. Mais de dois mil comentários indignados mostram ao MAPA o impacto emocional desse enterro de queijos, escritos por agricultores, chefs de cozinha e consumidores ofendidos em seu direito de comer um produto vivo. A nossa microbiodiversidade de bactérias láticas da serra da Canastra jogada no lixão.

Quando falam em tombamento cultural, acho que estão dando é um tombo nos queijeiros“, reclamou uma cientista social que pesquisa os queijos da Canastra. Por outro lado, a mídia e os consumidores estão sendo ganhos através das redes sociais. Florescem comentários indignados, alguns raivosos, outros poéticos, como da jovem Bruna, 19 anos, de São Roque de Minas, que renova nossa esperança na juventude.

bruna comment

Pelo visto, enterrados, os queijos vão brotar e
plantar na cabeça das pessoas a
consciência para sua proteção
.” comentário do Facebook

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6 Comentários

João
23/11/2015 a 17:12

Total absurdo. Prova cabal que o atual governo – e sobretudo o MAPA -, está aí para servir de defensor oficial das indústrias que financiam suas milionárias campanhas políticas.

Ana Paula
22/02/2016 a 14:51

Porque simplesmente não regularizam o queijo antes de vender/!
Se investissem todo esse tempo que gastaram para colocar a população erroneamente contra a fiscalização em procurar saber como se regularizar conforme a legislação exige não teriam perda alguma.
Preferem fazer errado ao invés de buscar informação e se regularizar. Vergonha nacional é termos empreendedores assim…..
Será que não pensam que os produtores que perdem seu tempo e dinheiro se informando e se regularizando são prejudicados por competirem com produtores como estes?! Não é justo com quem paga os impostos corretamente e se regulariza. Antes de culpar a fiscalização procurem se adequar e fazer da forma correta e honesta.

Só com a fiscalização poderemos ter segurança do alimento que chega em nossas mesas!

marcelo roberto
22/04/2016 a 20:13

eles querem imposto para matar a sede desses politicos e toda sua cadeia que deveria estar na cadeia

Renato Bulhoes
17/06/2016 a 23:01

“O Ministério do Desabastecimento”. Pra quem pegou o bonde andando: saiba que o leite cru e assemelhados são combatidos pelos lobistas da industria infiltrados no desGoverno. Isto acontece em muitos países, até nos EUA.

walter alves vieira
27/07/2016 a 11:06

por que vc que fala mal dos produtores ai não coloca sua cara p/ saber quem vc e realmente,se eles estão ilegal e pque tem alguma coisa ai errada,ou alguém querendo prejudica-los de alguma forma,se não já teriam mtos já documentados,não e sua anta.

William
04/07/2017 a 15:26

Concordo com a Ana Paula!!!

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