“Uma longa e deliciosa viagem” é o primeiro livro a enfrentar o desafio de contar a história de quase quatro séculos do queijo no Brasil. Seu autor, o jornalista e editor João Castanho Dias, passou 30 de seus 69 anos trabalhando na cobertura do agronegócio e nos últimos oito se dedica a pesquisar e publicar livros sobre a história rural do Brasil.
Castanho Dias formou-se em Direito, mas o gosto pelos assuntos do campo – adquirido ainda na infância, na fazenda do pai em Santa Cruz do Rio Pardo, no interior paulista – deu outro rumo à carreira do jovem advogado. Em vez da banca, a imprensa. Ele começou no jornal O Estado de S. Paulo e de lá passou pelas principais publicações da imprensa rural brasileira, editou revistas e ganhou prêmios.
Enquanto trabalhava como editor em revistas leiteiras como Balde Branco e Leite Brasil, o jornalista enfrentou a escassez de literatura sobre o leite e o queijo: “Havia alguns livros técnicos que ensinavam a fazer queijos e livros de gastronomia, mas nada havia sobre a história do queijo”. Para suprir a falta de informações, Castanho Dias passou a colecionar todo o material que encontrava sobre o assunto, fossem artigos, textos ou ilustrações.
Esse registro acabou virando a matéria prima para uma nova fase na vida de João Castanho Dias. Em 2004, ele decidiu aliar esse acervo, o conhecimento do meio rural e seu relacionamento com profissionais e empresas do setor para criar sua própria editora, a Barleus. Nesses oito anos, publicou 10 livros, o mais recente é “As raízes leiteiras do Brasil”, mas “Uma longa e deliciosa viagem” é sua obra de maior repercussão. “O assunto (queijo) apaixona as pessoas”, conclui o autor.
“Uma longa e Deliciosa Viagem”, porém, possui atrativos que justificam a repercussão. Além da pesquisa histórica de textos e imagens feita ao longo de cinco anos, Castanho Dias colocou em prática sua experiência como jornalista. Ele viajou pelo Brasil para visitar as regiões que define no livro como “Os cinco queijos terroir brasileiros” (Serrano, no Rio Grande do Sul, Coalho, em Pernambuco, e Canastra, Serro e Salitre, em Minas Gerais), entrevistou produtores, testemunhou a produção e, claro, provou do queijo feito nessas regiões.
“São muito bons os queijos brasileiros”, avalia o autor. “Visitei boas queijarias. Se você for numa queijaria europeia, no interior da França ou da Itália, não verá nada muito diferente do que já fazem algumas queijarias brasileiras, de Minas e do Rio Grande do Sul”. Ele salienta também o cuidado com a higiene nas queijarias familiares que conheceu no Brasil: “Eles têm cuidado com a higiene, as pessoas que fazem também comem do queijo que produzem e, portanto, são cuidadosas. Eu vi gado bem cuidado, ordenha e instalações limpas e pessoal com vestuário adequado.”
Castanho diz que falta ao queijo artesanal chegar nas grandes capitais, nos grandes mercados e deixar de ser um produto clandestino. “Hoje, esse queijo chega em alguns lugares que nem sempre estão na rota de compra do consumidor e é quase impossível encontrar o produto”, lamenta o jornalista. Além disso, ele acredita que o queijo no Brasil sofra por uma espécie de desejo reprimido. “Não conheço ninguém e nunca ouvi falar de alguém que não goste de queijo. O nosso consumo é baixo porque o poder aquisitivo é baixo. Você coloca uma peça de queijo minas numa mesa de café da manhã de uma família de 4 pessoas e esse queijo vai embora; se fizer isso todo dia, vai gastar quase um salário mínimo por mês só com queijo”, conclui João Castanho Dias, esperançoso de ver mais brasileiros embarcando na deliciosa viagem do queijo.
Leia um trecho de “Uma longa e deliciosa viagem” sobre o queijo Canastra:
“… a produção deles (os queijos) é imensa nos sete municípios que rodeiam a montanha (Serra da Canastra), os de Medeiros, São Roque de Minas, Bambuí, Piumhi, Delfinópolis, Tapiraí e Vargem Bonita, que reúnem cerca de 1.800 queijeiros. Em alguns deles essa é a principal atividade. Por exemplo, é assim em Medeiros, de 3.400 moradores. A informação vem de Luciano Carvalho Machado, filho e neto de queijeiros. “É o setor que move a cidade, onde se costuma dizer que a vaca não dá leite, dá queijo”. A que consegue produzir um queijo por dia é “extraordinária”. toda semana saem de Medeiros dezenas de toneladas de queijos basicamente para o mercado de do sul de Minas e para o interior de São Paulo. Esclarecendo que “você nunca comerá queijos canastra de sabores iguais, porque eles variam de acordo com as condições climáticas, assim como Leonardo Da Vinci não pintaria a mesma Mona Lisa”, Luciano Machado produz, além do Canastra normal, o Canastra Real, bem maior, que muito tempo atrás servia para o povo presentear bispos, juízes e outras autoridades. São quatro a cinco formas por semana, feitas por encomenda de butiques gastronômicas de Belo Horizonte e São Paulo, com pesos qua variam de 5 a 6 quilos. “O Canastra é bom para ser comido após quarenta dias de cura, sempre junto de vinho”, recomenda Helena Márcia a seu lado, esposa e ex-professora de matemática.”
Por Sérgio Boeck Lüdtke